O
CUSTO DA AUTORIDADE
Sérgio Dalla Vecchia
Lá
pelos anos oitenta eu gerenciava várias obras na cidade de São Paulo e
municípios vizinhos.
Engenheiro
civil já com experiencia em obras de infraestrutura, tocava com
responsabilidade os negócios, esforçando-me para atingir as metas de produção.
Problemas
dos mais diversos ocorriam no dia a dia em decorrência da dinâmica das obras. Panes
nas horas mais inesperadas, surgiam nas máquinas e caminhões. Faltava o
operador de uma máquina imprescindível naquele dia. Despencava chuva na hora da
aplicação da massa asfáltica, paralisando os serviços. Era um clima constante
de surpresas e tensão!
Certo
dia, o chefe da oficina mecânica veio me relatar que o mecânico socorrista do
caminhão oficina andava parando em botecos. Ele já tinha sido advertido, mas
insistia na conduta. Era um homem de meia idade e forte. Tinha fama de violento
no meio dos trabalhadores e na região.
O
chefe pediu meu aval para demiti-lo, no que concordei plenamente.
No dia
seguinte quando cheguei ao canteiro de obras deparei com o sujeito conversando
com o encarregado administrativo, na sala ao lado.
Entrei
na minha sala e mal me acomodei na escrivaninha, quando o intempestivo mecânico
a invadiu.
Jogou
a carteira de trabalho sobre a mesa e logo esbravejou.
—Por que fui demitido?
Tentando
me controlar, respondi que ele bem sabia o motivo e estava feito.
—Isso
não é motivo. Uns goles não fazem mal nenhum.
Eu
estava em pé com as duas mãos sobre a mesa e enquanto insistia que estava
certo, cutucava fortemente uma das minhas mãos com o dedo, até que olhou bem
nos meus olhos e disse:
— Carinha
bonita hem! Vamos ver como vai ficar depois.
Nesse
instante já havia se formado uma rodinha de colaboradores atraídos pelo áspero
diálogo.
Foi a
gota d´água para meu sistema defensivo, não me contive e ordenei:
— Ponha-se daqui para fora!
Repeti
uma vez, nada!
Outra
vez, nada!
A
terceira foi acompanhada de uma saraivada de tapas, que ele surpreso se
desequilibrou, e de costas foi de encontro à porta do banheiro, onde caiu.
Logo
foi acudido e o levaram para fora da sala, onde de lá me ameaçava:
—
Venha aqui para fora!
—
Venha aqui para dentro, respondia eu com o fígado!
O diálogo
a distância durou pouco e o valentão logo foi levado para fora do canteiro.
A
adrenalina baixou e logo vieram me cumprimentar pela reação.
— Ele
mereceu mesmo. Provocava todos nós. Se achava o valentão, confessaram alguns
dos homens.
Meu
ego agradeceu as palavras, que validaram a legítima defesa da minha atitude.
Fiquei
com a consciência tranquila em defender a honra e manter minha autoridade de
líder perante todos.
Segui
em frente com meu trabalho.
Aconteceu
que o instinto de sobrevivência martelava minha cabeça dia e noite sem parar.
Durante
o sono agitado vinha à mente mil conjecturas: ele devia estar blefando quando
ameaçou, era um momento de raiva, mas era valentão, talvez queira se vingar
mesmo do vexame que passou, quem cuidará de minha família, preciso me precaver!
Dai
por diante comecei a andar armado. No porta luvas do carro e na inseparável
pasta de engenheiro.
Quando
na sala, a porta ficava aberta com vista para a portaria e a mala aberta sobre
mesa expondo a arma pronta para usar.
Assim
nesse clima foi passando o tempo.
Vez
enquanto alguém me avisava que o sujeito estava no bar da esquina. Era o
suficiente para meu coração acelerar, adrenalina subia me deixando pronto para
o combate.
Passou
mais um tempo e eu sempre alerta!
Certa
ocasião, estava parado no trânsito, quando vi a silhueta do mecânico se aproximando
pela calçada. Instantaneamente empunhei a arma, mas para minha surpresa, ele
apesar de conhecer meu carro passou direto sem me encarar.
Aliviado
do susto, agradeci a Deus e continuei na vida de vigília.
Alguns
meses depois, enquanto conversava fora do carro vistoriando uma obra, notei que
vários operários saíram de uma grande oficina para o almoço e dentre eles lá
estava “ele”!
Vinham
na minha direção.
Antes
mesmo de me preparar para a defesa, percebi que o valentão se desgarrou do
grupo e atravessou para o outro lado da rua.
Muito
surpreso e contente, tal atitude me fez entender que o caso estava encerrado.
Esse
foi um dos dias mais felizes da minha vida. Nasci de novo.
Fui
para casa mais cedo, logo abracei esposa e filhos, emocionado e felicíssimo por
saber que não era mais a última vez.
Que alívio!
Nenhum comentário:
Postar um comentário