A gente Brasileira
Luisa Helena Rodrigues Alves
Era setembro. O tempo urgia, mas os rostos aparentavam
cansaço e desânimo.
Muitos partiriam, desistindo do sonho dourado. As mãos
calejadas pelo insistente ofício de escavar eram as mesmas que diriam adeus na
Primavera.
Com o desastre provocado pela
implantação do gaseoduto pela Petrobrás, o produto colhido pelas marisqueiras
ficou prejudicado. Mariscos eram considerados venenosos pelo gosto de gás.
Dona Raimunda, Mundinha para os próximos, estava muito
triste. Como sustentava a casa e os filhos, colhia os mariscos como sua mãe lhe ensinara,
fazia pratos deliciosos e, junto com o marido, vendia num pequeno bar que construíra. Ele se
encarregava da pesca e das bebidas. As filhas mais velhas
ajudavam no cozimento dos pratos e serviam as mesas.
Era uma vida simples, mas feliz.
Moravam numa casinha na praia e não passavam necessidades,
mas agora...
Mundinha pensou bem, empregou-se na casa dos turistas ricos,
fazendo faxina e cozinhando até as coisas melhorarem.
Devota de Nossa Senhora ou Iemanjá, herança da crença
religiosa dos seus bisavós africanos, não perdia a esperança: dias melhores
virão...
Juntou-se com duas três amigas, comadres e vizinhas desde a
infância, e procuraram o advogado local. Entraram com um pedido de indenização,
mas o resultado disso levaria tempo.
A vida segue, pensava ela enquanto trabalhava na casa de Dona
Mirtes. Casa de temporada de burgueses de Salvador, com piscina, móveis caros,
roupas finas e joias raras. Lá tratavam bem Mundinha, mas não era a sua casa,
sua cama, seu fogão a lenha.
Ela esperou um ano e mais um, até que chegou a notícia: a
indenização foi liberada e formariam um núcleo cooperativo com o dinheiro.
Com esse dinheiro foram feitos cursos de aperfeiçoamento dos
pratos e da forma de administrar o restaurante. Mundinha estava feliz e outra
vez cantava pela casa, e acendia velas para agradecer à santa.
O núcleo das mariscadeiras começou desse evento: faziam
farinha, feijoada de marisco, moqueca de baiacu, sardinha frita, caruru, e
todas especiarias que encontramos até
hoje em torno da Baia de Todos os Santos em Salvador.
Nada como preservar nossas origens africanas e indígenas.
Esse pessoal mantém nossa cultura miscigenada e fraterna, compondo a brava
“gente brasileira”.
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