Adeus terra querida
Fernando Braga
Há alguns anos, encontrei-me, por acaso,
com um antigo colega do curso científico, que fizemos juntos no Instituto
Mackenzie. Tínhamos então, 18 anos. Imagine que 30 anos haviam se passado e nós
nos reconhecemos de pronto. Ele era o André, esperto, alegre, brincalhão, jogávamos futebol no colégio. Resolvemos ir à
um bar para conversar, tomarmos uma cervejinha, matar a saudade,.
Interessante que logo dispôs-se a contar sua vida, tudo o que havia passado
nestes anos todos:
— Sabe que agora estou
casado pela terceira vez. Com as duas primeiras tive quatro filhos e agora
acabou nascendo, com esta última, uma menina. Imagina a luta que empreendi para
poder sustentar estas famílias, sem lhes faltar nada. O pior é que escolhi mal
as damas, porque além de neuróticas, eram por demais ciumentas e gastavam como
uma amante argentina. Consegui me separar, mas me levaram mais da metade do que
consegui armazenar. Você sabe né, eu
herdei o restaurante de meu pai, lá no Bexiga onde tenho boa clientela, um ganho razoável, mas muito, muito
trabalho. Esta terceira mulher, a Carminha é muito boazinha, boa mãe, boa
esposa, mas também quer saber muito de minha vida. Eu sempre procurei não dar
muita satisfação, porque em primeiro lugar vem minha soberania, liberdade,
independência.
— Imagine
só, Luiz Carlos, o que aconteceu recentemente. Cheguei em casa e fiquei
conhecendo a nova empregada, Marluci ou Mariuska, que minha mulher havia
contratado. Uma baiana, mulata cativante e pele lisa, mamas bem proporcionadas,
rosto perfeito, dentes alvos e sem qualquer falha. Alta, corpo proporcionado, e
como sou podófilo, notei logo que tem os
pés muito, muito bonitos, principalmente quando pinta-os de vermelho claro.
Chamou
a atenção quando disse ter documentos com dois nomes diferentes. O primeiro de
Marluci Oliveira e o outro de Mariuska Volstock. O que é isto? perguntamos.
— Depois eu explico. Continuou:
— Eu morava com minha
família em Esplanada, uma pequena cidade no interior da Bahia, próxima a Aporá. Era meu pai, mãe e dois irmãos, todos
vivendo em uma casinha de barro, explorando uma gleba de quatro hectares, onde
se criava porco, galinhas, cabritos, alguns boizinhos, plantação de milho, feijão,
pés de caju. Foi lá que eu cresci.
Quando fiz 18 anos pedi a meus pais para
ir para Salvador, onde uma coleguinha havia me arranjado um emprego em um
supermercado. Poderia morar com ela temporariamente. Meus pais aceitaram porque
não havia muita alternativa naquele lugar.
Cheguei a Salvador, para mim uma cidade
enorme, deslumbrante, onde ela me esperava. Iniciei o meu trabalho e logo
percebi que os rapazes olhavam muito para mim. Comprei umas roupinhas melhores
em um brechó, mudei o meu cabelo alisando-o. Minha amiga disse que ficou ótimo.
Nos fins de tarde eu e ela éramos convidadas para uma bebidinha com alguns
rapazes do próprio supermercado. Um deles, logo se interessou por mim e eu caí.
Passamos a ter relações íntimas, o que já havia acontecido com minha amiga.
Um fim de semana, eu e minha colega fomos
passear na praia do Forte e quando andávamos pela praia, aproximou-se um rapaz,
de falava muito mal a nossa língua, mas no final dava para nos entendermos.
Sentamos na praia e ele disse que era russo, que viera para ficar uma temporada
para trabalhar em uma firma polonesa.
Marluci disse que o rapaz era alto, bonitão,
muito simpático. Convidou-as para jantar e elas foram. No local havia dança e ao tirar
Marluci, fez uma declaração a ela dizendo que era doido por uma mulata bonita.
O caso continuou e pouco tempo após estavam em um motel. O russo era um tarado
disse ela, mas gostou dele. O tempo passou e ela saia apenas com Leon Volstock,
o russo. Ele caiu de amores por mim. E quando estava na ocasião de voltar ao
seu país, me fez uma declaração dizendo que gostaria de me levar junto e que
poderíamos nos casar em sua terra. Eu sempre fui muito desconfiada, mas acreditei
em Leon. Ele tinha boas intenções.
Viajaram para a Europa e após uma
mudança de voo em Frankfurt foram a Moscou. La ficaram por uma semana, onde
levou-a a conhecer os lugares mais turísticos, dentre eles a chamada Praça
Vermelha, o Kremlin, onde ficou encantada.
— Não pensei que uma
baianinha simples como eu, tivesse uma oportunidade de chegar até lá. Seus pais
e irmãos iriam saber!
— Me levou a ver um túmulo,
de um tal de Lenine, que francamente não sabia quem era, mas ele me explicou
tudo. Era muito gentil
Após esta semana ele me disse que teríamos
que partir para sua terra, local em que iríamos morar. Claro que fiquei
entusiasmada. Disse ele que seriam 6 horas de voo até lá. Uma tal de Petropavlovsk,
na Sibéria. Sabia eu lá o que era Sibéria? Ele apenas comentou que era uma cidade grande
e com frio intenso no inverno.
