História sobre história - Espírito aventureiro - Ises A Abrahamsohn




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História sobre história -  Espírito aventureiro
Ises A Abrahamsohn


O pai deu uma gostosa risada. Seguimos para nosso destino.  Procurávamos um escondido formigueiro que vinha há várias noites dizimando a horta da Nena. Mato rasteiro, nossos pés se escondiam no meio do capim touceira que com o vento constante nos morros, uivavam como lobo secando a lua.”. (Formigas no Morro – Oswaldo Romano).


            Ainda bem quem não temos verdadeiros lobos aqui nas Gerais. Apenas o nosso lobo guará que é mais raposa do que lobo. Estranho, por que será que pensei em uivos de lobos, acho que foi porque estou lendo “Caninos Brancos”, que ganhei da tia Ermelinda. Adoro esse escritor, já li dele o Chamado Selvagem. Sei que ele viveu há mais de cem anos, mas os livros dele me fazem viver as mesmas aventuras. O sol está de rachar, estou com sede e nada de achar o formigueiro. Acho que as saúvas não saem durante o dia, só de noite elas vão atacar a horta da tia Nena. Não adianta sair de dia. Falei para pai, mas ele é teimoso. Tem que sair de noite com o farolete e seguir as bichinhas. Quando chegarmos ao alto do morro, vou falar para voltarmos. Estou com dor de cabeça e os pés doendo.

Mas antes de Lenita chegar ao alto do morro, tropeçou numa raiz de angico e despencou para dentro de um buraco. Atordoada ouviu o pai chamar desesperado.

̶  Estou bem pai. Não muito fundo. Só uma dor na coxa onde bati no chão. Pai, o senhor não vai acreditar, mas aqui embaixo é uma caverna. O chão é lisinho e a caverna se continua para os dois lados, mas está tudo escuro. Como é que eu vou sair daqui?

̶  Filha, fique calma. Vou buscar ajuda. Vou subir até o alto do morro para o celular pegar e pedir uma escada ou corda para tirar você daí. Cuidado! Fique onde tem a luz do buraco. Não vá sair por aí fazendo explorações!

O pai conhecia bem Lenita e sua veia aventureira e, embora tivesse pensado na possibilidade de haverem cobras no buraco, não disse nada para não assustar a garota. Uns vinte minutos depois voltou com a notícia que o socorro já estava a caminho. De fato, em meia hora, Lenita, sem ferimentos e apenas suja de terra foi resgatada. Alguns galhos foram espetados para sinalizar o buraco enquanto não fosse tapado e uma tábua com aviso de perigo foi pendurada no tronco de árvore.

No fim da tarde, já totalmente recuperada do susto, a garota fazia planos para explorar a caverna.

Sozinha, não vai dar. Vou ligar para o Fábio que está passando as férias na casa da tia Lucinda pra ver se ele topa ir comigo. Amanhã combinamos os detalhes. Vamos precisar de escada e cordas, mais uma lanterna e algumas coisinhas mais.

Fábio topou na hora. A escada e as cordas ele “emprestaria” da tia, já que qualquer ação de Lenita nesse sentido, se fosse percebida, seria impedida. O pai tinha insistido que ela não se aproximasse do buraco. Por conta da garota ficaram as lanternas, um pau e faca para afastar algum animal e um rolo de barbante.

Dois dias depois, os jovens se encontraram de manhã para a exploração.

A corda foi amarrada no tronco do angico para Fábio descer. A garota passou-lhe a escada e logo estavam ambos dentro do buraco que, de fato, se abria para os lados. Resolveram explorar a caverna pela passagem mais larga. Avançaram talvez uns cinquenta metros até um monte de pedras e terra que interrompia o acesso. Voltaram e enveredaram pela passagem mais estreita. Lenita desenrolou o barbante enquanto caminhavam. A passagem se afunilava cada vez mais até que os dois tiveram que rastejar por um estreito túnel de uns dez metros.

