JÚLIO. - MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO

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JÚLIO.
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.           

                                                                             
A plateia participativa e interessadíssima lotando por completo o salão me deu a certeza antecipada do sucesso da reunião que proporcionaria reforçar minha posição junto à administração superior, particularmente junto ao Presidente. Sentia-me de alma lavada. Não tinha mais qualquer dúvida: conquistaria o cargo de engenheiro chefe executivo, prêmio merecido após tantos anos de dedicação total e exclusiva trabalhando arduamente para tornar realidade lucrativa todos os projetos a meu cargo.

Lembro o meu começo quando ninguém queria aceitar trabalhar com pequenas obras. Um descarte pretendido estava relacionado à construção de pequena ponte sobre o Rio das Loucas. Bem, na verdade era uma pinguela sobre um córrego fétido de águas estagnadas carregadas de esgoto flutuante. As alegações das recusas eram as mais diferentes, desde doenças respiratórias até diminuição de status.

Dá pro novato...(?)...aquele engenheiro sardento...É... Aquele menino cara de espiga de milho.

Eu, imagine só.  Sem saber direito do que se tratava, aceitei e “mergulhei de cara” pra transformar em realidade o fedorento projeto “Patinho Feio”, nome que eu dei. Terminei a construção antes do prazo e a um custo bem menor do previsto. Fui cumprimentado com risadinhas amarelas, forçadas, abraços sem entusiasmo e ganhei apelido: Pinguela. Aí passei a ser cumprimentado e convidado a participar de reuniões tratando de grandes estruturas.

Claro, fui sabotado várias vezes. Nunca acreditei até o dia em que peguei alguém com a mão na botija: o colega estava trocando uma folha de dados técnicos da pasta de uma obra sob minha responsabilidade. Não o denunciei e hoje ele é meu cão de guarda, zela por todo nosso papelório. Tem tudo sob sete chaves, literalmente.

Isso me obrigou a ter meus resguardos; por exemplo, sempre andar com uma pequena bolsa de couro fixada no meu cinto e que contém os CDs das minutas dos contratos que são mostrados e examinados pelos investidores, pelos futuros associados interessados em participar das concorrências governamentais. Não largo dela um minuto sequer e por nada deste mundo.  

Fui pré-avisado que dentre os convidados haveria representante de empresa interessada na construção da maior usina termo elétrica do plano geral das concorrências sob minha responsabilidade. Sabia da falta de escrúpulos da empresa para obter informações antecipadas, mas apesar da minha capacidade em mirar e detectar pequenos sinais – sempre se denunciam - nada consegui.

- Mais algum esclarecimento necessário? Não? Em não havendo, agradeço suas presenças convidando todos para o coquetel  no bar do 2º piso e encerro a reunião.

Quem já participou de reunião muito importante que termina ao redor das seis da tarde num dia no meio da semana sabe que esse é o aviso para participar, bebericar, “mirar as meninas”, fofocar e aqui, hoje, aproveitar à vontade o Pata Negra, o caviar de esturjão e o prosecco italiano (a pergunta exigente: é de Treviso?) tradicionais da nossa empresa. Então foi o vamos geral. Mãos à obra e todos se esbaldam.

Há a pressa educadamente contida, um certo empurra-empurra, contato físico isolado por roupas de tecido de   cashmir, pelo de camelo próprias para o frio.
Todos querem uma palavrinha com o “dono da casa”, vai que ele pode ser aquele que dá o “placet”? É sempre bom. É o meu caso: agora aperto mãos que não sabem ser gentis, mostram entusiasmo. Palavras são ditas a sottovoce tal coloratura de soprano em falsete, nada mais que palavras querendo justificar o quê, não sei.
Ah, a pressão das pessoas querendo chegar; o empurra, empurra. Eu recuando aos pouquinhos sigo em direção á saída do salão. Lembra a campanha corpo a corpo dos políticos candidatos nos EE.UU.  Hoje estamos chegando quase lá. Mal toco o chão. Estão me levando. Vou indo, levitando. Empurram tão fortemente que a ponta dos meus sapatos mal encostam no chão e ai aconteceu. Escorreguei. Caí de bunda. Mãos me puxam, me viram, meu casaco se abre, me pegam pelas lapelas, pela gravata (ah, é Hermés, cara, cuidado, é Hermés), tento me levantar, caio de lado, mãos me apalpam, levantam minhas pernas, pressionam minha barriga, um rosto arfa hálito quente no meu molhado que está de perdigotos dos que falam querendo me levantar e alguém me toca tanto que até parece que quer me bolinar. São formigas querendo carregar açúcar. Maluquice total, geral, loucura grupal.

Grito ME LARGUEM! Sou obedecido, ponho-me de joelhos e consigo me levantar. Estou amarfanhado qual celofane retirado de pacote de presente de aniversário de criança, mas me aplaudem, aplaudem e riem. É o fim!

- Está tudo bem?
É o meu colega, agitado.
– Tá mais ou menos.
- A bolsinha?
Me apalpo. Nada.
– Levaram.
- E agora?
- Agora? Cospe na mão e joga fora. Nada. Não tinha nada.
- E...
- Eu sei onde estão. Não se preocupe.
E chego no 2º andar. Sou aclamado. Rei do tombo. Todo mundo ri.
– Vai ficar na história, rá,rá,rá.
- Ovacionado desse jeito até pareço o Júlio, digo querendo ser sarcástico 
– Que Júlio?
- O César, mas nunca vou anunciar que não há nenhuma Cleópatra.
Todo mundo ri. É; sou o rei do pedaço. Que coisa!


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