IMIGRANTES - Oswaldo U. Lopes

MIGRANTES
Oswaldo U. Lopes

            No sentido mais amplo somos todos os humanos, imigrantes. Desde os primórdios da evolução na Ásia Central em que o homem e a mulher caminharam para o que hoje conhecemos como Europa, ou pelo extremo norte através do estreito de Bering para a América, a humanidade esteve sempre caminhando.

            Motivos? Os mais diversos: fome, condições ruins de vida, doenças, escravidão, busca da fortuna, perseguições politicas ou religiosas etc. Entre nós o uso da palavra adquiriu a conotação restritiva para os imigrantes europeus ou asiáticos que chegaram ao fim do século XIX, inicio do século XX.

            É possível chamar a vinda para a América de escravos negros como imigração? No sentido amplo da palavra, sim. Claro que isto parecerá uma afronta e uma indignidade, mas é uma abordagem possível. Tomada em sentido geral, amplo a escravidão é uma chaga. No pormenor, lá onde o Diabo mora, os capítulos são escritos de outra maneira. Zumbi o grande líder dos Palmares tinha escravos. Parece que a lei em Palmares era de que o negro que chegava fugindo do cativeiro ficava livre e o negro que era apanhado, nas incursões dos guerreiros de Zumbi, em plantações e engenhos dos brancos continuava escravo.

            Mesmo o Senegal, onde o Lula chorou de cinismo ou ignorância, era um entreposto, lugar em que negros entregavam negros aos homens brancos, sem lutas nem caçadas, como muito bem lembrou João Ubaldo Ribeiro em artigo no Estadão. Nas lutas tribais o costume mesmo era matar os inimigos derrotados em combate. Com o aparecimento do homem branco iniciou-se o comércio em que a entrega de negros, para serem escravos, se fazia a partir dos próprios negros que haviam derrotado seus inimigos. A partir dai estabeleceram-se lutas com o objetivo de caçar inimigos tribais para depois entrega-los ao comprador português em troca de objetos de interesse para os locais.

            No âmbito da sociologia cínica tem gente que escreve e fala que a imigração forçada dos negros americanos resultou em melhoria da qualidade de vida deles. Mesmo com o massacre de quatro ou cinco gerações, os sobreviventes alcançaram um padrão econômico e social que, se seus ancestrais tivessem permanecido na África, não teriam alcançado. E o argumento trágico é: vejam as condições de vida e o padrão econômico dos países africanos nos dias de hoje.

            Mas, quem são afinal nossos imigrantes?   Nossos índios são os primeiros. Acho encantador a maneira como os canadenses se referem aos indígenas locais: “Canada First Nation”. Acho ainda mais encantador o respeito com que eles são tratados e, sobretudo como os próprios se sentem muito bem acolhidos pela, hoje, maioria branca. Vindos da Ásia Central os ameríndios são imigrantes de primeira mão. Os portugueses são também imigrantes mesmo quando desterrados. Os holandeses também o são, embora considerados invasores, alguns por aqui ficaram e sua miscigenação e visível no nordeste brasileiro. No período colonial houve também franceses, a cidade de São Luís tem esse nome não porque houvesse reis portugueses com esse nome, mas sim porque Luís XIII (o dos três mosqueteiros) era rei de França. Embora expulsos muitos por lá ficaram e inclusive ajudaram os portugueses na colonização do Maranhão.

            No  sentido restrito consideramos e chamamos de imigrantes os europeus e asiáticos que emigraram nos séculos XIX e XX por iniciativa do Estado brasileiro. Oriundos de diferentes etnias, regiões e países e com instrução e habilidades as mais diversas para cá vieram italianos, alemães, poloneses, finlandeses, noruegueses, letões, japoneses e muitos outros. No principio o incentivo era para trabalhadores agrícolas. O desenvolvimento da lavoura cafeeira no Estado de São Paulo é exemplo gritante dessa ideia, como também o é a cultura vinífera no Rio Grande do Sul ou a de maçã em Santa Catarina.

