Escolhas - Fernando Braga


Escolhas
Fernando Braga

Se passou na década de 80.

Eu era o chefe da Disciplina de Neurocirurgia e trabalhava em um hospital escola, onde tinha assistentes docentes e muitos residentes. Nas segundas-feiras pela manhã após passar a visita na enfermaria e na UTI, fazia a tradicional reunião de discussão dos casos. Naquele dia indo à UTI, havia sido internados dois novos pacientes, que tiveram hemorragia intracraniana, onde o cateterismo cerebral havia mostrado a presença de aneurisma intracraniano em ambos. A cirurgia se impunha e ambos seriam operados no dia seguinte, na terça, um pela manhã e outro à tarde. Dia da semana que eu escolhera para operar o dia todo. Estes pacientes eram jovens, ele um rapaz de 31 anos, solteiro e ela uma moça de 34, casada e tinha dois filhos. Ambos estavam bem, após a hemorragia, conscientes e sem déficit neurológico.

Na reunião após a apresentação destes dois casos específicos e análise das imagens, perguntei à assistência:

Quem vocês operariam primeiro, ele ou ela? A maioria respondeu:

Dá na mesma, uma vez que ambos sejam operados no mesmo dia.

Outro retrucou: — Eu operaria primeiro o rapaz, porque o aneurisma tem melhor localização, a cirurgia deve ser mais curta.

Após pensar, resolvi marcar a operação da moça pela manhã e à tarde, a do rapaz. Dei esta preferência pelo fato da moça ter dois filhos.

No dia seguinte, no primeiro horário iniciei a cirurgia microscópica, que realmente foi tranquila, com fechamento perfeito do chamado colo, excluindo a entrada do sangue no aneurisma.

Quando já ia me retirar, deixando o fechamento da abertura cirúrgica para os residentes, chegou esbaforido outro residente, que comunicou que o paciente da cirurgia da tarde havia tido um novo sangramento e estava bastante mal. Saindo do centro cirúrgico fui até a UTI   para examiná-lo e qual não foi minha decepção ao encontrá-lo, já em estado de morte cerebral. Nada mais a fazer.

A paciente que acabávamos de operar, teve alta após uma semana, em ótimo estado.

E se eu tivesse operado o paciente pela manhã e a paciente à tarde, teria mudado toda história? Para mim, certamente teria. Ele teve enorme azar!

O que é o destino! C´est la vie!

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