̶  Cuidado com o celular, avisou Fábio.

Passado esse trecho, chegaram a um grande salão que aparentemente era onde terminava a caverna.

Foram iluminando as paredes. Cobras, se lá morassem, estavam bem escondidas. Apenas algumas lagartixas e besourinhos transparentes.

̶  Devem ser cegos, vivendo nessa escuridão, disse Lenita.

E, foi acompanhando com a lanterna a fuga de uma lagartixa que, de repente, viu o desenho na parede. Excitadíssima, a garota chamou Fábio e ambos percorreram as paredes da caverna com as lanternas e se deslumbrando com os muitos desenhos de bichos, antas, veados  pássaros além de riscos e outras marcações nas rochas. Tiraram algumas fotos com os celulares.

̶  São pré-históricas, exclamava Lenita procurando os melhores desenhos para fotografar. Devem ser do tempo do povo da Lagoa Santa, da gruta da Lapinha. Desenhos de dez mil anos. Incrível!

A descoberta da caverna com os desenhos rupestres foi o acontecimento do ano na região. De fato, foram datados da mesma época que os da Lapinha.

A bronca que os jovens receberam pela aventura foi bem suave. Não fosse a curiosidade de Lenita e Fábio....

ALTERNATIVAS QUE A VIDA OFERECE - Ledice Pereira



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ALTERNATIVAS QUE A VIDA OFERECE
Ledice Pereira


Se eu pudesse voltar no tempo.... Ah se eu pudesse!

Teria prestado novamente vestibular para a Faculdade de Psicologia, em cujo primeiro exame fui reprovada. Paralelamente, recebi uma oferta para dobrar o meu período de trabalho, no Curso preparatório Pandiá Calógeras, ganhando seis vezes mais do que eu recebia à época. Não pestanejei. Aceitei no ato, desistindo do meu sonho de ser psicóloga.

Mais tarde, já trabalhando no Curso Universitário, outro preparatório, fazendo parte do Departamento de Impressão e Propaganda (DIP), onde eram confeccionadas as apostilas de todas as matérias, deixei passar mais duas oportunidades:

Ao ser aprovada num concurso público no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, desisti de providenciar os documentos exigidos porque, na verdade, minha vontade era de permanecer na minha zona de conforto. Além do mais, eu estava com casamento marcado para breve.

Conclusão: Desisti de ingressar no serviço público, cujo salário não era de se jogar fora.

Não bastando, tempos depois perdi a chance de trabalhar na Panair, uma Companhia de Aviação, onde meu professor de inglês trabalhava. Ele me convidou por achar que eu correspondia ao perfil exigido. Ali, eu teria que falar inglês. Seria uma ótima maneira de exercitar e aperfeiçoar o idioma.
A inexperiência da idade falou mais alto.

Arrependimento? Total. A juventude nos faz perder a ocasião.

Vale muito o ditado que diz: “Melhor se arrepender do que fez do que aquilo que não fez”.

Vinte anos depois, quis o destino que eu prestasse novo concurso público, e fosse aprovada, no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) onde aprendi muito, trabalhando durante vinte e um anos, até me aposentar. Dessa vez, a maturidade falou mais alto.

A vida nos dá alternativas. Cabe a nós aceitá-las ou não. E arcar com as consequências.

Beijos - Suzana da Cunha Lima



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Beijos
Suzana da Cunha Lima


Estava boiando plácida e feliz num lugarzinho quente e aconchegante, quando senti que me empurravam, sem aviso, para um túnel escuro que desembocava num lugar enorme, frio e branco.  Alguém me puxou, me colocou de cabeça para baixo, me deu umas palmadas e só sossegou quando comecei a chorar. “Que mundo é esse, que luz tão forte, vão me matar... senti-me perdida.

