NOITE DE CAÇADA
Jeremias
Moreira
Com falsa mansidão o rio se apossa
de tudo. Suas águas ininterruptas devoram as margens e pedem passagem. Às vezes
solapam a terra internamente e deixam apenas uma fina camada de superfície
traiçoeira. E o rio, assim ardiloso, investe uma boa distância terra adentro. Assim,
almas desavisadas são engolidas por desmoronamentos.
A sobrevivência depende da leitura
correta dos sinais que o rio emite.
Desde menino Torquato aprendeu a
conviver com esse incessante movimento.
Ao contrário do rio, ele acha mais intricados
os sinais dos homens.
Bem que o piloto avisou que não
descansariam enquanto não o pegassem.
Sabia que enviaram o pior, isto é, o
melhor. O mais astuto, o mais violento, o mais temível, o mais perspicaz.
Quando farejou que fora descoberto,
Torquato buscou refúgio no terreno que lhe era familiar. Foi para junto do rio,
que tanto conhecia. Usaria o rio como aliado e lutaria com armas primitivas.
Armou um abrigo numa ilhota e distribuiu
armadilhas em terra firme e, na não tão firme. Qualquer desavisado toparia
fácil com um portão malaio, com uma bola asiática ou com uma cova din-chu. No
barranco, bem na frente do casebre, uma cova fatal! A menos perceptível!
E esperou. O intruso seria atraído
para lá.
Aconteceu mais cedo do que supunha.
Um sol pontiagudo desceu ao longo
do rio, enquanto na mata ouvia-se apenas o silêncio. Ele intuiu que essa seria
a noite do caçador ou... da caça.
E, quando o manto da escuridão
cobriu o lugar, apurou os ouvidos.
“Valei-me São Jorge! Que seu escudo
seja minha defesa e sua espada minha arma! A sorte está lançada.”
Longo silêncio! Longa espera!
Noite alta, um farfalhar da mata
quebra o silêncio e anuncia o desarme de uma armadilha. Depois outra... e outra!
Uma por uma elas foram descobertas.
Mas, ele confia... e espera!
De repente o dilúvio! Bem a sua
frente o barranco vira rio e um turbilhão de água e lama engole o pistoleiro.
Escapou novamente!
Nenhum comentário:
Postar um comentário