Tecnologia a Sete
Chaves
José Vicente J. de Camargo
Esse chocalhar - pra cá, pra lá - é o que mais gosto. Me deixa soltinha indo e
vindo. Tem vezes que sinto medo de cair, bater no chão duro, ser pisada por
alguém, ou pior, cair num buraco escuro e ficar esquecida, perdida para sempre.
Minha colega ao meu lado, já passou por isso, mas, por sorte, foi resgatada pelas
mãos de nosso dono, que feliz por encontra-la, lhe deu uma beijoca e recolocou-a
no chaveiro preso a sua cintura. As pessoas nos chamam – eu e minhas colegas -
de “molho”. Não entendo bem por que, mas são detalhes que não me interessam. Só
não gosto quando esse tal de “molho” está muito cheio, nos deixando bater umas
nas outras. Aí prefiro o aconchego de um bolso ou o escurinho de uma bolsa – se
de grife, melhor. O importante é fazer bem meu serviço, não desapontar a quem
pertenço. Para tanto devo me entender bem com a fechadura, minha sócia de
profissão. Divido com ela um segredo que só a nós pertence. Segredo esse que me
custou caro, pois passei, toda prensada num torno, por uma cirurgia de serragem
e limagem. O problema é que dona fechadura é muito sensível e algumas vezes não
nos encaixamos bem. Nessas ocasiões fico triste, pois meu dono se põe nervoso e
me diz impropérios dos mais sujos. Contrariado, ele me deixa num spa, onde
recebo uma massagem com óleo rejuvenescedor, que me deixa lisinha, sem ruga nenhuma.
Se o atrito com a sócia persiste, não há outro jeito, tenho de trocar meu segredo
e lá vem nova cirurgia.
Minha vida é assim, um contínuo abrir e fechar. Quando
estou de bem com a parceira fechadura e ela faz aquele “clic” de “de acordo”,
para abrir a porta do meu dono, sinto sua mão me transmitindo satisfação. Neste
instante também fico ansiosa, imaginando, qual o cenário que está do lado de
lá. Será de paz e alegria ou de tristeza e dor? Se sou colocada suavemente na
mesinha da entrada, sei que o ambiente é positivo, mas, se sou jogada, já sei
que discussões e gritarias virão. Pode ocorrer também, que a mão que me segura,
começa a tremer, me passando um sentimento de medo. Perigo a vista, penso, e logo
me vem a história que uma amiga contou: “ouvi
um tiro e meu dono, me tendo entre os dedos, foi ao chão, manchando-me toda de
sangue”. Mas os tremores que tenho sentido até agora, não tiveram esse
final trágico. Foram descuidos de janelas e portas abertas, batendo-se ao
vento, de luzes acesas esquecidas ou do barulho alegre do gato pela chegada do
chefe da casa.
Quando caio em mãos alheias, sinto um calafrio e me
enrugo, torcendo para que a sócia fechadura desconfie, e não abra. Só volto ao
normal, com o tato conhecido de meu senhor ou sou descartada pelo estranho e fico
esquecida dentro da solidão.
Em princípio sou interminável. Minha vida só acaba, se
ficar perdida um canto qualquer, pois, sem ter fechadura que me receba, meu serviço
perde sentido. Nessa situação, prefiro ir para o lixo reciclável, voltar a ser matéria
útil novamente e torcer para que vire chave outra vez. Se assim for, implementarei
tecnologia de ponta no meu corpo. Um “chip” que soa alarme e pisca um “led”,
toda vez que me perco. Assim meu dono poderá me encontrar facilmente e evito passar
pela dor do esquecimento e da solidão. Também assim, meu segredo, que é minha
alma e razão da minha vida, estará melhor protegido, sob tecnologia a “sete
chaves” ...
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