EMOÇÕES INCENDIÁRIAS
Oswaldo U. Lopes
Julia reclinou-se na
cadeira do restaurante e ficou pensando em tudo que estava acontecendo. Estava
ali esperando pelo marido fazia tempo, muito tempo. O jantar fora como que
arrancado num mutuo compromisso para salvar ou pelo menos recuperar o
casamento. Fábio era alto executivo do banco, ganhava bem, mas não tinha nem
horário, nem família. Quer dizer família tinha, mas não os via com muita
frequência.
Família? Como assim? Um casal de filhos, a moça já terminando
o ensino médio e o rapaz entrando no mesmo nível, ela, Julia, arquiteta de
prestigio, bem paga e ele Fábio o diretor do banco. Olhando bem era tudo.
Andavam cada vez mais distantes imersos nos respectivos trabalhos. A decisão de
jantar fora uma vez, ao menos, por semana fora tomada na doce ilusão de
requentar não o jantar, mas o casamento. Certamente começara mal, Fábio já
estava atrasado hora e meia. “Que merda!” - pensou.
Estava ali salvando o casamento, mas o que era isto? Dois
filhos já criados e encaminhados, ela e Fábio ambos em situação financeira mais
que razoável, avós de ambas as partes vivos e com saúde, não dependiam deles
para nada. Salvar o que?
Maldição o que era casamento no mundo de hoje? Associação de
mutuários para perpetuar e manter a espécie? Já tinham chegado ao casamento que
se mantem por conveniência ou inércia? Isso não era novidade, a novidade era os
tempos em que viviam.
E
agora ainda tinha esse tal de Artur para complicar as coisas. Sentado à mesa detrás, viera discretamente colocar um
guardanapo em sua mesa. Nele se lia:
“Não precisa olhar para trás se não quiser,
mas esteja certa de que estarei sentado no mesmo lugar esperando seu
telefonema: 99999 2299 – Artur”.
No
casamento antigo, como o de sua mãe e de sua sogra o ônus da fidelidade recaía
na mulher. Um dos motivos era o obvio: gravidez. Havia tolerância até para
filhos bastardos dele. Dela nem pensar,
correriam sangue e lágrimas. Mas hoje? A mulher ganhara uma inesperada
autonomia, métodos e mais métodos, pílulas antes, pílulas depois e já falavam até
da pílula durante. A fidelidade de rua de mão única passara a avenida de duas
mãos e tráfico intenso.
Como
é que falava o padre italianado da Igreja de Fátima:
-Se tutti i cornuti portate lampione qui
bella illuminazione!
Salvar o que mesmo?
Fábio tinha seus casos e ela sabia, secretárias, estagiárias. Tinha até a
brincadeira, dos colegas de chamá-lo de Clinton. Parecia impossível, mas um
colega o entregara tranquilamente ao passar um telefonema que caíra na sua mesa
por engano. Pensou em buscar o celular na bolsa e começar telefonando, mas
estava cheia, CHEIA!
E foi assim que de repente, deu-se o espanto, ela olhou para trás
e convidou-o a sentar-se com ela.
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