NESSUM DORMA - Oswaldo U. Lopes




NESSUM DORMA
Oswaldo U. Lopes



        Coveiro é uma profissão necessária, mas mal recebida.

        Ele não é bem-vindo, não gosta de dizer qual é sua ocupação, sua família entende de onde vem o sustento, mas se envergonha de explicar.

        Evilásio era um pouco diferente, não muito, nessa profissão não dá para ser original, tudo gira em torno de pá, enxada, colher de pedreiro e trena de medir.

        A diferença de Evilásio era sua distração e uma bela voz. Distraído cantarolava enquanto assentava tijolos, às vezes até conversava com o defunto, noutras cantava para o próprio.

        Naquele dia o enterro não era dos mais concorridos, meia dúzia de pessoas e o morto embrulhado apenas num lençol, costume religioso explicaram. Defunto nu e sem caixão.

        Lá estava nosso distraído coveiro, colocando os tijolos e cantarolando “Nessum Dorma”, belíssima área da ópera Turandot de Puccini. Como “Ninguém dormia”, o defunto foi-se mexendo como alguém que está acordando, espreguiçando os braços e afastando o sono.

        Evilásio nunca mais foi visto no cemitério, nem em qualquer outro lugar da cidade. Reza a lenda que a estudantada que aprontara a pândega acabou o dia na bebedeira. A administração se viu com uma cova semiacabada e vazia.

MORAL DA HISTÓRIA: Antes de cantar “Nessum Dorma”, certifique-se de que o defunto dorme mesmo, ou melhor, está mais morto do que vivo. Se tiver dúvidas, acerte-o com a pá.


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