MEU CAJUEIRO
Oswaldo Romano
O cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele
vive nas mais antigas recordações da minha infância: belo, imenso, no alto do
morro, na rua atrás da casa.
Todos
temos uma rotina. Quando criança, falo dos meus nove a treze anos, nossa rotina
é lembrada a noite e seguida de tal modo que no café da manhã está toda
montada. Não é tomado, é deglutido. O horário escolar, de manhã ou a tarde nos ensinou
respeitar, é sagrado.
Sagrado
era também, diariamente sair pela rua empurrando o arco, chamado de arco de
barril. Na verdade, o nome não condiz porque este é de tanoaria, achatado e
torcido para um dos lados da barrica cônica. O que eu usava era tirado da borda
de pneus antigos. Redondinho, circulava sem demonstrar o barulho da sua emenda.
Aliás, para vê-la se fazia necessário correr os dedos em toda sua volta. Rodava
empurrado com uma haste de ferro de um metro, grosso como um lápis, cuja ponta
dobrada, formava um U caído.
Um
dos muitos brinquedos que produzíamos, como: carrinho de rolimã, papagaio,
telefone de lata, peteca, alçapão, patinete, roleta, estilingue. Pião de fieira e bolinhas de gude, eram comprados ou
trocados pela amareladas figurinhas.
O
arco, brinquedo simples, de meninos simples, era bom para percorrer as ruas e
juntar-se a um, ou vários amigos que também desfrutavam do mesmo gosto.
Correndo,
geralmente descalço, era levado ao vento que refrescava nossa cara, enquanto
podiam os pés.
Quando
acontecia, era o sinal pedindo descanso. O descanso dos descalços. Também
momento do alerta: hora de visitar nosso alegre pé de cajueiro que além dos
perfumados frutos, nos acolhia sentados em sua refrescante sombra. As varetas
dos garfos condutores dos arcos, pareciam moldados para o seu apanho.
Coincidência? Muita, e inquietante. Parando para pensar você acaba procurando,
e não vai encontrar, como são moldadas pequenas coisas do mundo. Com fé fica
mais fácil entender, mas ainda no suspense...
Esse
quadro marcou minha infância, tanto que, ao deixar o interior aos quatorze
anos, nas intermináveis cartas aos pais, nunca deixei de perguntar pelo meu
cajueiro. Na verdade, muitas vezes citava o pé de cajueiro, usando-o como
partida, para continuar disparando saudades.
Como
Rubem Braga: “Ah que vontade de escrever
bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo...” Outra
coincidência: Seu cajueiro. Muito igual ao meu.
Agora
minhas cartas são mais curtas.
Na última resposta, a mãe, preocupando-se com as
palavras, escreveu: O cajueiro, o seu cajueiro filho, caiu.
Demorei
para responder, para não transferir minha
tristeza.
Como sempre, muito bom...
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