Foi quando percebi algo quente a me envolver e acalmar e logo senti lábios macios a tocar meu rosto. Eu não sabia o que era um beijo ou um abraço, mas presumi que estava outra vez com minha mãe, em outro lugar, desconhecido, mas tão bom e acolhedor como seu útero. Foi o primeiro beijo que recebi na vida.

Minha meninice foi marcada por muitos beijos e abraços, minha família era grande e amorosa. Mas nenhum beijo continha tanto amor quanto aquele primeiro.

Já na adolescência, surgiram muitos candidatos a querer me beijar e percebi que não queriam ficar apenas nos selinhos inocentes.  Queriam provar o gosto da minha boca, e, se possível, de todo o resto. Idade dos hormônios, dos desejos e inquietudes. Beijos sôfregos e exigentes. A natureza tinha pressa.

Já moça, conheci o beijo do primeiro amor. Um gosto diferente, um anseio, ternura misturada com desejo. 

Assim, o beijo está presente em toda nossa vida e se revela de todas as maneiras e formas, porém, quando irrompe a paixão, aí sim, o beijo é o grande protagonista, não apenas coadjuvante na arte de amar.

Quem já se apaixonou sabe como um simples roçar de lábios na nuca ou atrás das orelhas pode desencadear uma explosão selvagem de desejos. Tanto quanto o beijo na ponta dos dedos, nos bicos dos seios, na curva das nádegas, a boca ávida vai desbravando, conhecendo e prolongando ao máximo, o imenso prazer de estar partilhando com o ser amado uma das mais belas e significativas experiências que o ser humano pode experimentar.

Mamãe não entendeu que eu cresci - Ledice Pereira



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Mamãe não entendeu que eu cresci
Ledice Pereira


Como dizer para minha mãe que eu não quero que ela me acompanhe?

Eu adoro minha mãe, mas, às vezes, ela é muito inconveniente.

Imaginem vocês que, outro dia, passei o maior mico. Convidei minha turma para uma reuniãozinha em casa, em comemoração aos meus dezenove anos.

Éramos sete. Quatro meninas e três rapazes, eles mais velhos do que nós.

Vim com as meninas, direto da faculdade. Minha mãe ficou de preparar tudo.
E não é que ela preparou vários sucos e comprou refrigerantes!

Mãe, você não providenciou nem umas cervejinhas?

Pra quê, filha? Com esse calor achei que os sucos cairiam melhor. Fiz cachorro quente e pipoca, não está bom? Ah, e comprei um bolinho pra você apagar a velinha...

Eu quis me enfiar debaixo da terra. Fiquei uma fera.

Ainda bem que meu irmão me salvou indo comprar umas cervejas geladas.

Quando os rapazes chegaram, disfarcei, dizendo que as cervejas estavam gelando.

Proibi minha mãe de aparecer na sala, ao perceber que ela me faria pagar um mico na frente dos rapazes. Vinha trazendo uma caixa que continha minhas fotos de criança com aquelas fitas horrorosas. Ainda mais que estava rolando uma paquera.

Hoje, para fazer as pazes, ela veio toda amorosa, dizendo que irá me acompanhar na balada...

Grande Sertão - José Vicente J. Camargo


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Grande Sertão
José Vicente J. Camargo


Tô na fila do busão, nesta manhã fria chuvosa
Tão comum na Pauliceia
Sem tempo pra pensar, se amanhã melhor será
Se nem hoje, sem diesel, com greve sem vergonha
Sei lá que horas chego, no emprego da grana
Com patrão pega no pé, é ruim passar da hora

Nervosismo já era, com este cheiro que vem
Da barraca ao lado
É queijo de coalho na manteiga garrafa
Enroladinho na goma, melhor coisa não há
Pro preparo do biju
Não dá outra, sou humano

Me lambendo tudinho, saboreio saudades
Que deixei lá no sertão
Com mãezinha aflita, rezando orações
Pro seu filho querido, não cair nas tentações
Da cidade desvairada sem moral nem salvação
Cheia de vícios, pecados e solidões

