UMA CARTA
M. Luiza de Camargo Malina
Destinatário: Lápis
Remetente: Caneta
Meu amigo, eu quero te contar uma
história.
Era uma vez um estojo cheio de
lápis apontados. Resolveram fazer greve. Acostumados que estavam aos risos, não
queriam mais escrever. O medo havia tomado conta do estojo. As pontas se
quebravam na primeira letra a ser escrita. O papel se assustava. O doutor
apontador cansado de deixá-los com a ponta certa, emperrou e disse:
- Estão de brincadeira comigo. Chega!
A mão não vacilou. Usou a caneta.
As pontas do cilindro de grafita espiavam apavoradas, às escondidas de dentro
do tronco de madeira. Uma delas disse:
- E não é que vai escrever
mesmo! Tomara que a tinta acabe.
Começou assim:
“A cada dia fico mais triste com
o que estão fazendo com minha São Paulo. Passeava vendo o mundo pelo bolso da
camisa do meu “amo”, até óculos escuros
eu usava. Brilhava, era uma vedeta, depois passei a ser vedete. Mas eu era! Nos
dias de rodízio do carro, ia com meu
“amo” de bicicleta, ôps, de “bike”, é
mais chique. O vento era muito gostoso. Ele não me largava para nada. Na sala
de aula os alunos me olhavam e eu os espiava pelo bolso. No escritório eu era
respeitada como meu “amo”, bonita caneta diziam! Agora não saio mais, sequer posso saborear o
deslizar da pena numa folha de papel. Fico engavetada no estojo de veludo. Às
vezes ele me pega e fica me olhando meio tristonho, me rola entre os dedos,
conversando ao telefone. Num destes dias
ouvi uma conversa esquisita, acho que foi a última vez, aí ele me guardou.
Ele não deixou de me amar. Só não
pode me levar a passear e escrever, por cuidado.
Depois de tanto tempo engavetada,
estou em cima da mesa e vejo as crianças brincarem no escritório, fazendo as
lições. Uma delas me encontra. Fica olhando admirada o meu brilho girando entre
os dedos, como meu “amo” fazia e, pergunta a mãe:
- Mamãe! Posso usar isto aqui?
- Um dia filhinha, logo, logo,
você a usará! Ela é uma caneta mágica. Escreve palavras transformadas em poemas
muito especiais. Seu pai a usava para registrar nossos momentos, como o
nascimento, os aniversários de vocês e outras belas lembranças. Um dia vou lhe mostrar tudo isto. Ele
ganhou de seu avô no dia da formatura de Engenharia.
- Mamãe, então eu também preciso
estudar engenharia para ganhar esta Caneta?
Agora sou eu que não consegui
entender mais nada! - diz a caneta.
Um abraço,
Caneta de Ouro, Cross, Irlanda
São Paulo, 27 de janeiro de
1967.
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