Seu Aleixo, o
Mestre Carreiro.
Sergio Dalla Vecchia
— Não era uma vez! É a sua vez, disse o gerente ao
engenheiro Junior recém-contratado para compor a sua equipe.
Marcelo era um gerente com bastante experiência no ramo
de construções e era muito respeitado na Empresa em que trabalhava ha mais de trinta
anos.
Roberto, o engenheiro novato, arregalou os olhos pela expectativa do significado da frase “é a sua vez”. Ele associou ao medo do
dentista na sala de espera do
consultório , na fila para uma entrevista de emprego, na vez de
apresentar um trabalho na escola e outras situações de pura ansiedade.
— Que foi Roberto, te
assustei ? Perguntou Marcelo já com uma fisionomia mais calma.
— Não senhor, só estou apreensivo.
O tempo foi passando e Roberto já tinha tomado pé dos
serviços e conhecendo bem melhor como era o Marcelo e assim foram se tornando
amigos, até que em um dia de chuva, com a obra parada, sobrou tempo para que
eles tivessem uma boa conversa enquanto a chuva caía.
— Marcelo, vou te fazer uma pergunta: Como você
adquiriu além da experiência técnica, a capacidade de se relacionar tão bem com
os colaboradores, com o cliente e se manter a tanto tempo nessa mesma empresa?
— Roberto, a vida nos ensina desde pequenos, basta
observarmos tudo que nos rodeia, em primeiro lugar o comportamento dos diversos
tipos de pessoas, o dos animais e a natureza como um todo. Analisá-los e depois
filtrá-los e tomar do que restou uma base para o nosso comportamento social.
Felizmente eu estou conseguindo ser o que eu estava buscando ser!
— Estou gostando Marcelo, fale do seu aprendizado na
sua juventude.
—Esta bem Roberto, então vou te contar a estória que serve de comparação ate hoje com o
gerenciamento de um negocio. Eu era um rapaz que adorava passar as férias na
fazenda do meu avô que ficava no interior de São Paulo. No primeiro dia de
férias lá ia eu para a antiga rodoviária em frente a Estação Júlio Prestes,
hoje Sala São Paulo, para pegar o ônibus
da Empresa Cruz que me levaria ate a cidade de Ibitinga. Distante 350 km da
cidade de São Paulo na direção noroeste.
A viagem não era das melhores, mas para quem tem a
energia e ansiedade acumuladas para chegar ao seu local preferido de férias, as
seis horas de viagem e as paradas em várias cidades, eram desprezados.
Enfim eu chegava!
O ônibus parava no centro da cidade de Ibitinga ao
lado da Igreja Matriz. Lá havia dois tipos de transporte a disposição; taxis e
charretes. Eu com pouco dinheiro da mesada ou ia a pé ou de charrete,
dependendo do bolso e do horário da chegada.
— A casa do vô Chico e da vó Zezé ficava a umas quatro
quadras do centro, portanto perto.
— Quando eu chegava era recebido com aquele abraço
fraterno de vó que tanto nos conforta. Depois vinha o melhor; comida feita no
fogão a lenha, salada temperada na bacia de alumínio, doce de leite ou goiabada
cascão tudo feito pela vó Zezé.
— O vô Chico era adorável e brincalhão, mas tinha um
inimigo mortal que o acompanhava a cada
fração de hora. Era o maldito vicio do cigarro! Por conta disso as suas noites eram acompanhadas de tosse, a
qual todos os netos sempre se lembram. Ela era o ícone do vô.
— Como era de se esperar o querido ele faleceu de
enfisema pulmonar.
— Com sua morte o tio Eduardo, o mais moço dos cinco
filhos, já era fazendeiro e o único que
morava também em Ibitinga, assumiu o comando da fazenda Roseira.
—Tio Eduardo tinha muita visão de negócios,
experiência, e o vigor da idade madura. Negociava o gado, comprando, engordando
e vendendo.
— Na lida do dia, ele acabou conhecendo o Seu Aleixo
que estava em busca de serviço.
—Acontece que a profissão do Seu Aleixo era a de
carreiro[i].
Daí a visão de negócios do tio Eduardo vislumbrou naquele momento a
oportunidade de formar parelhas de bois, adestrá-las e vendê-las com um bom
lucro, aproveitando desta maneira os conhecimentos reconhecidos do Seu Aleixo.
— Roberto, estou me alongando na prosa? - Indagou o
Marcelo.
— Não, respondeu o Roberto, mas vamos tomar um café,
está vindo um cheirinho bom lá da copa. Assim foram até a copa, onde os
esperavam um cafezinho passado na hora e uns mini pães de queijo que a copeira
fazia muito bem. Ela era mineira!