Eu matei as saudades, mas depois outra chegou
A do burrico Tião que carrega sem grito
Tudo o que quero levar, seja lá pra onde vou
Combustível é capim, nem carece ser dos bons
Se água fresca tem, agradece com relincho
Se barrenta for, baixa olho segue rumo

Nesse trem diesel não entra
Não polui as veredas, com seus verdes bacuris
Nem cristalinos rios, de cardumes lambaris
Tão bem romanceado no livrão Grande Sertão
Do imortal mineirão, João Guimarães Rosa
Não dá greve vergonha, só glórias pro Brasil..


Antes e depois do Clube AP - Ledice Pereira



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Antes e depois do Clube AP
Ledice Pereira


A aposentadoria tão almejada coincidiu com o descolamento de retina do meu marido.

Tínhamos feito tantos planos. Ele, aposentado há alguns anos, não via a hora de que eu ficasse livre para acompanhá-lo em cinemas ou viagens.

Mas a vida é assim, o homem põe, Deus dispõe.

Tentamos nos acostumar à nova situação.

Eis que meu filho tornou-se sócio do Clube AP, insistindo para que nós também nos tornássemos, como dependentes.

Custamos um pouco até que, finalmente, decidimos aceitar a ideia.

O clube mudou nossa rotina.

Passamos a frequentar a hidroginástica, onde conhecemos pessoas de nossa faixa etária, divertidas e interessantes, que nos indicaram outras atividades.

Nossos finais de semana passaram a ser mais completos, incluindo familiares e novos amigos.

Encontramos mais motivação para viver essa vida de aposentados.

Hoje, frequentamos o restaurante, o teatro, a piscina, o bar do quiosque, sem contar o EscreViver que deu mais alento à minha “doce vidinha inútil”.

Posso afirmar, de coração aberto, que o Clube AP nos deu a oportunidade de reviver, permitindo que nos integrássemos a pessoas interessantes, com quem podemos  trocar experiências, o que tornou nossas vidas mais ricas e prazerosas.

INGRATIDÃO - Antonia Marchesin Gonçalves



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INGRATIDÃO
Antonia Marchesin Gonçalves



A vida nos ensina conforme as nossas atitudes, se fazemos o bem o receberemos de volta, se o mal, retornará mais cedo ou mais tarde. 

Meus pais já há anos no Brasil, tinham como amigo um senhor italiano, que era chamado de Coronel, pois ele era mesmo aposentado do exército e após a guerra veio para o Brasil, mas se sabia que era pessoa de muitas posses, tanto na Itália, quanto aqui no país. Após alguns anos tivemos a surpresa de ver a chegada do seu filho único, um rapaz forte, simpático, alegre e recém-formado em medicina, foi morar com o pai. E como era o costume do seu pai, almoçavam ou jantavam quase todos os dias em minha casa.  Sua alegria nos contagiava, com   bom humor e adorava os pratos que minha mãe fazia.

Abriu um pequeno consultório no bairro, era clínico geral e cardiologista, aprendeu logo a língua e começou a trabalhar no Hospital das Clínicas, Santa Casa e medida que a sua competência foi se solidificando, foi trabalhar outros grandes hospitais. Logo ficou famoso, atendendo de artistas, políticos, etc. Conheceu a mulher que seria sua esposa, advogada, dois anos mais velha que ele, casaram-se e foram morar no sobrado em Pinheiros onde já era o seu consultório. Casados mantiveram o costume de jantar na minha casa, pois ela não sabia cozinhar. Quando conseguiram comprar o seu primeiro apartamento se mudaram e a esposa engravidou do primeiro filho. Lindo o menino tinha o mesmo nome do pai.

