O SEGREDO DA CHAVE - Oswaldo Romano


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O SEGREDO DA CHAVE
Oswaldo Romano

        Ainda vou descobrir porque vivo mudando de gaveta em gaveta.

        Sou um segredo da casa. Respeitada o que me traz orgulho. Que eu saiba, sou a única. É fácil resolver esta chave. A chave sou eu! Chave de fechadura, bem entendido.

        Não posso ficar exposta, apreciando o movimento da casa. Eu sou bisbilhoteira, exposta rodaria por todos os aposentos.

        Infelizmente não. Sou colocada dentro das gavetas. Pior ainda, no fundo, nos cantinhos. Às vezes me levam passear. Não gosto, fico muito presa no que chamam de chaveiro. Um treco que abre o bico e se encaixa no meu anel.

        Penduram na cintura e andam balançando por aí. Fico tonta. Me raspam os dentes.

        Uma ocasião doía tanto que irritada fugi daquele gancho. Cai, acho que era um lugar de comida. Cheirava gordura!

        Uma menina foi quem me recolheu. Olhou-me como se eu estivesse ferida. Ela estava saindo. Vestia-se de estudante.

        Pouco antes da saída, vi gente puxando a mesa, cadeiras. Todos os olhos varriam o chão. Tive mais sorte, fui levada pela menina.

        Acabei chegando dentro da escola.

Um homem me pegou. Pendurou-me num prego. De início fiquei muito triste. Quem vem aqui, procura coisas perdidas. Mexem, remexem em todas. Somos muitas. Pegam-me, olham, sou pendurada de novo.

        Aqui é melhor que o escuro fundo das gavetas.

Crianças gritam, correm cantam. Sou feliz! Bem que poderia aproveitar e estudar. Por enquanto só sei abrir e fechar portas. Descobri por que era escondida nos cantinhos das gavetas. Eu era o segredo! Ouvi falar: esta é uma mestra! Que orgulho, hein. Não era uma qualquer, não! Escuto chamar homens aqui de mestre. Confundem-me um pouco.

        Será porque são formados! Já sou mestre sem formatura. Bem que eu quero estudar. Imaginem formada. Esses não perdem por esperar. Eu mexo com línguas. Línguas das fechaduras. Estou no caminho. Bem pensado! Vou procurar fazer mestrado. Serei uma mestrada, formada em línguas. Línguas, afiadas o não, abrem as portas do mundo!


        Dependem do meu segredo.

Opa! Enquanto medito, eis que entra uma moça procurando pelo seu guarda-chuva.  Na espera, me olha, olha outra vez. Ouvi que se chama Ana, monitora aqui da escola. Não se conteve. Abriu sua bolsa, pegou uma chave e veio encostá-la em mim. Era uma chave chata também. Vi por aí, umas quadradas, chamam Tetra. Não sei o que é melhor, ser chata ou quadrada. Eu sou uma Yale chata.  


            Quando veio o guarda chuva, a moça pediu para me ver. Com aquela chata na mão, contou todos meus dentes. Eu estava conhecendo aquela pessoa. Não voltei para o prego, ela me levou! Acabei ficando lá de novo, no canto, no fundo de uma gaveta. Fiquei feliz! Claro, eu sou a chave da felicidade.


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