PANTANAL
Jeremias
Moreira
A
vida no Pantanal transcorre em câmera lenta. É assim no deslocar indolente da preguiça,
na marcha sincopada do tamanduá, no voo plainado do pássaro, no cochilo modorrento
do jacaré, na espreita ardilosa da onça ou no movimento oblíquo sol.
No
Pantanal sente-se o dia passar como se tivesse o dobro das horas. Com um longo
histórico de crimes, a região pareceu ser o lugar apropriado para Adonias Damião
escapar da justiça. Chegou e se
acostumou tanto com esse ritmo, que por lá ficou.
Depois
de uns tempos acertou-se com o General Lutero Gonçalves, dono da fazenda Tupã Seretã,
que em tupi-guarani quer dizer “O senhor
passou por aqui”. Estava disposto a deixar sua marca, de modo que o povo
acrescesse ao título: “...e Adonias Damião, também”. Para isso, tornou-se o
braço direito do General, para o que desse e viesse. Comandava a peonada com mão
de ferro, rechaçou, na bala, muito jagunço a serviço de grileiros e abateu boa
quantidade de onças, que atacavam o gado. Por esse espírito destemido ficou
conhecido por Nego Onça. Outro motivo de ficar por lá, foi que o seu coração de
pedra derreteu-se por Ludiara, uma linda pantaneira que trabalhava na casa da
fazenda. Casaram-se e tiveram um filho, Rodrigo, que aos 22 anos, demonstrava a
mesma coragem do pai e por isso tornou-se o Digo Onça.
Em
Fortaleza, antes de enveredar pelo crime, Adonias chegou a concluir o ginasial.
Quando aportou no Pantanal, trouxe consigo um exemplar de “O continente”, o
primeiro livro da trilogia “O tempo e o vento”, de Érico Veríssimo. O único
livro que leu e que o inspirou a se tornar destemido, tal qual seu herói, o
Capitão Rodrigo Cambará. Daí o nome do filho.
O
menino Rodrigo cresceu ouvindo o pai contar, centenas de vezes, a historia do Capitão
de espírito libertário, seu homônimo. Ele se deleitava com o episódio em que o
gaudério adentra a cidadela de Santa Fé, apeia do cavalo diante da bodega do
Nicolau, entra, encara os presentes com seu jeitão debochado e solta a saudação
provocadora:
“
Buenas e me espalho,
Nos pequenos dou de
prancha,
E nos grandes dou de
talho”.
Não
foi só como exemplo de coragem que o gaúcho influenciou o menino. A facilidade que o aventureiro tinha de jogar
com as palavras e construir versos também o contagiaram. Por isso, o tempo
todo, onde estivesse, o jovem ficava arquitetando rimas.
Certo
dia, solitário, na pastaria tangendo um magote de bois, avistou uma Toyota
Bandeirante se aproximar. Era Gabão, jagunço da fazenda vizinha. O sujeito
chegou todo rompante, ameaçador:
−
Escute aqui, ô peão! Esse gado não é da
fazenda do Sinésio, não?
O
rapaz deliberou que o momento exigia que honrasse o apelido. Incorporou o
personagem do seu herói, ajeitou o revólver que trazia na guaiaca, para que
ficasse à mostra, e emendou:
Sou filho de Nego Onça,
Por Onça sou conhecido,
Despedaço geringonça,
Quando fico aborrecido
Na verdade sou Rodrigo,
Tal e qual ao Cambará,
E posso ser um perigo,
Que alguém lamentará.
Saia desse patrimônio,
Demarcado ele já está,
Escuta esse campônio,
E, sua vida poupará.
O
modo estranho e determinado do rapaz falar assustou Gabão. Só tinha ouvido
coisa igual uma vez, no circo, em contenda de repentistas. Não esperava tamanho
desprendimento do jovem. Ainda por cima ele era o filho do Nego Onça. Concluiu
que o melhor era desfazer a empáfia e sair dali. Manobrou a caminhonete e caiu
fora.
Rodrigo
observou a Toyota se afastar. Ponderou que agira certo, do modo como seu pai e
o Capitão agiriam. Honrou o apelido Digo Onça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário