E AGORA, NENECO? - Jeremias Moreira


E AGORA, NENECO?
Jeremias Moreira

Se não estivesse tão apavorada Nanda ponderaria não haver situação mais desconfortável do que estar amordaçada, com as mãos e os pés presos por tiras de plástico, coberta por um tapete imundo e que recendia a urina, no assoalho de uma Iveco amarela, com a logomarca dos Correios, rumo à via Anhanguera. Mas, ela se borrava, então não importava o lugar. O que ela queria era não estar em poder desses homens. A cada solavanco da van não só doía o corpo como a alma, de tanto medo.

Ainda mais cedo, falara com o Neneco ao telefone sobre a viagem que fariam à Buenos Aires. No meio da ligação a capainha da porta tocou. Encurtou a conversa e atendeu ao interfone. Era do Correio

Sedex para o Sra. Fernanda Amaral!

No monitor de segurança viu dois homens uniformizados. Então, abriu a porta sem a menor preocupação.

Os indivíduos agiram rápido. Renderam-na e a levaram para o veículo.

Momentos antes seu pensamento estivera voltado para um final de semana prazeroso e agora estava ela ali, na maior angústia.

A van atravessou a ponte sobre o Rio Tietê às 17:40 horas. Nesse instante o sargento Manzano, da Polícia Rodoviária, que estava de serviço no Posto de Fiscalização no quilometro 21, recebeu um alerta. Um furgão dos Correios, placa FDI 2318, fora roubado. Recomendava abordagem cautelosa, pois os meliantes mostraram-se violentos por ocasião do furto.

Também nesse momento Neneco recebeu uma mensagem estranha no celular: “Estamos com ela!”.

Como reação imediata ligou para Nanda. O telefone tocou mil e uma vezes e nada. Veio-lhe à mente a figura do Alemão. Só podia ser isso. A dívida! Começou a discar para o Alemão, mas vacilou. Dependendo do oponente sua coragem era tão grande quanto sua covardia. No caso, quando por fim ligou, mostrou-se dócil:

 Sr. Fred, pagarei na terça-feira, sem falta.

− Ótimo, até lá ficaremos com a mercadoria! − E desligou.

Frederich Schwartzmeir, ou Alemão, era um banqueiro de jogo para quem Neneco devia uma grande soma. Ele tinha a violência equilibrada com a mansidão conforme o comportamento do cliente.

Neneco conseguira que ele dilatasse o prazo do pagamento por duas vezes. Dessa vez, pelo jeito o homem resolveu demonstrar que não estava para brincadeira.

Paralisado, com o celular na mão e sem saber o que fazer, Neneco entrou em pânico. Execrou o dia em que fora jogar no cassino clandestino do Alemão. Amaldiçoou ter entrado na paranoia de acreditar, seguida vezes, que ganharia a próxima mão. Execrou não ter sabido parar. Agora eles estavam com Nanda. “Preciso arrumar esse dinheiro ainda hoje. Mas como?”

Na via Anhanguera o sargento Manzano copiou o e-mail e saiu para o páteo. Avistou, na pista um veículo dos Correios, que passava. Verificou a cópia do e-mail que tinha nas mãos e, pumba! No alvo! Era a tal van! De pronto deu a ordem:

Carro roubado, vamos nessa!

Os policiais dispararam na caça à van. Ligaram as sirenes e imprimiram velocidade. Pelo rádio informaram o pessoal da frente. Deveria levantar uma barreira. Alguns quilômetros de perseguição conseguiram colar no furgão. Um dos bandidos abriu fogo. Iniciou-se um tiroteio. Nanda ouvia os tiros e do metal sendo perfurado. Desesperou-se. A mordaça a impedia de gritar. Estavam agora na altura de Cajamar, onde a estrada torna-se sinuosa. A frágil estabilidade da van sucumbiu na terceira curva e capotou. Nanda sentiu-se dentro de uma centrífuga, tantas foram as vezes que rodopiou pelo interior da carroceria. Depois o silêncio.

Atordoada, ouviu vozes longínquas que pouco a pouco se tornavam nítidas. Eram ordens:

Ninguém se mexe! Saiam com as mãos para cima.

Os bandidos estavam desacordados. Formavam um amontoado bem a sua frente. Queria gritar, impossível. A van estava abarcada e ela, no teto próxima à porta traseira, que entreabrira.

Um vulto se aproximou cuidadoso e abriu totalmente a porta de supetão.


Ouviu quando gritou:

Tem uma mulher aqui! Está amarrada!

Quando acordou estava numa cama de hospital.

Antes de qualquer coisa pediu um telefone e discou para Neneco. Ele atendeu de pronto:

Seu bastardo, no que você me meteu? Resolva isso, agora!

Obediente como um menino Neneco ligou para o Alemão.

Seu Fred, como disse, terça-feira liquido cada centavo!   

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