SAMIR
Vera Lambiasi
Samir, brasileiro, 40 anos,
bancário, bem-apessoado, conseguira, afinal, suas inalcançáveis férias.
Decidira, de antemão, ir ao Nepal, e
para tal empreitada, dispensou esposa e filhos.
—
Vocês
não caminham nada, que fiquem em casa. Resmungou, sem contestação.
Sujeito grosseiro, causou certo
alívio na família, partindo solitário.
Seu pai é assim mesmo, explicava
dona Graça aos rebentos, quando cisma de fazer loucuras, não há quem o demova
da ideia de jerico.
Já de folga, abandonou o terno, deixou
a barba por fazer uma semana, e embarcou rumo ao Everest.
Classe turística apertada,
amaldiçoou vinte anos de trabalho e miséria.
Fedido, maltrapilho, na escala em
Doha, foi interpelado por dois oficiais de aeroporto.
Levaram-no à uma sala abafada, onde
Samir tirou da desbotada sacola seu passaporte.
Policiais vasculharam sua minguada
bagagem, xerocaram seus documentos, e fizeram perguntas em um inglês que ele
deveria ter estudado.
Horas passadas com fome, num cubículo
fervente, vagava por indecisões.
Decidiu continuar. Alimentou-se,
tomou um banho, e vestiu roupas limpas.
Bem disposto, olhando-se no espelho,
constatou que a barba o fizera terrorista. E raspou-a.
Em Kathmandu, comprou uma nova
mochila, mais apropriada ao trekking que pretendia fazer. E encontrou o grupo
da expedição. Eram profissionais de escaladas, e Samir sentiu-se envergonhado.
Sua academia de fim de tarde não lhe garantiria o preparo físico necessário.
Suas roupas e botas eram grotescas.
Minha mulher tinha razão, pirei com
esta viagem. Admitia, acabrunhado.
Levado às compras pelos novos
colegas de exercícios, estourou o cartão de crédito.
—
A
Patroa vai me matar! Gargalhava da inexperiência.
Samir foi se tornando humilde diante
do desafio da subida. Respeitava a todos, homens, mulheres e os jovens. Sabia
que poderia precisar deles para sobreviver.
A montanha muito o ensinou, sua
falta de educação não seria perdoada. Colaboração era a palavra de ordem.
Suas pernas aguentaram, foram
ficando firmes durante a caminhada.
Seu coração duro, amaciando, tamanha
belezura da natureza e a amizade dos companheiros. O ar não lhe faltou.
Chegou ao Base Camp inebriado pela
paisagem do Everest. Rezou em Tengboche, meditou no Monkey Temple, e recebeu
uma benção no Mosteiro de Boudhanath.
Para embarcar de volta, caprichou no
visual. Mais uma estocada no cartão quase falido. Calça caqui, mocassins,
blazer escuro, banho e barba. Nunca mais seria confundido com um terrorista.
Ganhou um upgrade. Classe executiva.
—
Not
bad! Arranhava Samir.
Chorou despudoradamente ao abraçar
Graça e os meninos, na chegada.
Rudeza, egoísmo e desleixo, foram deixados
pelo caminho.
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