Aí entro eu. Quando o menino tinha dois anos e meus pais precisavam de ajuda financeira, a esposa pediu para que eu ficasse com o filho no período da tarde, porque de manhã eu estudava, e como pequeno salário ajudaria em casa, na época eu tinha doze anos. A convivência e o aprendizado que eu tive foram enormes, pois conheci o amor de uma criança na sua inocência, e ao mesmo tempo a maldade do ser humano como um câncer que destrói tudo a sua volta. Enquanto o médico era alegre, sempre com o sorriso no rosto, distribuindo saúde e cura com desprendimento e amor, sua esposa era a megera na sua integralidade. Maltratava e humilhava as empregadas a ponto de fazê-las chorar quase todos os dias. A comida era diferente para as empregadas, inclusive eu tinha que comer com elas. Tanto que era capaz de chamar o padeiro todas as tardes para que o filho escolhesse o seu lanche da tarde, normalmente pão doce, e não admitia que nem eu comesse o que o menino me oferecia, preferia jogar fora se sobrasse.

 Assim foi um ano inteiro assistindo a tudo calada, mas eu tinha a compensação, que era o amor incondicional do menino por mim, a ponto da mãe falar para todos os amigos, vizinhos e clientes famosos que frequentavam a casa, que eu era a primeira paixão do seu filho. Após um ano eu pedi a minha mãe para me tirar de lá, pois não aguentava mais aquela situação e o estudo estava sendo prejudicado. Foi um verdadeiro terremoto na casa, pois havia nascido o segundo filho e ela não queria aceitar   minha saída principalmente o menino não me largava, agarrando-se em minhas pernas implorava que não o deixasse, chorava muito. Jamais esqueci esse momento e essa imagem, tive que fazer um grande esforço e ir embora sem olhar para trás.

Nunca mais estive com o menino, eu o via passando de carro com os pais em frente da minha casa, ele acenava com as mãos e eu retribuía o aceno. Mudamos de bairro, meu pai havia construído   nossa casa. Depois, casei e mudei de bairro de novo, mas sempre que   minha família precisava de médico, era o nosso amigo que nos atendia no seu consultório no bairro mais nobre. Passaram-se anos o menino já cursava o segundo ano de medicina, quando veio a bomba na minha cabeça, numa viagem de férias da família do amigo, já na época eram três filhos homens, um acidente na estrada com o carro matou o pai e o meu querido menino, ficaram salvos a mãe e os dois irmãos, que são médicos também.

Na missa de sétimo dia essa mulher desolada me abraçava e dizia, o nosso menino foi embora, e repetia me abraçando muito. Soube depois que ela se anulou, no total desolamento e sofrimento, inconformada com o destino.

O velho e sábio ditado que diz “aqui se faz, aqui se paga”, aprendi nessa minha história de vida.

NADA - Sérgio Dalla Vecchia



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NADA
Sérgio Dalla Vecchia



Como é relaxante não fazer nada!

Era o que sentia estressado executivo, num final de semana pescando em um sítio.

Seu cérebro dividido em pequenos compartimentos estanques, ordenava as tarefas uma a uma, abrindo um compartimento para cada uma delas. Assim funcionava perfeitamente a rotina do eficiente executivo na sua jornada.

Atividades objetivas e precisas, executadas pelo corpo obedecendo fielmente ao comando do cérebro.

Para aquele momento de lazer, o cérebro liberou um compartimento especial para a importante atividade, denominava-se nada!

Nada a pensar,
Nada a planejar,
Nada a temer e
Nada a fazer!

Assim era o estado de espírito do executivo à beira da lagoa.

Absorto com o molinete em mãos, olhos fixos nas plácidas águas, ouvia pássaros e sentia a brisa, tudo na cadência da respiração letárgica.

De repente, surgiu a esposa com seus compartimentos cerebrais interligados, ordenando simultaneamente múltiplas atividades, que ansiosa logo perguntou:

— Marido, em que você está pensando aí parado, com esse sorrisinho nos lábios?

Ainda em transe, ele virou-se calmamente e respondeu:

— Nada, querida.