Após o conforto do cafezinho os dois voltaram à
conversa.
— Roberto, tenha paciência, pois nós engenheiros somos
exatos e descritivos. Faz parte do aprendizado. Então vamos lá:
— Sabe como era feita a escolha da parelha de bois?
O seu Aleixo ia escolher uma parelha[ii]
em meio de tantos bois que se encontravam no pasto. Olhava, pensava, observava os movimentos e escolhia um
boi, em seguida procurava até encontrar outro com as características similares às
do primeiro e assim estava formada a primeira parelha a ser adestrada.
—Você sabe como era feito o adestramento?
— Primeiramente
era necessário cangar[iii] os
dois bois. Daí, atrelava-se essa nova parelha ao carro de bois[iv]
entre duas parelhas já adestradas. A
parelha mais erada[v]ficava
atrelada ao carro de bois propriamente dito pelo cabeçalho, pois a sua função
era a de manter a mesma cadência do carro, tanto na subida quanto na descida. A
outra era uma parelha mais jovem, chamada de bois de guia[vi] com
experiência suficiente para obedecer ao comando do carreiro apenas por meio da
voz (É isso mesmo! os chamados bois de guia não possuem rédeas de comando e
obedecem apenas ao comando de voz do
carreiro).
Após as três parelhas
estarem devidamente atreladas ao carro de bois, era chegada a hora da primeira
viagem.
O seu Aleixo ficava
apreensivo e de olhos voltados para a nova parelha que não parava quieta diante
de tamanha ansiedade.
— Enfim,
era dado o comando de voz aos bois de guia “fasta Comercio, carrega Viajante”, e
de pronto, o carro começava a andar e os novatos mal sabiam o que estava
acontecendo. Eles vão sendo arrastados pelos bois de guia e empurrados pelos bois de coice[vii].
Não havia alternativa para eles a não ser seguir a frente, mesmo caindo, levantando, mas sempre seguindo a
frente, pois tinham a força e a vontade da juventude. Depois de algumas viagens,
alguns tombos e pequenas escoriações a parelha estava capacitada para o
trabalho e poderia ser vendida com uma boa margem de lucros e assim
sucessivamente.
—A
convivência com o seu Aleixo e seu carro de bois foi marcante para mim, meu
caro Roberto. As lições aprendidas com a
simplicidade nobre, com força da voz suave, a cadência e sobretudo a sabedoria
do povo do interior muito me ajudaram e ajudam a gerir qualquer negócio com equilíbrio
e força.
— Roberto,
grave essa estória do carro de bois e faça uma analogia com a estrutura de uma
Empresa da seguinte maneira:
— O carro de
bois representa o negócio.
— Os colaboradores
sem experiência representam a parelha a ser adestrada.
— Os da
produção representam a parelha de guia, que só têm tração e que obedecem as
metas, diretrizes do negócio e puxam
para frente com todo seu vigor.
— O gestor
representa a parelha dos bois de coice, que tem a capacidade de
tracionar e segurar o carro, pois é mais experiente, mais calma e que tem como função manter um ritmo
constante do negócio, tanto na alta como na baixa.
— Por fim o cliente representa o carreiro, que
da o rumo e a cadência ao seu negócio.
— Capiche
Roberto? - Indagou Marcelo se lembrando da sua descendência italiana.
—Sim,
capisquei tudo! - Respondeu o amigo sorrindo.
E assim a conversa estava boa já
indo para a Itália, foi quando os dois perceberam que a chuva havia
passado e simultaneamente ouviram uma voz dizendo “fasta Comércio, carrega
Viajante”:
Eles se
entreolharam e voltaram ao trabalho rapidinho !!!!!
[i]
Carreiro: designa um homem que comanda um
carro de bois, no seu manejo, na sua manutenção e no cuidado das parelhas de
bois.
[ii]
Parelha de bois: é um par de bois com características parecidas, tais como:
tamanho, força e cor.
[iii]
Canga: viga de madeira que é colocada no
pescoço dos bois que formam a parelha, para que possam ser atrelados ao
cabeçalho ou ao cambão do carro de bois.
[iv]
Carro de bois: é uma carroça de madeira reforçada sem varal, que é substituído
por uma viga de madeira na qual se acoplam as parelhas.
[v]
Erado: é um boi mais velho, acima de quatro anos.
[vi]
Bois de guia: é a parelha que fica mais a frente das outras.
[vii]
Bois de coice: é a parelha que fica atrás das outras.
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