CINCO CAVALOS
Suzana da Cunha Lima
Glória entrou cantarolando no estábulo, para dar ordem de
selar o Azulão, cavalo predileto de Sr. Queiroz. Havia ali uns cinco cavalos, todos de raça,
animais de exposição, orgulho do proprietário e uma das razões de alegria de
sua vida.
Quem cuidava deles era exclusivamente Juvêncio, caboclo de
pouca fala e muita dedicação aos seus bichos, como dizia.
Estava tudo meio escuro ainda e não encontrando logo o
tratador, Glória começou a chamar por ele em voz alta, estranhando muito a
quietude do lugar. Procurou o interruptor e acendeu a luz e ai conseguiu ver
Juvêncio, estirado no chão num lago de sangue.
Ficou um instante paralisada de horror diante daquele quadro
sinistro, e depois de alguns segundos de
estupor, saiu correndo aos gritos.
Sr. Queiroz apareceu à varanda, surpreso com os gritos da
filha e custou a entender o que ela dizia.
Quando finalmente conseguiu acalmá-la, também ele se deu conta da
extensão da tragédia. Tocou o sino do
alpendre para chamar os peões, ainda com a filha abraçada e soluçando de pavor.
— Chamem logo a polícia, falem com o delegado Horácio. Vamos
lá ver como estão os outros cavalos. – fez sinal para a mulher que apareceu à
porta para levar Glória dali.
Quando chegaram lá, o lugar estava sinistramente vazio de
sons. Onde estariam os outros animais?
Não deixou ninguém se aproximar do lugar onde Juvêncio jazia molhado no próprio
sangue, olhos abertos de pavor.
A policia chegou, isolou a área e logo depois veio o delegado, seus investigadores e policia
técnica, já colhendo informações de quem estava ali.
— Vamos conversar noutro lugar, porque preciso falar com sua
filha, a que encontrou o morto - pediu o delegado ao Sr.Queiroz, quase em
estado catatônico diante daquela cena macabra.
Sentaram-se no alpendre, sinhá Elvira veio com cafezinho e
bolinhos de chuva, com a filha agarrada à sua saia e o delegado nem sabia como
começar a conversa, diante do estado lamentável de Sr.Queiroz.
— Conte-me como você achou o corpo, Glória – pediu gentilmente. – E o que
você foi fazer lá na estrebaria?
— Eu fui pedir ao
Juvêncio para selar o Azulão que papai queria montar logo cedo. - Glória era
uma meninota de doze anos, pouco habituada a conversar com estranhos e tanto
quanto o pai, adorava os cavalos.
— Viu algo estranho por
lá? Alguém, alguma coisa diferente?
— Ah, achei esquisito
ainda estar tudo fechado, tive que abrir a porta e acender a luz. Foi aí que vi Juvêncio no chão, mortinho,
olho aberto, parecia assustado. – agarrou-se mais à saia da mãe.
— Reparou se os outros cavalos estavam em suas baias? Eles
costumam acordar cedo?
Glória franziu a testa, como recordando;
— O senhor está falando
isso, eu reparei que estava tudo muito quieto. – deu um grito – É isso aí, pai! Os cavalos não estavam
lá! Eles fazem sempre muita festa quando eu chego. Não estavam lá! Gritou mais
alto.
— Pai! Não estavam lá,
não estavam lá... E começou a chorar histericamente.
— Está bem menina,
depois a gente conversa melhor, é melhor descansar, nós vamos procurar os
cavalos, viu? – o delegado fez um sinal para a mãe levar a menina dali.
- Eram cavalos
premiados, não era Queiroz? Tem ideia de quem desejava roubá-los?
- Muitos por aqui
queriam meus cavalos, mas nunca pensei nem em vender, nem dar. Eles valem muito, eu exporto o sêmem deles e
já ganhei muitos prêmios nas competições. Mas nunca foi uma questão de
dinheiro. Eu amo meus cavalos, e minha filha também. Eram como filhos, nem sei
se você entende.
— Claro que entendo. Eu
sou assim com meus cachorros também. – retrucou Horácio, já começando a se
preocupar com aquela situação.
— Começo a crer que devia ser mais do que um ladrão, Juvêncio era cabra
valente, tinha que ser um bando para
enfrentar ele, acho que o mataram para
poder levar os cavalos.
Queiroz assentiu com a cabeça, totalmente consternado diante
do quadro horrível de Juvêncio enfrentando ladrões para defender seus animais e
acabar morrendo por isso.
