Segredo de Índio - José Vicente J. de Camargo


Segredo de Índio
José Vicente J. de Camargo

Quando o conheci, amigo de um amigo que o trouxe à turma, me pareceu convencido, ares de superioridade do tipo “o bom sou eu”. O que lhe salvava era o sorriso farto, olhos negros vivos e seu jeito brincalhão de levar a vida na boemia abraçado a cervejas, batucadas e a mulheres independentes daquelas: “hoje é hoje; amanhã é amanhã”...

Como passou a fazer parte da galera, fui tendo contato com ele e assim, aos poucos, fui conhecendo-o melhor, até que, no fim de uma noitada, fomos os últimos a ficar numa roda de samba, quando de repente me fita e diz:

−De toda a galera, é com você que sinto mais prazer em estar.

Essa confissão, sem necessidade, já que tinha um fã clube de mulheres que me davam de goleada, me surpreendeu pela sinceridade em que se abriu para mim. Eu, cética em questões de amor, jamais imaginaria que pudesse um dia me curvar a uma flechada de cupido.

Porém, dito e feito! Desde aquele momento meu pensamento não o largava dia e noite. Sem querer dar na vista, o mirava de longe na entrada e saída do emprego, na portaria do prédio onde morava e, por mais que tentava evitar, não deixava de passar todas as noites, com o coração na boca, pelo boteco onde me fez a confissão, que sabia ser seu preferido. Vez ou outra o encontrava, tomávamos algo, mirávamos nos olhos, trocávamos poucas palavras e minha paixão só aumentava.

Até que num desses encontros me agarrou pelo braço, me levou a um canto e com voz firme e seca, disse:

− Tenho um segredo que preciso resolver e me impede de estar contigo! Não pergunte qual é, um dia lhe conto. Por hora terminamos por aqui, e, sem mais palavras, partiu.

Naquele instante, minha alma foi junto, deixando um corpo vazio à espera do nada. Não conseguia entender, tampouco  criticá-lo. No fundo, até que sentia um pouquinho de orgulho, por ele ter feito uma confidência, embora não pudesse imaginar que segredo seria esse.
E assim, nesta angústia de paixão sem dono, continuei, disfarçadamente, a procurar seus vestígios, mas em vão. A galera, surpresa pelo sumiço, o “deletou” de seus contatos e pensamentos.
E agora me chega esse telegrama! Pedindo para vê-lo com urgência. Num lugar longínquo, meio da mata, tribo de índios, sem sinal de internet...
Mas se tratando dele, nada me surpreende. O pouco que o conheci, o muito que o compreendo: excêntrico, avesso a modernidades, amigo da paz, dos sons da natureza, da floresta e seus habitantes, sem formalidades...
Será esse seu segredo? Essa contradição entre o modo de vida que levava e seu anseio por uma vida de acordo com seus sentimentos? Foi para longe a procura de si mesmo?
Mas por que não me contou? Largaria tudo num piscar de olho para ir com ele, explodindo de felicidade... Talvez preferiu não assumir esse risco de me pedir algo tão radical, preferiu antes encontrar seu lugar ao sol...
Bem, chega de conjecturas! Não me interessam motivos, o negócio é partir, ir ao seu encontro, realizar meu desejo...
Mas, e se o “chamado” não for nesse sentido? Pode ser o contrário... Que está seriamente enfermo, ou jurado de morte, ou então preso necessitando de dinheiro? Casado com filhos?
Se for assim, quem vai lhe contar um segredo sou eu! Pois, com essa paixão não dá mais pra viver, me afogo. Segredo por segredo, aposto no mais ardente... E depois, sempre me disseram que tinha traços e um jeitinho de índia − Tá na hora de comprovar, pagar pra ver!

Maloca de índio sempre cabe mais um...

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