Os tapetes de Smita - Ises A. Abrahamsohn

Os tapetes de Smita
Ises A. Abrahamsohn

Na oficina de tapetes Shankar  trabalhavam pelo menos uma centena de mulheres. Desde os sete anos de idade as meninas permaneciam horas e horas na frente dos teares passando e repassando as agulhas pela trama. No início, desenhos simples e fios de algodão; as habilidosas teciam os fios de seda. Precocemente adultas, as meninas saiam da infância sem brincadeiras, direto para o casamento.  Casamentos sem alegrias.  Apenas mais trabalho, em casa e no tear. Smita era uma delas, mas não se conformava com a sina que avistava e  até então conseguira escapar do casamento porque não tinha dote.

Smita era devota de Lakshmi deusa da sorte, riqueza e fertilidade. Toda semana levava uma fieira de flores, aquela que conseguia pagar com apenas 3 rupias, e falava com Lakshmi. Contava a sua dura vida e pedia conselhos à deusa. Lakshmi aparentemente a  ignorava, mas  Smita não desistia. Tinha planos para melhorar de vida. Sabia que era uma tecelã de primeira. Seus tapetes de seda conseguiam os melhores preços na loja, mas pouco disso chegava a seu bolso. Queria ter a própria oficina de tapetes. O dono da oficina ria da sua pretensão.

Quando você conseguir tecer um tapete de seda por dia, aí sim, veremos.  Tinha os olhos miúdos, cobiçosos e escarnecia das suas pobres empregadas.

Tecer um tapete de seda por dia era impossível. Talvez em um mês, se duas pessoas nele trabalhassem. Smita  levou para Lakshmi além das flores, a sua agulha preferida. Deixou-a aos pés da deusa junto às outras oferendas. No dia seguinte, estava muito cansada. Sentou-se no banquinho em  frente à  trama e escolheu os fios de seda para o próximo tapete. O desenho era floral e  intricado. Com o calor e o zumbido das moscas Smita adormeceu. Caminhou até a janela da oficina pela qual  avistou,  em vez da viela poeirenta e suja, Lakshmi  em seu trono em meio a  árvores de frutos brilhantes, folhagens douradas e  flores que pareciam esculpidas de pedras preciosas. Smita cruzou o portal da janela e entrou nos domínios  da deusa.  Deslumbrada, examinava aquela profusão inimaginável de tesouros. Viu azaleias talhadas de rubis. Os estames das flores eram filetes de metal dourado. Olhando de perto, Smita percebeu que tinham uma fenda na extremidade. Hesitante, puxou um estame. Era de fato uma agulha de ouro. Olhou em volta temerosa de ser acusada de roubo. Neste momento, toda a paisagem desapareceu. Viu-se em frente à janela de batente escuro e sujo da oficina. Saltou para dentro e, de repente, acordou suada em seu banquinho de tecelã. Tinha nas mãos uma agulha das antigas suas, de cobre. Enfiou o primeiro fio de seda na agulha e  passou pelo orifício da trama.  A agulha adquiriu vida própria. Bastava colocar o fio de uma cor que ela seguia a  preencher os vazios da tela. Trocando-se a cor, lá ia a agulha a entrar e a sair da  trama completando os desenhos mais complexos. Smita se beliscou; não podia acreditar no que via. Várias vezes teve que disfarçar para que o capataz nada percebesse. Após algumas horas, Smita  fingiu-se doente e foi para casa. O tapete já estava pela metade.

Smita mudou-se do vilarejo  para a cidade levando consigo a mãe e a irmã. Conseguiram um barracão que servia ao mesmo tempo de casa e oficina. No inicio, conseguiram algumas encomendas de oficinas para fazer os tapetes em casa. A agulha continuava o seu trabalho encantado. Tinham que disfarçar e não entregar o trabalho tão rápido para não despertar suspeitas. Com o tempo, Smita montou a própria oficina e loja. Empregava outras tecelãs, mas reservava para si as tramas mais complexas que executava  apenas em casa.


Ah ! Sim ! é claro que Smita  enriqueceu. Continuou devota de Lakshmi a quem levava oferendas todas as semanas. Agora não precisava mais de dote, mas não queria nenhum marido bisbilhotando a  origem de sua riqueza.  Em vez disso, abriu uma escola para meninas dedicada a Lakshmi  e também  a Sarasvati,  a deusa da sabedoria . Nela, as crianças  brincavam, aprendiam a ler e a escrever  e, se quisessem, aprenderiam as artes da tapeçaria.

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