Loura ou morena
Ises A. Abrahamsohn
Lívia levantava cedo para ser uma das primeiras a
chegar ao escritório. Agora estava bem mais perto, nem precisava de condução. Podia
ficar mais meia hora na cama. Lá fora uma garoa embaçava as janelas do
apartamento. Rapidamente vestiu-se e engoliu o copo de leite com chocolate
enquanto pensava que precisava comprar cortinas. À frente do prédio percebeu
que a chuva tinha aumentado; ficou indecisa se valia a pena trocar os sapatos.
Na calçada foi abordada por um estranho que lhe
dirigiu um animado Bom dia! Ia responder
quando, de repente, ele a agarrou e a fez entrar num carro parado ali mesmo em
frente ao edifício.
Quis gritar, mas logo uma mão tapou-lhe a boca e ela
foi empurrada contra o assoalho do carro. O motorista arrancou enquanto o
agressor a amordaçava com uma tira adesiva. Começou a espernear, mas o homem
usou os dois pés para mantê-la deitada. Logo um capuz foi-lhe enfiado na cabeça
e as mãos foram amarradas nas costas. Não conseguia ver nada. Era inútil lutar
e ficou ali, imobilizada, esforçando-se para não entrar em pânico.
Lívia não chorava. O pavor era demais. O que querem
comigo? Não tenho dinheiro. Mal e mal pago as contas do mês. Não tenho parentes
nem amigos importantes... Deve ser um engano. Pegaram a pessoa errada. Acabei
de me mudar para este apê aqui em Botafogo. Foi um achado. Pequenino, bem
cuidado, bem localizado, quase divisa com Copacabana.
Lívia lembrou o que o rapaz da imobiliária contou sobre
os proprietários. Era um casal jovem que repentinamente, há menos de um mês, tinha
se mudado para Petrópolis.
̶ Deve ser isso, pensou. Os bandidos devem
estar atrás daquele casal. Tenho que mostrar que eu não sou quem eles pensam.
Tenho que manter a calma...
A moça sentiu que o carro avançava por outro terreno. Estrada
de terra, esburacada... Para onde estão me levando?
̶
Chegamos, belezoca. Agora tu vai explicar onde foi parar a grana do último
pacote. Eram mil papelotes da boa.
Lívia não podia responder. O captor puxou-a para fora
do carro. Ajoelhada na terra o homem arrastou-a viciosamente pelos punhos até que
ficasse em pé.
̶ Vai andando,
dizia, enquanto a empurrava, cambaleante, através de uma porta.
̶ Senta. A moça percebeu que era dirigida para
um sofá.
̶ Chefe. Tá aqui. Trouxemos a loira do apê de
Botafogo.
O homem puxou o capuz. Lívia viu que estava no que
seria a sala de um barraco de madeira: a única janela de duas bandas meio
encostadas não deixava ver o exterior. Uma lâmpada nua iluminava o recinto.
Além do sofá imundo onde estava sentada, apenas uma mesa e algumas cadeiras de
plástico.
Sentado à mesa estava o chefe. Sujeito miúdo, pardo,
de cara inexpressiva que a examinava com atenção.
̶ Seu idiota. Pegou a mulher errada. Não é a
Célia, mulher do Carlinhos Botafogo.
̶ Como não é, chefe? Fiz tudo direito como mandou. Conferi ontem o número
do prédio. Esperei na calçada. Liguei antes para o apê e vi ela sair do
elevador... Só pode ser ela. Foi o que me falaram, loira tingida do apartamento
62. É a mulher do Botafogo.
Lívia, apavorada, pensou. Putz, se eu não tivesse
tingido de louro na semana passada.
̶ Tá vendo moço. Não sou a Célia. Eu me chamo
Lívia e mudei faz cinco dias. Me deixe ir embora. Não tenho nada a ver com o
pessoal que morava lá. Aluguei pela imobiliária.
̶ Moça, não tenho nada contra ôce! No normal
daria um tiro e o Lourival aqui despejaria nas lagoas dos jacarés. Hoje tô de
bom humor.
̶ Lourival, bote o capuz nela, bota o silêncio
e larga ela bem longe.
̶ Sei não ,chefe. De repente ela reconhece
nóis!
̶ Obedece estrupício. Tô vendo que tu tá loco pra
tirar uma casquinha. Hoje não. Não quero complicação! Obedece!
E Lourival obedeceu. No carro ainda ameaçou.
̶ Se der um pio, já sabe. Teve sorte. Tava loco
para pegar uma loirona gostosa.
Lívia sentiu o carro parar e ser empurrada para fora.
Estava em uma estrada. Conseguiu rolar até bater na guia. Silêncio, chão
molhado, cantar de passarinhos e frio....
̶ Devo estar na floresta da Tijuca. Só resta
esperar.
Foi achada e libertada por um ciclista. Mal conseguiu
se levantar. Fora uns machucados e manchas roxas estava viva. O rapaz a levou
para casa.
No dia seguinte, os cabelos de Lívia voltaram a ser castanhos.
Loura, nunca mais!
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