ZÉ TROVADOR
José
Vicente J. de Camargo
Nasceu
cantando!
Disse
dona Margarida ao ser perguntada como Zé Trovador, seu filho, conseguiu esses dons
de cancioneiro e sanfoneiro de altíssima qualidade, tendo feito somente o grupo
escolar, sem nunca ter tido contato com a música acadêmica:
− Seu primeiro choro já saiu com rima! Acrescenta ela sorrindo, mirando à
repórter que lhe veio entrevistar sobre o filho famoso. - e completa:
“Desde moleque ao invés de jogar bola com os
amigos, ia nos botecos da Vila atrás dos tocadores de sanfona e violão a
fazerem suas trovas de desafios e repentes que muitas vezes terminavam em
brigas e até em mortes. De tanto ouvir tocarem, ficou com o ouvido pra lá de
bom de afinado. E nas rimas, contava tudo o que via e sentia em trovas com
facilidade cada vez maior. Lhe saia do coração. É um dom de nascença que
recebeu do padinho Cicero. Na escola, os colegas riam desse jeito dele de dizer
as coisas, mas ele não se importava. Rebatia com mais trovas até que a gozação
virou admiração. Passou a ser solicitado para as festas do Divino e para as
quermesses da paróquia. Os trovadores respeitados já o deixavam entrar na roda de
desafios sem aquele olhar enviesado de “moleque atrevido”. Foi aí que recebeu o
apelido de Zé Trovador. Todos os trocados que recebia na venda do milho e da
mandioca da roça, nas feiras de domingo, na praça da matriz, ajuntava pra
comprar uma sanfona que era o que mais desejava na vida. Não gastava em mais
nada. Nem sorvete e algodão doce comprava. Exceção eram os filmes de Mazzaropi
que tinham cenas de sanfoneiros e “desafios”. Mesmo assim o dinheirinho custava
pra aumentar e parecia que nunca ia chegar a tal dia da compra. Mas ao invés de
ficar triste, Zé Trovador economizava ainda mais e passou a fazer “bicos”, após
o trabalho na roça e as feiras de domingos, de
lavador de pratos e de limpador de chão nos botecos onde corria solto as trovas
e os cordéis contando e cantando as notícias, fofocas e aventuras dos
conhecidos da região – autoridades, políticos, coronéis, damas da zona, corolas
e religiosos – ninguém e fato nenhum escapava das línguas afiadas dos
trovadores. Foi então que o destino interveio e lhe deu uma mãozinha.
Meu compadre Lucindo, sanfoneiro de mão cheia, foi chamado junto a Deus. Ele apreciava e incentivava o interesse e o esforço do Zé pelas modinhas do sertão e deixou pra comadre, sua mulher, seu desejo de que sua sanfona fosse dada a ele. Foi o dia mais feliz do Zé Trovador.
Com o dinheirinho que tinha ajuntado, comprou um traje de algodão, um chapéu de aba larga, um par de botinas de couro cru e saiu pros arraias atrás das rodas de trovas. A volta pra casa foi diminuindo até só mandar recados de onde estava e cada vez mais longe. Eu ficava aqui com meu rosário e meus santos, pedindo a ele a proteção da Virgem Aparecida. No último recado, mandou um dinheirinho maior pra mim comprar um vestido bonito, passagem de ônibus e ir vê-lo na Capital, onde vive agora, pra assistir a um show dele. Mas sou bicho da roça. Não tenho jeito para cidade grande, nunca pus sapato no pé. Dei o dinheiro pro fio maior ir ver o irmão. Ficou maravilhado com tanta gente aplaudindo e gritando o nome do Zé. Esse tal de teatro tinha mais luzes coloridas piscando do que a Vila inteira. Me disse que o Zé tem papel assinado que o impede por enquanto, de vir me visitar. Mandou uma dinheirama que é pra mim construir uma casinha na Vila com luz elétrica para assistir o show dele na televisão. Fico feliz por ele estar fazendo o que mais queria na vida, mas por mim o preferia que estivesse aqui nas quermesses da igreja, animando as arraias”.
Meu compadre Lucindo, sanfoneiro de mão cheia, foi chamado junto a Deus. Ele apreciava e incentivava o interesse e o esforço do Zé pelas modinhas do sertão e deixou pra comadre, sua mulher, seu desejo de que sua sanfona fosse dada a ele. Foi o dia mais feliz do Zé Trovador.
Com o dinheirinho que tinha ajuntado, comprou um traje de algodão, um chapéu de aba larga, um par de botinas de couro cru e saiu pros arraias atrás das rodas de trovas. A volta pra casa foi diminuindo até só mandar recados de onde estava e cada vez mais longe. Eu ficava aqui com meu rosário e meus santos, pedindo a ele a proteção da Virgem Aparecida. No último recado, mandou um dinheirinho maior pra mim comprar um vestido bonito, passagem de ônibus e ir vê-lo na Capital, onde vive agora, pra assistir a um show dele. Mas sou bicho da roça. Não tenho jeito para cidade grande, nunca pus sapato no pé. Dei o dinheiro pro fio maior ir ver o irmão. Ficou maravilhado com tanta gente aplaudindo e gritando o nome do Zé. Esse tal de teatro tinha mais luzes coloridas piscando do que a Vila inteira. Me disse que o Zé tem papel assinado que o impede por enquanto, de vir me visitar. Mandou uma dinheirama que é pra mim construir uma casinha na Vila com luz elétrica para assistir o show dele na televisão. Fico feliz por ele estar fazendo o que mais queria na vida, mas por mim o preferia que estivesse aqui nas quermesses da igreja, animando as arraias”.
E,
tirando uma folha de papel debaixo da imagem da Virgem Aparecida, a entrega a
repórter:
− Essas trovas me enviou pelo irmão:
“Meu coração bate aflito
Da
saudade que eu fico
Ao
saber da mãe pedindo
Por
mim a Jesus Cristo”
“Fui
embora lá da roça
Conhecer
novos valores
Quem
não vê vida de fora
Morre
triste sem amores”
“Compadre
Zé Trovão
Que
tamanho safadão
Quando
toca violão
Traz
muiê pro barracão”
“Vou
tocando esta vida
Na
sanfona e violão
Só
falta mãe querida
Pra
fazer o panelão”
“Meu
pai peço perdão
Por
lhe dar pouca atenção
Mas
lhe fiz esta canção
Dentro
do meu coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário