UM VOO INESQUECÍVEL - Carlos Cedano



Um voo inesquecível
Carlos Cedano

Ricardo estava preocupado, seu voo de Frankfurt para Zurique estava atrasado e temia perder a conexão para São Paulo, chegou em cima da hora.  Respondendo a sua pergunta a funcionaria da companhia o informou que o avião estava totalmente lotado sem chance de trocar de lugar.

Caminhou até a área de embarque onde esperava  descansar um pouco. Estava redondamente enganado. O lugar estava cheio de garotos na flor da idade gritando e rindo sem preocupações.  Sentou no único lugar  disponível junto a uma senhora que, sem delongas,  perguntou-lhe com inconfundível acento baiano:
— O senhor parece ser brasileiro, vai de férias para o Brasil?

         — Sim, vou ao Brasil  de férias, estive  na Europa a serviço, trabalhei intensamente durante quatro messes e agora só penso morgar nos próximos quinze dias numa praia, quero sol e água fresca, acho que mereço.

A senhora concordou com um sorriso. Nesse momento  se iniciava a chamada pra embarcar: primeiro idosos, senhoras grávidas, senhoras com crianças de colo e pessoas com limitações físicas!  Entre as pessoas desse grupo havia um casal que chamou atenção de Ricardo, além dos dois serem idosos também eram obesos mórbidos. Não deve ser bom pra ninguém sentar perto deles, pensou.

Entrou no avião já lotado. Foi caminhando até o fim, sua fileira era a última. À medida que andava ia ficando apavorado. Será?... Era! Seus companheiros de viagem seria o casal de idosos que tinha visto na fila de embarque. Ganhei o número premiado! - Disse pra si com resignação. O casal o recebeu com um sorriso cordial, trocaram breves palavras: tinham ficado dois meses em Zurique conhecendo e visitando os netos.

Nosso viajante, que tinha penado pra arrumar sua mala de bordo no bagageiro, sentou-se e teve outra surpresa, a volumosa senhora “transbordava” para sua poltrona invadindo seu espaço, causando-lhe desconforto. Cutucou-a de leve mais a dona nem se tocou. Cutuco-a novamente  mais energicamente desta vez. A senhora virou-se “Estas poltronas são muito estreitas, não acha?” E desconversou.

O avião decolou e duas horas depois começaram a servir o jantar, porém nesse intervalo o esposo da senhora já tinha ido duas vezes ao banheiro, Ricardo começou a pensar o pior e “ligou uma luz amarela”, acomodou-se pra dormir mais agora era a esposa que pedia licença para ir ao banheiro, com suas últimas gotas de paciência Ricardo esperou que voltasse e após o que se acomodou novamente, desta vez com a esperança de poder dormir, estava realmente esgotado
Ledo engano, o pior ainda estava por vir!

Passados poucos minutos subitamente acenderam-se as luzes e o capitão da aeronave pediu aos passageiros que colocassem seus encostos na posição vertical e abrochassem os cinturões, a nave entraria numa área de turbulência nos próximos minutos, mas confiava que não seria muito forte e não duraria muito tempo, era uma mentira “piedosa”.

O avião começou a balançar fortemente alternando subidas e descidas, parecia um surfista manobrando sobre as ondas de um mar agitado. As crianças começaram a chorar e as aeromoças em desespero, não conseguiam atender às insistentes chamadas dos passageiros.  Malas e objetos começaram a cair tanto na área de serviços de bordo como dos bagageiros o que aumentou o caos já instalado.

O casal de idosos entrou em pânico, queria abandonar seus lugares, a aeromoça pediu para Ricardo não os deixar sair, de jeito nenhum! Sobrou pra mim, hoje não é meu dia! Pensou enquanto a duras penas conseguia segurá-los. Mais  adiante um senhor de media idade gargalhava com clara evidência de bebedeira e tinha uma garrafa de uísque na mão, perto dele uma freira rezava acelerando e aumentando sua voz cada vez mais e dando a impressão de que estava perdendo sua fé. A gritaria era geral e contagiava a todos. 

Lentamente os solavancos diminuíram e os passageiros, no meio de um cenário que evocava um campo de batalha, se acalmavam. As mães consolavam seus filhos dizendo-lhes que o perigo já tinha acabado. Os comissários de bordo iniciaram a limpeza colocando tudo  em seu lugar.

Enquanto isso, nosso herói se recuperava do esforço realizado com a contenção, fechou os olhos e dormiu. Mas, de fato não era seu dia, sentiu a mão pesada da senhora de “sempre” pedindo licença, seu marido precisava ir pra o banheiro.

Nas últimas quatro horas de vigem foram cinco pedidos de licença, três pra o marido e dois pra ela, durante esse período nosso amigo não dormiu, já estava sofrendo de pesadelos cada vez que fechava os olhos.

O avião pousou, o desembarque foi calmo e rápido, nosso sofrido passageiro viu quando o casal de idosos com passos lentos se dirigia ao banheiro.  Ricardo sorriu  sabendo que nunca esqueceria essa viagem.


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