Pelas estradas de Tocantins
Ises A. Abrahamsohn
Jacqueline sempre foi
muito distraída. Desta vez trafegava devagar cantarolando pela rodovia quando
seu automóvel se chocou contra algo. Ela parou para ver o que era.
De início não
identificou o animal. Apenas viu que era grande e de pelagem cinza amarronzada.
A cabeça estava oculta pelo capim do acostamento e o restante se confundia com
o solo escuro e o mato ralo.
Bem... Bezerro, bode
ou carneiro é que não é! Que animal será?
A moça se armou de
coragem e foi se aproximando devagar. O animal respirava e, de quando em quando,
emitia um som rouco. Vencendo o medo chegou ainda mais perto. Foi quando viu a
enorme cauda cinza de pelos longos e ásperos. Agora sabia que animal era
aquele. Só a cauda tinha bem um metro. Não via o focinho, mas aquele esplendido
leque era inconfundível. Um tamanduá adulto. Nunca tinha visto um tão de perto.
O que fazer.... Não
vou deixá-lo aqui par morrer à beira da estrada. Talvez possa ser tratado. Vou
chegar atrasada para a aula da manhã na faculdade, paciência...
Ligou para o posto da
policia rodoviária torcendo para que atendessem. Naquelas estradas do Tocantins
muitas vezes não se encontra ninguém. Por sorte atenderam. Jacqueline explicou
o ocorrido.
̶ Teremos que
localizar o pessoal da proteção ambiental. Tem certeza de que é isso o que
quer? Vai demorar uma hora para eles chegarem aí!
Agora não posso
desistir, pensou. Tenho que ficar para ver se o bicho vai ser mesmo resgatado.
E Jacqueline ficou lá,
esperando solitária à beira da estrada até que apareceu a caminhonete da guarda
ambiental. Eram dois: o motorista e o veterinário que se apresentou como João
Pedro.
̶ Sim. É um tamanduá. Aliás, é uma tamanduá e prenhe.
Olhando assim parece que não está muito ferida. Vamos fazê-la dormir para poder
transportar.
O veterinário sacou o
que parecia uma pistola. Atirou o dardo anestésico certeiro no lombo do animal.
̶ Agora
esperamos uns quinze minutos até ela dormir.
Jacqueline soube que
João Pedro adorava a profissão. Era especialista em animais silvestres. No
pequeno posto tratavam de todos os animais feridos ou recuperados das mãos de
traficantes, desde pequenos pássaros até os graúdos como antas e veados. A
jovem contou que trabalhava com
informática na faculdade em Palmas e deu a entender que estava solteiríssima.
Era verdade. Há um mês terminara um namoro de dois anos e ainda estava lambendo
as feridas.
O animal tinha
adormecido. João Pedro se despediu. Mais tarde ela ligou e soube que a tamanduá
estava bem após uma cirurgia. Na verdade, tinha sido atingida pela bala de um caçador
e desnorteada, acabou chegando na estrada. O choque com o carro atingiu a base
da cauda e a atordoou.
Por fim os dois marcaram
um encontro para almoço no dia seguinte em Palmas.
Porém João Pedro não
apareceu. Jacqueline ligou para o celular do rapaz. Atendeu uma voz feminina.
̶ Sou a irmã.
Estou aqui no hospital. Ele foi baleado quando junto com Antonio, o motorista, foram atrás de
caçadores na mata. Você é namorada dele?
̶ Não, não, só
nos conhecemos ontem por causa de uma tamanduá ferida, balbuciou Jacqueline.
Vou ao hospital quando ele estiver melhor. Dois dias depois soube pelo
noticiário do meio dia. João Pedro não sobreviveu.
̶ Era seu
namorado? Perguntou a colega ao ver as lágrimas de Jacqueline.
̶ Não, nem
chegou a ser! Queria que fosse! Pelo menos a tamanduá se salvou.
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