NEGRO FINO
Carlos Cedano
Costumava ir com
minha turma caçar rolinhas, derrubar favos de vespas, pegar lagartixas e outros
pequenos bichos, mas meu sonho mesmo era ter um tordo negro fino. Tinha
escutado seu cantar várias vezes em casa de um advogado, pai de meu amigo Victor.
Ficava extasiado e com inveja, e quis ter um pra mim, esse desejo se fixou como
uma obsessão!
Seu Elias, dono de
uma pequena bodega, me ajudou a fazer a arapuca pra pegar um negro fino.
— Não vai ser fácil! - me disse - é uma ave muito desconfiada, isso exige
muita paciência e a espera pode durar horas e não há garantia de que desça pra
pegar a isca.
Ele me deu dicas
sobre como instalar a arapuca tais como: Colocar folhas sobre ela, obter a
inclinação adequada, selecionar o material a usar e sobre como colocar as iscas
entre outras dicas.
— Que vai usar você como isca?
Perguntou-me.
— Migalhas de pão.
- respondi.
— Não! Retrucou ele - Você precisa colocar um pedaço de favo de vespas com larvas, isso é um
manjar dos deuses pra o negro fino!
Quinze dias após a
arapuca estava feita com finas varetas de bambu, amarradas com linha dupla e
coberta com um cartão grosso, ficou como uma caixa sem tampa e foi aprovada por
seu Elias.
No dia da caça chegamos
antes do sol raiar para armar a arapuca. Tínhamos que colocar a pequena
forquilha com ângulo, altura e equilíbrio adequados num dos extremos da caixa e
cobre-la com folhas, depois colocar os favos com as larvas no centro da arapuca.
Amarrei na forquilha a ponta da linha e meu
amigo Luís levou o rolo até nosso esconderijo que ficava a uns 50 metros, com
calma coloquei a forquilha na altura e ângulo adequados, o dia começava a
clarear e os primeiros cantos dos pássaros já se escutavam!
Após uma espera de
quase uma hora pousaram na árvore três negros finos, um macho e duas fêmeas, o
macho começou seu belo canto o que me deixou entusiasmado, mas tive que me
conter, eu era o responsável para decidir o momento de puxar a linha! Os três pássaros
começaram a saltitar entre os galhos e o macho se aventurou a pousar no chão,
mas desconfiado e olhando pra todos os lados, caminhava lentamente na direção
da arapuca, subitamente o macho voltou para a árvore e ficou quieto com as
fêmeas por um bom tempo.
Na vez seguinte o
macho decidiu ser mais ousado, pousou bem mais perto da arapuca e com movimentos nervosos foi se aproximando até ficar a uns quarenta
centímetros da armadilha, parou, avançou mais uns dez centímetros abaixou a
cabeça pra olhar o que havia na caixa e voltou para a árvore.
O já sol estava
sobre nossas cabeças quando o negro fino desceu decidido, chegou à beira da
arapuca e com seu longo bico preto começou a “a puxar” pequenos pedaços de favo
e se entusiasmou com as delicadas iguarias e sabores que ofereciam! As fêmeas
desceram e ele se adiantou e foi penetrando cada vez mais embaixo da arapuca,
com decisão puxei o fio e a caixa caiu, as fêmeas partiram em revoada rápida.
Seguramos a caixa
e fizemos um pequeno buraco nela, enfiei minha mão enrolada num pano grosso e mesmo
assim senti suas fortes bicadas, quase desisti! Mas aguentei a dor e o agarrei
pelo corpo, peguei minha camisa e consegui enrolá-lo deixando apenas sua cabeça
livre, corremos até minha casa que estava perto, e quando minha avó me viu com
o negro fino me disse:
— Você precisa
acalmá-lo, pode morrer de raiva, bota ele debaixo da torneira até que aquiete,
hein! E corte as asas, se não, vai fugir na certa!
Fiz como a vovó
mandou e o soltei, tentou voar varias vezes e não conseguiu e já cansado parou
um momento e depois começou a cantar, mas seu canto tinha um tom melancólico!
Com o passar dos
dias foi se acostumando e comia o alimento que lhe era dado: milho quebrado,
banana, mamão e também abacate, os insetos que comia eram por sua conta. Fiz
uma jaula com uma caixa grande de papelão cortando-a de modo que parecessem
grades. A noite punha o pássaro dentro dela e a cobria com pano leve e a levava
a meu quarto junto a minha cama.
Ele tinha sua
própria rotina, a cinco horas da manhã batia as asas contra a caixa, eu saia da
cama e o levava para o pátio onde o soltava, ele tomava banho na cumbuca
debaixo da torneira e logo se sacudia,
nesse momento escutávamos seu belo canto, de sua garganta surgiam trinados
harmoniosos, o espetáculo de seu gorjeio durava uns trinta a quarenta segundos,
era como escutar um miniconcerto!
Quando ia com os
amigos a derrubar favos de vespas trazia uma boa quantidade de pedaços com
fartas larvas, era um banquete que durava em quanto houvesse larvas.
Negro Fino, agora
todos o chamavam assim, ficava no pátio convivendo com as aves domésticas e
competindo com elas na cata de insetos, também invadia a sala de jantar e
“ajudava” a tia Rosita a limpar a mesa de restos de migalhas e verduras. Em
pouco tempo virou membro da família e amigo das visitas.
Nos fins de semana
e nas ferias a diversão era especial, eu deitava numa esteira no pátio da casa
e ele vinha a passear encima de mim, sua cor preta intensa tinha destelhos
azuis que aumentavam sua beleza e suas penas compactas davam-lhe um toque de
elegância ao andar. Era, sem dúvida, um belo exemplar da natureza!
Transcorreram três
anos de amizade e um dia recebi a boa noticia de que minha mãe viria à cidade
pra levar-me à capital. Era uma boa noticia sim, mas também triste, teria que me
separar de Negro Fino, viajar de ônibus não era recomendável para minha ave,
além disso, ela já estava um pouco velha.
Fui falar com o
pai de meu amigo Victor, para saber se ficaria com meu pássaro e me disse que
sim, que o cuidaria com muito carinho, seu filho lhe tinha contado toda história
de Negro Fino. No dia seguinte, com o coração partido levei-o pra casa do
advogado numa caixa de papelão nova, igual a que fiz na primeira vez.
Despedi-me do
senhor e não quis olhar na cara de Negro Fino, além da tristeza de que sentia
por abandoná-lo, temi ver seu olhar de reproche!
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