PERSEGUIDAS.- Mario Augusto Machado Pinto.



PERSEGUIDAS.
Mario Augusto Machado Pinto.

PERSEGUIDAS 
Mario Augusto Machado Pinto

O transito desta cidade está ficando sem jeito. Que coisa mais chata ficar olhando as pessoas dentro dos carros em volta. É o que pensa e sente Luiz. Neste horário os companheiros são quase sempre os mesmos. Alguns ficam à frente, outros atrás e aos lados. Vidros levantados, ar frio ligado, GPS, musica acompanhada por alguns. Verdadeira sala de espera de corpos encerrados dentro de um ar-quário blindado com rostos mostrando feições preocupadas, alegres, tristes, risonhas. É um verdadeiro mundo aparte propiciando pensar irado, contente, triste ou alegre relembrando o que aconteceu e fez durante o dia. É o que sucede com ele neste instante: lembra-se dos momentos – horas – que passou no apartamento da Chantal. Fica excitado só de pensar no complemento de suas pernas cor de jambo, seus movimentos, olhares, respiração, suas palavras... Buzina, buzina... Ah, é pra mim, oi, desculpe, estava distraído. “Acorda! Pensando na morte da bezerra?” Tá vendo só, amendoinzinho pralinê, não me leve a mal, mas você é... É mesmo muito legal além de muito gostosa. 

Ao chegar à casa, Luiz fica algum tempo dentro do carro pra dispersar os maus eflúvios e descarregar os maus espíritos, diz ele, e subir pra se encontrar com Lali risonho e contente da vida.

Abre e fecha a porta da entrada, chama Lali, avisa “Cheguei”, sobe a escada, entra no seu quarto e a ouve avisar que está no banho, na banheira e com a porta trancada. 

Bom, responde, vou trocar de roupa e passear com a Lu. Tudo Bem?
— Tudo, mas não demora. Tenho surpresinhas.

Desce, sai, faz um passeio rápido com a Lu, encontra uns amigos, joga conversa fora e volta à casa espicaçado pela curiosidade desperta pelo “surpresinhas”.

Luiz abre a porta, entra no quarto, vê Lali – meu Deus do Céu! – esta mulher é o máximo - e pergunta:

— Oi, tudo bem?

Lali responde com voz rouca, meio dolente:

—  Tudo. E você?

— Também.

Senta-se numa poltrona largando o corpo, comentando:

— Passear com a Lu não é brinquedo. Fiquei cansado.

— Ela não vem pra cá?

— Não, não vem. Desmaiou lá embaixo. Sabe, encontrei a turminha que fica na calçada em frente à frutaria, aquele pessoal que o Oswaldo frequenta. Estavam às gargalhadas. “Vem cá, Luiz. Vem ouvir as últimas piadinhas”. Fui meio ressabiado. As piadinhas deles são horrorosas, geralmente sem graça apesar dos duplos sentidos, etc. Eles estavam contando piadas de portuguesa, sim, de loira portuguesa, imagina só!

Escuta esta: Loira portuguesa vai almoçar num restaurante e à saída o manobrista lhe diz:

O CELTA preto? A loira portuguesa responde: Tá sim... E, acho que vai chover!
E esta outra, então:

A loira portuguesa entra na farmácia segurando ao colo um bebê e pergunta ao balconista se pode usar a balança para pesar o bebê.
Responde o atendente: Lamento minha senhora, a balança está a concertar, mas podemos calcular o peso do nenê se pesarmos a mãe e ele juntos na balança de adultos. Ao despois pesamos a mãe sozinha e subtraímos o segundo valor do primeiro.

— Ah! Isso não vai dar certo, a loira responde.

— Por que não?

— Porque eu não sou a mãe. Sou a tia!

— Não achei graça nenhuma, são ridículas! - comenta Lali.

Luiz percebe tom ríspido e ansioso na voz de Lali.

— Lali, o que há? Você  parece ansiosa, preocupada.

— Sim, um pouco ansiosa, mas estou mesmo é invocada com o que você anda fazendo.

— O que, por exemplo?

— Você tá fazendo coisa errada com alguém.

— Ora Lali, não recomeça...

— É verdade. Não negue! Você tá fazendo e sei que continua sempre culpando uma nova perseguida. A galinha do vizinho...

— Não tem nada disso!

— Tem. Olha aqui. Prá quem é este presente? Não é pra mim, não me chamo Mina que por sinal é o nome de uma de suas secretárias. Aliás, você só precisa de uma, mas tem três e as troca mais do que troca de camisa.  Cansou da perseguida, troca, troca uma, troca outra e troca... Ficar com uma só até que eu poderia fechar um olho e entender, mas três! É verdadeiro rodizio secretarial. Taí, você inventou mais uma, rodizio...

Intimamente Lali, está satisfeita. Armou as coisas como queria e Luiz acusou o golpe! Pensa: vai fingir de zangado e negar tudo e eu vou ganhar um belo presente, tenho certeza!

Luiz, com a consciência pesada não quer demostrar fraqueza e fala zangado:

— Como é que você mexe nas minhas coisas! Era para ser surpresa! É presente pra você, pelos nossos 15 anos de casados. Encomendei adiantado! Não era pra você saber! Mandei a Neuza buscar na loja e lá se esqueceram de tirar a etiqueta com o nome dela. Leia o Cartão...

— Não vou ler! Não acredito! Você não muda - responde Lali que faz seu conhecido trejeito de suprema irritação e balbucia palavras desconexas, mexendo os braços ameaçando atingir o peito de Luiz.

Luiz sabe que vem tempestade. Ela não está pra brincadeirinhas. A ocasião requer rapidez de ação para desviar a atenção da queixa. Não deixa Lali terminar a frase. Joga-se e abraça as pernas dela deitada que está no divã como a Maja Desnuda, de Goya, fazendo de contas que não quer proximidade. Resiste ao abraço, beijos e carícias de Luiz e fala:

— Que loucura! Sai pra lá! Não quero! Não acredito!

— Mas você gosta, fala Luiz, todo meloso.

— Gosto!

— Vou sempre atrás da sua perseguida. Não há igual.
— Vem, Luiz. Vem. Vamos juntos.

Luiz sobe no divã e cola seu corpo ao de Lali que está pensando:

— Está tudo como eu quero. Ele é um safadão, mas gosto deste homem. Hoje vai pagar: não vou dar sossego. Vai pedir água.



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