— Bom, vamos ver o que
a polícia técnica acha e como Juvêncio morreu: com revolver, machado, ou outra
coisa qualquer. E já vamos pedir uma
ordem de busca destes cavalos pelo município todo, inclusive na estação de
trem. Você podia me descrever como eles
são, a raça e o nome, ia facilitar bastante.
E assim foi feito.
Todos na redondeza se empenharam em achar os cavalos e que bando teria
assassinado Juvêncio. Foi uma corrente
de solidariedade e informações, infelizmente infrutíferas.
Na casa os moradores pareciam definhar com a falta de
informações e com a falta física dos cavalos, muito amados por todos.
Umas semanas depois, o delegado foi visitar Queiroz outra
vez. Sentaram-se todos à varanda, d.Elvira serviu o cafezinho com bolinhos de
chuva e depois foi buscar Glória. A
fisionomia do delegado estava sisuda, estranha, quase assustada, deixando
Queiroz muito preocupado.
- Diga Horácio, o que
se sabe até agora? Alguma pista dos ladrões? Acharam algum cavalo?
Horácio estava com umas folhas de papel no colo e nem sabia,
outra vez, como começar a conversa.
— Queiroz, você vai
achar tudo muito esquisito, bizarro até, mas aqui estão os laudos da técnica.
— Sei. - disse Queiroz espiando o material levado
pelo Horácio – E o que diz aí? Não
entendo disso, você sabe, e pela sua
cara não acharam meus cavalos.
— Realmente não
achamos, ainda. Estamos na busca e mesmo que tenham ido para o exterior a gente
acha. Não se podem esconder cinco cavalos como se fossem pulgas. Mas o que é inacreditável é a causa da morte
do Juvêncio, acho que você nem vai acreditar.
— Diga, homem, pelo
amor de Deus. Espero que haja um castigo exemplar para estes bandidos.
- Juvêncio não morreu de arma de fogo nem de mão humana. Ele morreu de um coice bem dado em sua nuca.
Daí a poça de sangue embaixo do pescoço.
Ou seja, Queiroz, quem matou Juvêncio foi um de seus cavalos. – o
delegado falou pausadamente, olhando a fisionomia crispada de Queiroz – A
perícia não achou digitais nem pegadas nem nenhuma evidência que uma ou mais
pessoas tenham entrado em sua estrebaria para roubar seus cavalos. Nada!
Ninguém entrou, mas os
cavalos saíram, isso sim. A porta estava
destrancada e com algum par de coices a derrubaram. Há muitas marcas de ferraduras e outras que
afirmam isso. Verificaram que a porta
foi abaixo por uma força descomunal, de um ou mais cavalos, não dá para saber,
e, espante-se: esta força também derrubou as portas das baias para soltar os
cavalos. Coices fortes e bem dados.
Um cavalo soltou os outros e sumiram não se sabe para onde.
Mas claro que vamos achá-los ainda, são apenas cavalos, oras!
- Mas por que um cavalo
mataria Juvêncio que tão bem tratava deles? Não faz sentido isso, Horácio,
nenhum.
- Vou te dizer uma
coisa, não como delegado, mas como amigo
e tratador de cães.- Horácio suspirou:
Ciúmes, amigo. - Diante da cara de
estupefação de Queiroz, continuou. -
Com certeza você deu preferência a outro cavalo, em detrimento do
favorito e como era Juvêncio que ia selar o cavalo escolhido, este cavalo
preterido achou por bem eliminá-lo e
dispersar os outros. “Se não é comigo,
não é com mais ninguém.”.Conhece esta frase de mulher traída, Queiroz
—Horácio, isto é conto
de fadas, cavalos não têm estes sentimentos. Não são pessoas.
— Engano seu, meu
amigo. Têm sentimentos sim e absorvem de
seus donos todas as emoções, boas ou
más. A única coisa que posso dizer é que
vamos continuar a busca pelos seus cavalos, que, a estas alturas podem estar
até no exterior. Mas não acredito. Estão
soltos por aí e ainda vão assombrar muita gente, se é que não voltam para
cá. Não sei dizer.
Horácio tinha razão.
Por anos, a trupe de cinco cavalos rondou a vizinhança em noites de lua
cheia, sua silhueta destacando-se no
alto dos morros. E relinchavam
penosamente, como se estivessem sofrendo. Mas nunca ninguém conseguiu pôr a mão neles
outra vez.
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