História sobre história
- Espírito aventureiro
Ises A
Abrahamsohn
“O pai deu uma gostosa risada. Seguimos para
nosso destino. Procurávamos um escondido
formigueiro que vinha há várias noites dizimando a horta da Nena. Mato
rasteiro, nossos pés se escondiam no meio do capim touceira que com o vento
constante nos morros, uivavam como lobo secando a lua.”. (Formigas no Morro – Oswaldo Romano).
Ainda bem quem não temos verdadeiros
lobos aqui nas Gerais. Apenas o nosso lobo guará que é mais raposa do que lobo.
Estranho, por que será que pensei em uivos de lobos, acho que foi porque estou
lendo “Caninos Brancos”, que ganhei da tia Ermelinda. Adoro esse escritor, já
li dele o Chamado Selvagem. Sei que ele viveu há mais de cem anos, mas os
livros dele me fazem viver as mesmas aventuras. O sol está de rachar, estou com
sede e nada de achar o formigueiro. Acho que as saúvas não saem durante o dia,
só de noite elas vão atacar a horta da tia Nena. Não adianta sair de dia. Falei
para pai, mas ele é teimoso. Tem que sair de noite com o farolete e seguir as
bichinhas. Quando chegarmos ao alto do morro, vou falar para voltarmos. Estou
com dor de cabeça e os pés doendo.
Mas
antes de Lenita chegar ao alto do morro, tropeçou numa raiz de angico e
despencou para dentro de um buraco. Atordoada ouviu o pai chamar desesperado.
̶ Estou bem pai. Não muito fundo. Só uma dor na
coxa onde bati no chão. Pai, o senhor não vai acreditar, mas aqui embaixo é uma
caverna. O chão é lisinho e a caverna se continua para os dois lados, mas está
tudo escuro. Como é que eu vou sair daqui?
̶ Filha, fique calma. Vou buscar ajuda. Vou
subir até o alto do morro para o celular pegar e pedir uma escada ou corda para
tirar você daí. Cuidado! Fique onde tem a luz do buraco. Não vá sair por aí
fazendo explorações!
O pai
conhecia bem Lenita e sua veia aventureira e, embora tivesse pensado na
possibilidade de haverem cobras no buraco, não disse nada para não assustar a
garota. Uns vinte minutos depois voltou com a notícia que o socorro já estava a
caminho. De fato, em meia hora, Lenita, sem ferimentos e apenas suja de terra
foi resgatada. Alguns galhos foram espetados para sinalizar o buraco enquanto não
fosse tapado e uma tábua com aviso de perigo foi pendurada no tronco de árvore.
No fim
da tarde, já totalmente recuperada do susto, a garota fazia planos para
explorar a caverna.
Sozinha,
não vai dar. Vou ligar para o Fábio que está passando as férias na casa da tia
Lucinda pra ver se ele topa ir comigo. Amanhã combinamos os detalhes. Vamos
precisar de escada e cordas, mais uma lanterna e algumas coisinhas mais.
Fábio
topou na hora. A escada e as cordas ele “emprestaria” da tia, já que qualquer
ação de Lenita nesse sentido, se fosse percebida, seria impedida. O pai tinha
insistido que ela não se aproximasse do buraco. Por conta da garota ficaram as
lanternas, um pau e faca para afastar algum animal e um rolo de barbante.
Dois
dias depois, os jovens se encontraram de manhã para a exploração.
A
corda foi amarrada no tronco do angico para Fábio descer. A garota passou-lhe a
escada e logo estavam ambos dentro do buraco que, de fato, se abria para os
lados. Resolveram explorar a caverna pela passagem mais larga. Avançaram talvez
uns cinquenta metros até um monte de pedras e terra que interrompia o acesso.
Voltaram e enveredaram pela passagem mais estreita. Lenita desenrolou o barbante
enquanto caminhavam. A passagem se afunilava cada vez mais até que os dois tiveram
que rastejar por um estreito túnel de uns dez metros.
̶ Cuidado com o celular, avisou Fábio.
Passado
esse trecho, chegaram a um grande salão que aparentemente era onde terminava a
caverna.
Foram
iluminando as paredes. Cobras, se lá morassem, estavam bem escondidas. Apenas algumas
lagartixas e besourinhos transparentes.
̶ Devem ser cegos, vivendo nessa escuridão,
disse Lenita.
E, foi
acompanhando com a lanterna a fuga de uma lagartixa que, de repente, viu o
desenho na parede. Excitadíssima, a garota chamou Fábio e ambos percorreram as
paredes da caverna com as lanternas e se deslumbrando com os muitos desenhos de
bichos, antas, veados pássaros além de
riscos e outras marcações nas rochas. Tiraram algumas fotos com os celulares.
̶ São pré-históricas, exclamava Lenita
procurando os melhores desenhos para fotografar. Devem ser do tempo do povo da
Lagoa Santa, da gruta da Lapinha. Desenhos de dez mil anos. Incrível!
A descoberta
da caverna com os desenhos rupestres foi o acontecimento do ano na região. De
fato, foram datados da mesma época que os da Lapinha.
A
bronca que os jovens receberam pela aventura foi bem suave. Não fosse a
curiosidade de Lenita e Fábio....