O PROCESSO
Carlos Cedano
Nos cartazes
espalhados na pequena cidade anunciavam, com grandes letras e pompa, a próxima apresentação no Teatro Variedades do
filme “O PROCESSO” baseado no livro
homônimo de Franz Kafka. O cartaz enfatizava o filme como sendo de mistério,
intrigas, suspense e com um final inesperado.
O anuncio causou
grande expectativa no município e os comentários estavam em todos os lugares invadiam os próprios lares. Entretanto, as
maiores especulações giravam em torno do desfecho da história.
No domingo desde
cedo, por volta das dezoito horas, as pessoas foram dirigindo-se ao cinema que
em pouco tempo ficou lotado. A ansiedade para ver o filme era tanta, que os
quinze minutos antes de seu inicio pareceram uma “eternidade”.
Finalmente, às
dezenove horas em ponto, as luzes se apagaram e começou a sessão sem apresentar
previamente os costumeiros trailers, tal era a pressa da plateia.
Durante os
primeiros dez minutos ouviu-se um silencio sepulcral. Os expectadores estavam concentrados
para não perder nenhum detalhe do enredo. Os personagens eram enigmáticos e as situações
absurdas longe do esperado pelos espectadores. Os diálogos com perguntas sem respostas
ou fora do lugar contribuíam para criar a sensação de “non-sense”.
— Isso deve fazer
parte do mistério - Disse baixinho uma mulher em tom condescendente.
Nos minutos
seguintes intensifica-se a decepção das pessoas com a persistência de situações
surrealistas e simbolismos: decorações extravagantes, corredores que criavam
sentimento de estar num labirinto e o réu, totalmente perdido, sem saber por
quem ou de que era acusado.
A esta altura o
público desiste de entender o enredo e perde definitivamente as esperanças de ver
as cenas clássicas de um filme policial: nada de crimes, nem cenas de tiroteio
entre bandidos e policiais, sem interrogatório de testemunhas e menos ainda, o
esperado confronto entre defesa e acusação.
Começa o ranger das
poltronas indicando que as pessoas estão inquietas e nervosas. Aos poucos os sussurros
se transformam em brados que expressam a raiva até esse momento contida, no
fundo do cinema alguém grita: isso não é um filme é uma porcaria, quero que
devolvam meu dinheiro, fomos enganados! É..., concordaram os outros espectadores
gritando repetidamente: queremos nosso dinheiro de volta! Isto é um
estelionato! É o conto do vigário!
Pronto! Os
ingredientes para o desastre estavam completos!
Iniciou-se o
quebra-quebra com cadeiras e de todo o que era de madeira. A destruição ameaçou
agravar-se quando os mais exaltados intentaram botar fogo no prédio, que a
duras penas, foi evitado pelo bom senso de algumas pessoas, mesmo assim o local
ficou praticamente no chão e até o projetor quedou imprestável.
Com muito esforço e
com muita persuasão e tempo, o delegado e os poucos policiais da cidade
conseguiram controlar a situação.
O delegado não quis
protelar a investigação, nessa mesma madrugada foi aberto inquérito para
estabelecer as devidas responsabilidades; foram convocados como depoentes
cidadãos conhecidos e presentes na sessão, o proprietário não foi encontrado,
mas pouco depois apareceu seu advogado dizendo representa-lo.
Após ouvir as testemunhas
e à defesa, o delegado concluiu que já tinha todos os elemento e provas para
preparar seu informe e envia-lo ao promotor público da comarca para os
indiciamentos cabíveis.
— Ora! - disse o
delegado para os presentes com um sorriso irónico e mostrando o cartaz de
propaganda - Como podem ver pelo menos tivemos
o final
inesperado, como foi prometido.
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