Chegamos lá em junho e disseram que era
verão. Mesmo assim estava frio, precisava agasalho, mas dentro de casa era bem
suportável. Ele voltou a seu trabalho antigo e estava muito satisfeito. A casa
que morávamos era confortável, tinha jardim e bem no meio de um bairro
residencial. Após uns três meses, em começo de setembro notei que estava
gravida e contei a Leon. Ele ficou muito alegre e disse que iríamos nos casar, em
uma igreja ortodoxa. Ele disse que era igual à católica. Topei.
Naquelas alturas já tinha conhecido toda
sua família que não deixavam de exaltar a minha beleza e a felicidade de Leon
ter me encontrado.
Quando íamos nos casar ele perguntou se
eu não toparia mudar o meu nome, porque naquelas bandas nunca tinham ouvido
falar em uma Marluci e muito menos Gonçalves. Disse que havia se informado e
seria possível concederem um novo documento de identidade para mim e passaporte.
Mudariam meu nome para Mariuska Volstock, Volstock de meu marido russo. Para
encurtar disse ela:
— Meus patrões, confesso que
o que passei não existe. Vai ser um lugar frio na casa do capecatso. Certo dia
de janeiro a temperatura chegou a 25 graus abaixo de zero. Preferia estar no
inferno, com 70 graus para cima. Dentro de casa, apesar de calefação e uso de
roupas quentes não era o suficiente. Nunca mais saí às ruas. Era gelo e gelo por
todos os cantos. Sexo, para mim foi abolido e agora grávida de 4 ou 5 meses era
pior. Como poderia criar um filho naquele lugar, no fim do mundo e frio, frio para
valer. Vocês nunca poderão imaginar o que é isto. Afinal sou baiana.
Leon e sua família eram ótimos, mas
minha comunicação com eles era assaz difícil. Eles não falavam uma palavra de português
e eu nenhuma de russo ou inglês, que alguns falavam na rua. Comecei, juro por
Deus a me encher, a ter tédio, que foi virando uma depressão. Ele, Leon me consolava dizendo que a primavera
iria chegar e tudo melhoraria.
Minha barriga já aparecia. Fui levada ao
médico que disse tudo estar bem e que seria uma menina. Comecei seriamente a
pensar em voltar para o Brasil. Não poderia dar à luz lá na Sibéria, porque aí
não poderia trazer minha filha para o Brasil.
Falei com Leon para voltarmos ao Brasil
e ele disse que eu estava ficando louca. Impossível.
Ele me tratava bem. Afinal eu era a
única mulata daquele lugar! Um local de gente muito feia. Na minha saudade, eu relembrava,
o início de uma poesia que dizia: Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá
e depois outra que assim começava: Adeus terra querida, Adeus amor da minha
vida ...
Decidi que iria voltar para o Brasil, seja
para a Bahia, para São Paulo ou qualquer outro lugar, mas que fosse no Brasil.
Iria largar o meu marido, embora muito bom. Tudo ali era bem superior às minhas forças.
Neste meio tempo eu conseguira guardar
algum dinheiro, reais, dólares, euros e até rubros, que Leon me dava.
— Não me perguntem como, mas
consegui.
Em fevereiro, Leon disse que precisaria ir a Moscou a negócios e que lá
permaneceria um mês. Eu ficaria sozinha aqui. Implorei para acompanha-lo e
acabou concordando. Comprou-me uma passagem para 15 dias após ir encontra-lo.
Me comunicaria o hotel onde deveria me dirigir. Assim foi feito. Peguei algumas
roupas, fiz pequena mala e parti.
— Cheguei
a Moscou. Já havia planejado tudo. Tinha um passaporte russo e outro brasileiro.
Do aeroporto peguei um ônibus até a estação rodoviária e outro ônibus que fosse
para a Cracóvia, a terra do papa João Paulo II. Eu já havia planejado. Tudo!
Fui depois para Frankfurt e pela TAM voltei ao Brasil. O dinheiro, tudo
o que tinha, gastei até o ultimo tostão. Passei um pouco de fome. A minha
preocupação era ter um aborto, com tanta confusão.
— Dei
à luz na Bahia, e lá fiquei por um ano. Minha filha ficou com meus pais no
interior. Vim para São Paulo para trabalhar novamente e aqui estou com vocês, que
foram muito bons em me aceitarem. Daí os dois nomes que tenho: Marluci e Mariuska. Sabem que estou
preferindo o segundo? O que acham?
Aí André, continuando sua conversa disse:
—A
coisa não parou aí. Em casa ela me perturbava. Eu ficava louco quando a via
limpar os vidros das janelas, quando limpava o chão e quando lavava roupa, inclinando-se
e fazendo o movimento de vai e vem. Ela era safadinha e atrativa. Não aguentei
e um dia esperei-a em meu carro no ponto de ônibus, quando ia embora. Entrou e
fomos diretos para uma Motel: Momentos de Amor. E foi! E agora?
— Estou
muito enrolado. Minha mulher percebendo alguma coisa, dispensou-a. Mariuska me telefonou, tive que alugar um apto para
ela, em nome de um amigo. Se minha mulher descobrir estou com casamento desfeito.
—
Bem, e daí? Já cai duas vezes fora! Não dá para largar a Mariuska.
— E
você meu amigo? Como vai a sua vida, Luiz Carlos? Perguntou André
—
Bem, estou casado e muito bem casado.
—Boa
sorte André. Espero revê-lo um dia.
Sai de lá, meditando:
— Se
for tudo verdade, vai ser difícil sair desta. Mas é certeza que consegue! Só
ele mesmo!
Esta história vai continuar. O russo vai voltar.
Aguardem!!!
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