O estilingue
Fernando
Braga
Quando
criança aprendera com seu jovem tio a fazer e empinar pipas ou papagaios, a
jogar bolinhas de gude, rodar pião, fazer e soltar balões e ainda fazer e
manipular estilingues. Aprendeu a cortar forquilha de jabuticabeira ou
goiabeira, que fornecem a madeira mais resistente, inquebrável ao serem
utilizadas. Conseguia pedaços borracha de câmaras de ar das quais retirava
várias tiras de 1 ou 1,5 cm de largura e 25 a 30 cm de comprimento e ainda um
bom pedaço de couro mole, no sapateiro. Com isto fazia dois, três, quatro
estilingues, aprimorados, com o tempo. Como projetil usava goiabinhas, pedregulhos
arredondados e ainda bolinhas de gude ou de aço. Vivia treinando e logo já
tinha pontaria bem melhor que a de seu tio, que era muito bom.
Nunca
deixava de treinar uma ou duas horas por dia. Chegava da escola e corria para o
quintal onde havia latas grandes e pequenas, garrafas colocadas em pé e
deitadas e até moedas, sobre os quais atirava com seu estilingue, passando cada
dia a aprimorar sua pontaria, a sua maestria. Não sabemos se, se tornou tão preciso
devido ao treino contínuo ou sua grande aptidão no uso deste instrumento. O
fato é que era imbatível em sua execução. Passou então a mirar apenas as moedas,
colocadas a uns 10 ou 15 metros de distância. Acertar o fundo das garrafas
deitadas, para ele, perdeu a graça. Atirava com precisão e muito forte.
Carregava
sua arma por toda parte, dentro de um embornal pequeno, de sua maleta da escola,
nos bolsos da calça, sempre com as bolinhas de vidro. No recreio da escola, fazia
demonstrações de sua pontaria para seus coleguinhas e dizia:- Quem sabe, um dia
coloquem o tiro de estilingue dentro das olimpíadas, como o arco e flecha e
tiro ao alvo. Tenho que treinar!
As professoras e professores tomaram conhecimento
do fato e diziam: - Se lâmpadas ou vidraças aparecerem quebradas, já sabemos
quem foi.
Assim, todos o temiam, mesmo os garotos
maiores, pois ele não largava seu estilingue, por nada.
Certa
ocasião, na saída da escola, vinha pela rua com dois amiguinhos, quando um
carro ao sair da garagem, pelo portão aberto, saiu um cão feroz, um pitbull, que
foi para cima deles. O cachorro grudou sua mandíbula na perna de seu amigo. Chico,
rapidamente tirou seu estilingue, uma bolinha de aço, aprumou na cabeça do cão
que mordia seu amiguinho e zás-trás...
Atingindo-o em cheio na cabeça. O cão largou a presa e caiu ao solo... Morto? Parecia!
Chegou logo o dono que levou o animal inerte para casa e logo voltou para levar
o menino ferido ao PS, onde cuidou dos ferimentos,
suturou-os, receber vacinação antirrábica,
antibiótico. E depois, teve que aguentar a família, que veio tirar satisfações.
No
dia seguinte na escola, todos falavam de Chico, o herói:
Eis
que Juca, Chico e Joaquim,
Voltando
um dia da escola,
Depararam
na calçada,
Com
um enorme mastim.
Queriam
correr, fugir,
Tentar
escapar da fera,
Não
deu tempo para tal,
Foram
vítimas da quimera.
Chico
tirou sua arma,
Um
estilingue bacana,
E
acertou bem na testa,
Daquele
cão tão sacana!
O
dono do cão terrível,
Correu
pra tentar o socorro,
Mas
se não fosse o Chico,
Vitória
para o cachorro!
Ele
tornou-se um jovem adulto e nem assim abandonou o uso de seu estilingue, treinando
diariamente.
Adulto,
formou-se em universidade, ganhou um carro do pai, namorou e logo casou.
Tudo,
menos abandonar o seu antigo e velho amigo de infância, sua arma preferida. Dizia
para sua mulher, que era cismada, o repreendia pelo treinamento diário no quintal, tentando
atingir moedas:
—
Meu bem, eu nunca matei um passarinho ou um gato, e apenas uma vez, tive que matar um cão feroz,
para proteger o meu amigo Joaquim. Deixe eu me divertir.
Não
esquecia seu tio, que quando foi derrotado por ele na pontaria, decidiu
dedicar-se a atirar punhais com pontas agudas, contra um alvo pequeno, colocado
a 5 metros de distância, e que após muito treino, não o errava mais. Dizia ele:
—
Um dia posso precisar!
Sempre
seu tio levava consigo esta arma, que não era proibida. Se alguém cismasse, diria
que era para descascar laranja.
O
tempo passou, Chico já tinha duas crianças e morava em uma boa casa no Alto dos
Pinheiros. Em um feriado de Nove de Julho, convidara sua família para almoçar
em sua casa. Levantou-se cedo para ir à feira no Ceasa. Estava no banheiro
fazendo a barba quando ouviu sons estranhos na lateral da casa. Subiu na
banheira e olhou pela pequena janela, de onde pode ver a empregada que veio para
ajudar no almoço, dominada por dois bandidos. Ela tinha acabado de entrar na
casa com sua chave quando eles, armados, aproveitaram a brecha. Prenderam a
empregada no banheiro após ser aberta a porta da cozinha.
Agora é tudo ou nada!
Pensou Chico.
Rapidamente,
trancou sua mulher e filhos por fora, nos quartos adjacentes, pegou seu
estilingue com seis bolinhas de aço e postou-se de pé na pequena sala de TV junto à escada e ficou
aguardando a subida dos bandidos, que acreditavam estarem fazendo surpresa.
Quando
já estavam subindo, cautelosamente, a segunda porção da escada, Chico sem fazer
barulho pegou firmemente na forquilha, esticou
bem o elástico e disparou contra a cabeça do bandido que vinha na frente. Acertou-o
em cheio junto ao olho direito. O bandido tombou por cima do outro, caindo os
dois pela escada abaixo. O outro, não quis saber de nada, largou o companheiro caído
e escapuliu. Nenhum tiro foi disparado. O bandido atingido ficou no sopé da
escada desfalecido, inerte. Nesta hora, Chico desceu para ver se ele estava
vivo. Chamou o 190 e em 10 minutos lá estava a polícia para fazer a ocorrência,
e uma ambulância que levaria o bandido para um hospital.
Chico
foi liberar sua mulher e filhos que ficaram trancados nos quartos, que haviam
acordado com a barulheira e estavam bem aflitos, sem saber o que estava
acontecendo.
Quando
souberam de todos os detalhes, sua mulher apenas comentou:
—
Você
tinha razão, o estilingue é uma arma poderosa. Parece até melhor que revolver! Mas
tem que ser um exímio como tu, meu maridinho! Você é muito, muito corajoso
mesmo! Precisava ter certeza absoluta de que não erraria!
O
bandido ficou três meses internado, recuperando-se depois, mas cego do olho
direito. Entregou seu amigo e ambos foram presos.
E
a esposa de Chico disse:
—
Eu já tinha visto o poder de um estilingue
naquele filme “O catador de Pipas”
—
Agora você pode a treinar à vontade!
Aliás, deve!
Ela
termina recitando:
Meu
marido Chico fera,
É
calmo, tranquilo, audaz
Não
duvidem de sua coragem,
Ou
vão ver o que seu estilingue faz!
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