A FAROLEIRA SOLITÁRIA - Oswaldo U. Lopes



A FAROLEIRA SOLITÁRIA
Oswaldo U. Lopes

         JoAnne tinha 50 anos e era faroleira no Maine. Os faróis do Maine eram famosos por muitas razões: eram numerosos, antigos, ainda em uso e de muita utilidade. Num estado de população eminentemente costeira, as embarcações eram parte integrante da vida de seu povo. A pesca, sobretudo da lagosta era responsável por parte da economia do estado. A outra parte era devida a exploração da madeira. Praticamente todo o interior do Maine era coberto de florestas de pinheiros. Não era por outra razão que no escudo do estado estavam presentes um lenhador e um pescador.

        O farol de JoAnne era dos mais antigos, embora modernizado, sua construção datava do século XIX. O estranho, mesmo nos USA, e que JoAnne era mulher e vivia sozinha no farol. Os faróis tinham sempre uma casa na sua base, digna e habitável, a presença de mulheres não era incomum, mas na função de donas de casa não de manejadoras ou responsáveis pelo funcionamento dos faróis.

        Como e por que JoAnne se tornara a única habitante e responsável  daquele farol? Era filha única do antigo faroleiro Phill e de sua mulher Dorothy, tivera uma educação normal, pois Portland estava como diziam a uma walking distance, morro acima é bem verdade. Tinha educação superior, a famosa College Education de que seus pais eram muito orgulhosos.

Seus pais pouco saiam do farol, fazer as compras básicas de alimentação, a igreja nos domingos seguida da feira e umas poucas saídas de Phill para o bar ali perto. Por fé do oficio conheciam todos os barcos pesqueiros de Portand e seus tripulantes. Vez ou outra os mais velhos capitães  apareciam no farol para uma visita e um trago, quando acompanhados de esposas custavam tomar chá.
         
Este era bem apreciado e isto tinha fundas raízes históricas. A briga pelo chá que resultara na Independência americana teve origem no Maine.

        JoAnne era tímida ou melhor fechada, talvez impregnada pelo farol, sempre ativo, mas tido e havido como misterioso. Ao longo de seus estudos tivera poucos amigos e menos ainda frequentara a casa deles. Sua melhor amiga era MaryAnne, talvez pela semelhança de nomes. MaryAnne vivia na cidade, bem casada e mãe de três filhos, pouco se viam, mas a amizade permanecia. MaryAnne tinha perfeita noção do que lançara a hoje respeitável faroleira na sua vida solitária e reclusa.

        JoAnne conhecera na faculdade Richard Altergene que também obtivera a sua college education, mas era como todo jovem de Portland, marinheiro, senão por vocação, por milenar costume. Não era dos piores, se diga em nome da verdade, já alcançara o posto de imediato na famosa Nau Catarineta. O estranho nome era devido a um armador português, pois portugueses no Maine não eram de  estranhar. A pesca do bacalhau os havia trazido aos magotes e os espalhara pela Nova Inglaterra. Eram encontrados até no Canada, em Toronto a Avenida Augusta e a Igreja do Senhor da Pedra são notórios pontos de visitação. Curiosa JoAnne procurara saber a origem desse nome e seu conhecimento não lhe trouxe nenhum conforto. Era a nau perdida que nunca encontrava as terras de Portugal e da Espanha.

Como o farol ficava num promontório era suficientemente alto para dar uma clara visão do porto de Portland. Anoitecia, havia neblina não muito densa e o mar batia raivoso, para completar o mau agouro o farol não estava funcionando, desde a manhã Phill tentava raivosamente torná-lo operante, sem sucesso.

Mesmo no escuro e com neblina JoAnne usando o poderoso binóculo do farol, via, lá do alto, por completo a baía. Foi com angústia que divisou claramente a Nau Catarineta, perfil inconfundível, próxima, demasiadamente, da costa rochosa que sem o farol era pouco visível no nível do mar. O mar muito batido, com ondas muito altas não ajudava a navegação, JoAnne sentiu uma grande opressão no peito e precipitou-se para dentro do farol gritando por seu pai.

Correram ambos para Portland que já estava em polvorosa, barcos que se chocavam com a costa rochosa não era uma novidade, mas o preço que a cidade pagava de cada vez era sempre alto. Já havia notícia de cadáveres e destroços na areia, JoAnne nem precisou chegar perto para saber que Richard era um deles. Voltou para o farol e quase dele não saia.

Passou o tempo, morreu primeiro o pai, em terra firme e repousava no cemitério local. Depois a mãe que de viúva vivia como que a pedir a morte. Calejada JoAnne tocava o farol com maestria e eficiência e ninguém pensou em substitui-la. A Port Authority registrou a mudança e passou a pagá-la pontualmente.

Portland tinha uma faroleira muito competente, mas absolutamente solitária.

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