Trisca - Vera Lambiasi




Trisca
Vera Lambiasi

Trisca, o super-cão, não era deste mundo.

O seu voo ao pegar o freesbee desafiava a lógica.

Como podia um cachorro adivinhar a curvatura do traçado de um objeto em movimento?

Nunca foi à escola, não estudou física, jamais fez cálculos matemáticos!
De onde vinha tanta sabedoria?

Existe um passado canino onde essas informações são transmitidas geneticamente?

Isso tudo não saía da cabeça de seu humano Gabriel, de 12 anos.

Iria aos sábios, encomendar uns estudos.

Antes disso, inscreveu Trisca no concurso de agility, que aconteceria domingo no parque.

Pegou o regulamento e partiu para o treinamento. Tinha só 6 dias para tanto trabalho.

Chegava do colégio, almoçava, fazia a lição correndo, e seguia com seu fiel amigo para o campinho de futebol, perto de casa.

Trisca tinha uma facilidade gratificante para aprender as tarefas. Argolas, túneis, pontes, tambores, cordas. Fazia tudo com primor e recebia seu esperado biscoito.

Até chegar o grande dia.

Cachorro ensaiadíssimo e seu compenetrado dono seguiram rumo à competição.
O parque estava repleto de outros cães e domadores. O clima não era de festa, mas de disputa. Gabriel sentia-se humilhado diante de tanto profissionalismo.

Disfarçava para que Trisca não se intimidasse. Este corria feliz pelo gramado sem se dar conta do que era tudo aquilo. Um festival de pessoas orgulhosas a procura dos prêmios polpudos dos patrocinadores. Era possível ver todas as marcas de rações para animais nas barracas espalhadas.

E pensar que seu peludo só comia seu arrozinho, com carne moída e cenoura, preparado diariamente pela sua mãe.

Alto-falante anunciava o início das provas, e lá foram os dois enfileirar.

A primeira candidata era uma cadela magnífica, vencedora do ano anterior. Trisca apaixonou-se de cara, e não houve o que o distraísse. Seus olhos, antes ativos, choravam por Penelope. Ele chegou a fazer xixi de tanto amor. Uivava qual um bebê, a cada passagem da amada.

Penelope, altiva, ignorava os admiradores, e seguia os ensinamentos do instrutor. 

Acabou a etapa aplaudidíssima pelo público, rumo ao bicampeonato. E retirou-se.
Trisca seria o quinto a entrar, e já não se aguentava de tanto desconsolo, a procura da cachorra da sua vida.

Para não decepcionar Gabriel fez todo o trajeto com capricho, saltando, abaixando, rolando e até fazendo gracinhas. Mas seu coração não queria brincar, só ansiava por Penelope.

Terminada sua vez, a viu escondida atrás da arquibancada, observando-o. Ela assistiu sua participação, teria feito ainda melhor, se soubesse.

Outras eliminatórias, Trisca e Penelope se paqueravam. Ele já não era o mais infeliz dos cachorros. A esperança brotava de seu coraçãozinho. Deu pra ficar piegas. E romântico. Ofereceu à amada seu melhor biscoito. Que ela aceitou com um gemido.
Etapa final, os dois convocados a disputarem os primeiros lugares.

Um se exibindo ao outro, não havia plateia para os dois apaixonados. Nada viam ou ouviam. Só se esmeravam para agradar, como namorados.

E veio o resultado. Penelope em primeiro e Trisca, em segundo lugar.

Gabriel ainda não sabe, se foram seus esforços em treinamento que fizeram Trisca vice-campeão, ou a paixão ardente de seu cão por uma vencedora.
E agora, o que fazer com tanta comida de pacote?

O casal canino passa bem, e já conta com três filhotes, todos atletas. 

Encontram-se diariamente no campinho de futebol. Depois do colégio de Gabriel, e Mariana. Mas aí já é outra história ...


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