            Em Santa Catarina os nomes das cidades, por si mesmo, contam essa história ou nos remetem a ela. Blumenau, Brusque, Pomerode (de Pomerânia), Schroeder, Witmarsun, Joinville, Nova Veneza, Nova Trento (imigração austríaca). No Rio Grande do Sul, Nova Milano distrito de Farroupilha, conta a mesma história. De colonização mais antiga não são muitas as cidades desse estado cujos nomes, por si só, contariam histórias de imigração que, no entanto, é estridente na serra gaúcha. Nova Friburgo fala da imigração suíça-alemã, assim como Teresópolis e cidades do Espirito Santo, onde também aparecemos italianos e trentinos.

            Em suma um conjunto tão dispare e que se tornou tão harmonioso. Em contraste com os dias de hoje em que seus descendentes buscam avidamente o passaporte europeu, os imigrantes fizeram das tripas coração para se integrar a nova terra e falar a nova língua. Inúmeras pequenas histórias ilustram essa verdadeira epopeia. Em 1961 tive oportunidade de viajar pela BR111 e visitar cidades do estado de Santa Catarina. Recordo-me particularmente de Brusque e de sua imponente catedral, recém-inaugurada, em granito rosa que alias tinha baixa frequência. A maioria da população era protestante (luteranos, não crentes – há diferenças). Inqueridos os locais informavam que era uma homenagem a religião do país que os hospedara.

            Na família de minha mulher, na linha materna, que são Centolas oriundos de Bernalda, pequeno paese encravado nas montanhas da Basilicata, conta-se que lá havia, por volta de 1880, a profissão de aguadeiro que vendia e entregava água a domicilio. Com a chegada do progresso a prefeitura local, ouvidos os comunales, decidiu pela construção de uma fonte, de localização central que em nome do progresso acabaria, é claro com a profissão de aguadeiro. Após a unificação italiana além das dificuldades econômicas se multiplicaram também os jovens anarquistas e socialistas. Estes promoveram uma manifestação na cidade para destruir a fonte e assim preservar os empregos. Pois é, é antiga a ideia de obstaculizar o progresso em nome dos postos de trabalho.

            Fazendo um parêntesis, lembro-me bem de em 1974, estando em um Pub na cidade de Cambridge, em pleno verão ter ouvido do honorável e respeitado cientista Sidney Hilton, então Secretário da imponente Physiological Society que: “We (the British) are very proud of our inefficiency, because it means jobs”. Sidney Hilton tinha sido socialista quando jovem, tiveram que esperar por Margareth Thatcher para descobrir que esta frase não era de boa qualidade. Pena que ela tivesse usado métodos um pouco drásticos para provar sua tese.

            Lá onde estávamos, em Bernalda, o jovem Centola pensava da mesma maneira que Sidney Hilton, embora pela cronologia devêssemos dizer o contrário. Resultou numa refrega com os carabineri que por sua vez resultou num ferimento a tiro em sua perna. Jovem e mancando seria alvo fácil da policia que não usava, como não usa, métodos suaves. O jeito foi escondê-lo em casas amigas e, de noite, ir transferindo-o de paese em paese até que fosse possível embarca-lo para viver in Brasile.


            Dele se originou uma corrente migratória que partindo de um anarco-socialista deu, com o casamento com os Rossetti, oriundos de Montemurro, numa próspera Casa Bancária em Mococa. Um final feliz quando se diz que: se você não é socialista aos 18, não tem coração, se ainda é socialista aos 50, não tem cérebro. A frase é atribuída a Winston Churchill com toda razão. Alias Montemurro era uma prospera comuna da Basilicata semidestruída por um terrível terremoto em 1857 que resultou numa fortíssima imigração dos sobreviventes para a América do Sul e do Norte. Outro motivo que levou a imigração e suas pequenas e grandes coincidências e contrastes.

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