O assovio.- Fernando Braga


O assovio.
Fernando Braga

Assovio ou assobio? As duas palavras estão corretas, para significar aquela emissão de sons que obtemos quando fazemos o ar passar pelos nossos lábios, colocados em uma posição especial. A grande maioria consegue emitir este som, mesmo crianças.

Ainda em uma idade precoce aprendi a assoviar, não me lembro com quem, mas é interessante que os primeiros sons que consegui saíram fracos, sem clareza, disformes como se eu estivesse aprendendo a andar, caminhar. Aos poucos fui aperfeiçoando, soprando com eumetria, e principalmente aprendendo a franzir os lábios, fazendo aquele biquinho, deixando apenas um pequeno buraco para a passagem do ar, saindo o som da maneira que queria. Consegui em pouco tempo assoviar bem, as músicas que gostava.

Me lembro de meu pai, quando dirigia o seu Fordinho 29, pegava as estradas de terra, muitas vezes enlameadas, firme na direção e assoviando. Parecia que o assovio lhe dava mais confiança frente ao perigo. Eu olhava para ele e me sentia feliz, principalmente quando o Fordinho rabeava na lama de um lado para outro, podendo cair nas grandes valetas laterais, e ele firme na direção assoviando forte, completava:

O bicho é bravo, mas tá na mão de homem!

Com meus amiguinhos logo aprendi que, usando os dedos indicador e polegar da mão direita colocados junto aos lábios, língua um tanto enrolada e soprando fortemente, saia um assovio potente, audível no outro quarteirão. Melhorei e consegui emitir um som agudo bem forte, sem usar os dedos, colocando a língua no meio dos lábios e soprando forte. Este tipo de assovio, não permitia acompanhar canções como o outro, mas era ouvido a mais de 100 metros.

Conseguimos criar uma modulação em nosso forte assovio, com a qual podíamos nos identificar. Assim, se estávamos entrando no cinema, já escuro e quiséssemos   saber se um de nós estava lá presente, bastava usar o assovio característico e a resposta vinha de imediato.

Casei-me, tive meus filhos e ainda pequenos ensinei-os a assoviar e esmerar naquele, que era   o da família. Logo minha mulher entrosou-se, reconhecendo facilmente aquele som característico, mas nunca conseguindo assoviar. Hoje, se vamos juntos a um supermercado ou mesmo a um shopping, ela para um lado e eu para o outro, quando nos perdemos e fica difícil saber onde estamos, apelo para o nosso assovio forte, o que frequentemente assusta as pessoas próximas, mas após alguns minutos estamos juntos novamente. Ela segue a direção daquele som emitido e não tem erro!

Há muito anos, decidimos passar o mês de dezembro em um balneário muito conhecido, Punta del Este. Primeiro fui eu, minha mulher e um dos filhos. Os outros dois, devido a seus compromissos foram apenas na semana seguinte, com passagem até Montevideo e depois por ônibus até Punta. Um deles levava junto sua namorada. Quando cheguei a Punta, aluguei um carro, para podermos apreciar melhor esta cidade e suas redondezas.

Meus filhos confirmaram que chegariam por volta das 10,30 horas na capital e depois tomariam o ônibus. Sem combinar nada, decidi na última hora, ir busca-los no aeroporto em Montevideo. Saí sozinho, cedo e às 10 horas lá estava eu, esperando-os. O avião chegou, pegaram suas bagagens e os vi quando entraram na Free Shop. Estava eu, escondido da parte superior e vi toda a movimentação.

Foram tentar comprar as passagens de ônibus para Punta. Eu já havia me informado e sabia que teriam que ir até a rodoviária em Montevideo, que não era longe. Foram caminhando pela área de estacionamento em frente ao aeroporto, até um ponto de ônibus que os levaria até a estação. Quando estavam a uns 100 metros, soltei o meu famoso assovio e imediatamente escondi-me atrás de um pilar de onde podia observá-los. Ambos pararam, olharam para trás,    dos lados, comentando entre eles, sobre o som ouvido. Não apareci. Continuaram caminhando e soltei novo assovio. Pararam novamente, ficaram intrigados, observando, procurando-me com os olhos, mas nada. Então peguei meu carro e fui lentamente até o local onde estavam, no ponto de ônibus. Não me reconheceram, estava de óculos escuros.  Abri janela do lado direito e perguntei:

—  Querem uma carona? A alegria foi indescritível e depois comentaram que pensaram na possibilidade de ser o meu assovio e que eu poderia estar lá, mas não tinham certeza plena, por estarem em um país diferente. Se fosse no Brasil era certeza absoluta. Não sei porque pensaram assim, sendo o mesmo assovio! É como uma digital!

Noutra ocasião, meu filho mais moço, um engenheiro agrônomo formado há uns três anos tinha umas seis estufas, onde plantava pimentões grandes, verdes, vermelhos e amarelos, a venda dos quais lhe dava um sustento. Certo dia ao abrir um desses pimentões, bonito por fora, estava estragado por dentro. Haviam sido atingidos por uma virose, que não teve jeito. Vendeu as estufas e antes de arranjar outra ocupação, decidiu passar uma temporada na Europa. Comprou a passagem, desceu em Lisboa, ficou uns 10 dias em Portugal e daí resolveu ir para outros países. Queria conhecer tudo, da sua maneira, com uma mochila nas costas, viajando de trem, sem um destino certo, dormindo em hotéis baratos e em abrigos, comuns no continente, gastando pouco dinheiro, fazendo amizades, comendo sanduíches, enfim, tudo com o seu espirito aventureiro.  Nesta ocasião tinha eu um congresso,  e decidimos, eu e minha mulher irmos de TAM até Frankfurt, alugar um carro e viajarmos para Hannover, local do encontro científico. Contatamos nosso filho, que na ocasião vagava pela  Suíça e o convidamos   para nos acompanhar em nosso roteiro. Para tal, combinamos um encontro no aeroporto de Frankfurt, com dia e hora marcada, junto ao guichê da TAM. Desembarcamos, pegamos nossa bagagem, saímos naquele aeroporto enorme, densamente povoado e fomos em direção ao   local combinado. Ficamos sentados próximo, esperando a sua chegada, mas passou-se meia hora, uma hora e nada. O que teria acontecido? Ficamos preocupados. Levantei-me e soltei aquele famoso assovio, o mais forte que já havia emitido. Todos me olharam, minha mulher me puxou para sentar-me. Soltei outro e mais outro, e... Após 5 minutos lá estava ele em nossa frente, muito feliz. Se não fosse o assovio! Disse ele, estar nos esperando mais de uma hora, em outro local, distante uns 200 metros, mas com aquele aglomerado de gente...

 — Adorei o seu assovio, pai!

Após 10 dias juntos, ele disse:

Durante nossa estadia, eu estava na classe A e agora vou voltar novamente para a C, voltar para o SUS.

Aconselho a todos que saibam assoviar musiquinhas, que aprendam também o assovio forte e alto e combinem   com seus familiares, como eu fiz. Muitas vezes, pode ajudar!         



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