Ela enciumada aproximou-se, deu-lhe um beijo na testa e retrucou:

—Olhe lá, Hein! Em quem você está pensando!

Infelizmente os cérebros das mulheres não foram agraciados com o prazeroso compartimento do nada. O azar é só delas!

O ESTRANHO NO CEMITÉRIO - Antonia Marchesin Gonçalves




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O ESTRANHO NO CEMITÉRIO
Antonia  Marchesin Gonçalves



Estava eu no Cemitério do Morumbi levando flores para meu pai recém-falecido, quando um rapaz jovem e bonito se aproximou:  É alguém da família? Eu respondi, meu pai. Ele se abalou.    Disse, sem eu perguntar, que também ele tinha o seu ali, não muito perto do meu. Não respondi nada e ele lá se manteve perto e começou a chorar. Eu não sabia o que fazer ou dizer e ele em pé continuava a chorar copiosamente.

Para consolá-lo perguntei, foi hoje? Não, faz meses, me respondeu, mas eu estou sofrendo muito porque agora mais do que nunca eu precisava dos conselhos dele. Tenho uma noiva, gosto dela é bonita, mas não paro de pensar em ter um relacionamento com homens. Eu levei um susto, era a última coisa que esperava ouvir naquele lugar.

Tentei consolá-lo aconselhando-o a ir ao psiquiatra ou que falasse com a mãe ou irmãs se as tivesse. Nada, o coitado chorava e dizia que havia feito de tudo, mas não parava de pensar. Depois de uma hora eu já angustiada aconselhei que fosse ao psiquiatra de minha mãe e dei o cartão, e já   cansada da ladainha falei, assuma, pelo menos você tira a dúvida e toca a vida. Disse, e me despedi. Peguei o carro, aflita com o coitado, angustiada passei o dia pensando nele. Quando meu marido chegou em casa contei o episódio, ficou muito bravo comigo, não por ciúme e sim que eu estaria correndo o risco de ser assaltada ou sequestrada. Sinceramente, não passou pela minha cabeça tal risco. Talvez ele tivesse razão, mas o cara era muito bom ator, me sensibilizou e corriam lágrimas verdadeira em seu rosto.

Passados alguns meses vejo uma notícia no jornal que me chamou atenção, nas páginas policiais. Era a foto do tal rapaz.  Intrigada, li que o tal era um golpista de cemitério, usava o local para se aproveitar abordando   mulheres e depois pedia se podia sentar no carro e com isso as roubava e até as estuprava. Chocada, pensei como tive sorte em não me acontecer nada, eu creio porque o coveiro amigo que cuidava do túmulo estava por perto, ou o meu anjo da guarda estava de plantão naquele dia.

Cada coisa que acontece com a gente!!!

A MODA - Maria Luiza Malina




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A MODA
Maria Luiza Malina

Desde os tempos remotos a moda sempre foi atrelada aos perfumes e a magia da maquiagem, marcando os símbolos das épocas através da excentricidade inovadora e atemporal dos criadores e da própria cultura do país, ditando novidades ao mundo vestindo celebridades.

A notícia do falecimento do lendário Hubert Givenchy movimenta o mundo da moda, ações etc e tal como a lendária Coco Channel, ambos morreram dormindo no dia 10. Ele em seu castelo, 2018 nos arredores de Paris, ela no famoso Hotel Ritz, Paris em 1971.

No ano de 1944 após período nazista era apontada como colaboracionista; durante os interrogatórios nada foi comprovado.  Como não lhe rasparam os cabelos; preferiu o exílio dourado na Suíça por dez anos junto ao charmoso amante alemão. Ao retornar instalou-se até sua morte no hotel, onde foi encontrada – “após uma repentina doença, deitada em sua cama, elegantemente vestida, penteada e maquiada. ”  Tornou-se uma lenda.

