SOB PRESSÃO OU SOBE A PRESSÃO - OSWALDO U. LOPES




SOB PRESSÃO OU SOBE A PRESSÃO
OSWALDO U. LOPES



        Leonardo se reclinou na cadeira, pensativo, sozinho na sala dos médicos do Pronto-Socorro do HC – FMUSP. Tudo estava calmo ou, aparentemente calmo. Era residente de terceiro ano, ou seja, quase capo, os mais jovens estavam ocupados em atender os casos que entravam a todo momento e os Assistentes já tinham se recolhido à seus quartos. Tudo conforme a escrita que pelo que contava seu pai, formado nos anos sessenta, não mudara muito.

        As instalações eram melhores e mais amplas, a UTI tinha uma cara mais dinâmica e cheia de aparelhos de ultima geração, mas o movimento era intenso e contínuo.

        Certamente uma coisa era nova, o calibre das armas de fogo. No tempo do velho Rafael o máximo que se via era .38 ou até mesmo a memorável garrucha que não produzia grandes estragos. Hoje a coisa era puxada a .45  e bala de fuzil. Os estragos tinham outra qualidade e não era raro recolherem restos de um massacre feito com metralhadora. Diferentemente do que ouvia e lia sobre o Rio de Janeiro, não era comum, bandidos armados entrarem no PS para liquidar uma fatura.

        Hoje, noite alta, atendera uma ocorrência no estilo Rio de Janeiro. Luta de facções em que resultara fuzilamento mútuo. A policia intervira para recolher mortos e feridos. Só que ao contrário da piada entre mortos e feridos havia mortos bem mortos e feridos que morreram ali mesmo na sala de entrada do PS.

        Ele atendera o Genivaldo, segundo a policia, facínora dos mais conhecidos, responsável pelo tráfico na zona norte da cidade, para lá do Campo de Marte. No enfrentamento, sua gangue levara a melhor tendo despachado muitos do bando rival. O PM achava que haveria resposta e dois deles ficaram na entrada do cubículo em que Genivaldo passava por curativos e medicação.

        O quadro não era dos mais graves. A sorte gostava dele. A bala atravessara a coxa, sem perfurar vasos importantes nem quebrar ossos.

        Tudo como sempre, calmo e sob pressão. Como era mesmo a piada do Show Medicina?

        — Enfermeira, qual é a pressão?

        — 15 na frente e 32 atrás, doutor.

        Eta mundo veio sem porteira, pensou consigo mesmo. O que pensaria o Dr. Rafael se estivesse exatamente onde estava seu filho.

        Não deu para acabar de pensar, um ruído inconfundível de metralhadora disparando se fez ouvir. Levantou-se totalmente desperto e tornou a ouvir o ruído inconfundível e mais ruído de carros em movimento e gritos. Correu na direção da sala de atendimento do PS e viu o que não queria ver.

        No cubículo onde Genivaldo aguardava para ir embora, um PM jazia morto, o outro se dobrava no chão numa poça de sangue. Genivaldo estava morto, bem morto todo perfurado. Anselmo, o enfermeiro mais antigo do OS, estava num canto com as mãos na barriga. Sérgio o sextanista que estava de plantão se escondia em baixo da pia, mas tinha sangue a lhe escorrer pelas costas. Estava mudo e assustado, muito assustado.

        Bem vindo ao Rio de Janeiro pensou Leonardo enquanto se dirigia para atender os feridos.

        E os mortos? Pensou “Que os mortos enterrem os seus mortos”, como bem explicara Jesus. Mat. 8: 22



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