As vestimentas, por assim dizer, em diferentes civilizações ou sociedade, recebem um significado de acordo com a hierarquia. Na cor púrpura, antigo tecido vermelho escuro, representava a riqueza ou alta dignidade social, era reservada ao imperador.

Em outras civilizações os tecidos na cabeça ou lenços no pescoço sugerem um grupo a que se pertence. Faixas transversais no peito indicam vencedores, desde os concursos de misses ao chefe maior de uma nação. Na Espanha a expressão “llegar los pantalones” – usar as calças -  significa estar no comando de algo. Bem antagônico.

Reis, rainhas, príncipes e princesas desfilam invejando-se às atrizes e atores de todas gerações quando a elegância parisiense fala mais alto dos que os saltos Luiz XV entre os aromas secretos de um Givenchy ou Channel em cujos delgados pescoços o preço de um brilhante é coisa corriqueira.

E ainda há se falar do símbolo ocidental da libertação feminina ao se queimar sutiãs, abrindo a polêmica sobre permitir ou não o uso do véu islâmico e locais públicos.

E ainda há de se falar que Coco Channel é inspiração aos atuais designer de moda entre um rabisco e outro entre grandes nomes da alta costura.

“Tanta coisa antiga volta à moda; mal posso esperar a volta da ética, inteligência e da honestidade. ”

MEU TEMPO DE ALUNO - Maria Luiza Malina



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MEU TEMPO DE ALUNO
Maria Luiza Malina


A correria era chegar em tempo de ouvir o sinal tocar espantando os passarinhos do pátio, para não deixar dúvidas – em fila indiana tomando à distância de um braço no ombro do companheiro – já era a marcação de respeito ao próximo, nada de empurrões.

Na sala de aula, os lugares eram os acertados no começo do ano, e isto raramente mudava, a não ser à pedido da professora ou de alguma mãe. O respeito seguia, ninguém se atropelava entre os corredores ou pegava com dedos ligeiros a borracha ou lápis de alguém. Caso faltasse algum material, tipo um apontador, eu levantava a mão e a professora cedia espaço a mim. Adorava fazer isto, era o momento em que ela me olhava nos olhos e eu me via refletido na sua alma, conseguia até mesmo adivinhar os pensamentos, confesso que corava e, ela percebia minhas obscuras ideias; ao escrever levantava rapidamente as pálpebras e, ela me fitava, rápida abaixava os olhos no caderno de chamada em cima da mesa, pontilhando leve a ponta do lápis. Eu a espiava e ela mim.

O silêncio era total, qualquer cochicho era mais alto do que o voo de um mosquito. Claro, havia o grupo do fundão da sala que captava os movimentos mais sutis e jogavam papeizinhos amassados pela sala. Ela via tudo e, era batata – eram os primeiros a lerem a redação.

Para conseguir ter uma nota alta, eu nunca fui o melhor da classe - isto era reservado às meninas – olhe só o que fiz; uma colinha sanfonada na mão esquerda e o dedão, tipo coçava a palma da mão, estava tudo lá; não que eu não soubesse a lição, mas a atenção desaparecia na frente da amada professora, eu só tinha olhos para ela. Ok. Tirei uma boa nota. Assim que ela percebia que alguém terminava a prova, ela o chamava com um gesto de mão. E lá fui eu. Não sabia onde colocar a colinha, segurava mais forte que podia. Entreguei com a mão direita. A esquerda estava atrás. Ela pediu que eu me posicionasse atrás dela para que ela pudesse controlar os alunos. Assim fiquei e pude ver claramente os dedões dos meus colegas mexendo e mexendo sem parar; mais se parecia a uma aula de flauta.

A vergonha foi muito grande. Ela sabia que eu colava. Nunca mais colei e nem tive pensamentos abstratos além dos livros. Passei a ser o melhor aluno da classe.  No final do ano recebi honra ao mérito.

Mas, será que era isso mesmo que eu queria? Ela foi o meu primeiro amor.