Adeus ano velho, feliz amor
novo!
Suzana da Cunha Lima
Marina da Glória, 31 de
dezembro, 23 horas.
A escuna começou a se mexer
lentamente, ao som da música marinheira:.”qual cisne branco, que em noite de
lua, vai deslizando num mar azul...*
.Ao longe, Niterói, um colar
faiscante de luzes, esforçando-se para
aparecer. Não é fácil ser irmã do Rio de Janeiro, a joia mais bela de
nossa costa.
No céu, a lua cheia, que havia
se preparado tão cuidadosamente para enfeitar a noite do dia 31, tentava
espantar as nuvens que ameaçavam chuva e iriam estragar o espetáculo do Ano
Novo, ansiosamente aguardado pelo povo apinhado na praia. A lua venceu e ao
costearmos a praia do Flamengo, já brilhava gloriosa rodeada de estrelas,
derramada num mar de almirante.
Toda a orla da baia de
Guanabara estava enfeitada com mil luzes e mil cores. A escuna deu a volta no
Morro da Viúva e passamos para a praia de Botafogo, a brisa leve arrepiando
meus cabelos. Milhares de luzinhas brilhavam no bairro da Urca e nas encostas
dos morros.
Subitamente vi-me mocinha, num
passeio igual, enfrentando os vagalhões da Fortaleza da Laje, só para tomar
banho em Piratininga, a primeira praia
fora da Barra, em terra fluminense. Não
queria aparentar medo para o namorado recente que pilotava com orgulho sua
modesta lancha, mas estava completamente apavorada.
Depois desse, foram muitos e
muitos passeios pela baia de Guanabara, com algumas incursões em mar aberto,
até a ilha de Cutunduba, ilhota sinistra, de vegetação rala e pedras ásperas,
sempre espancada por um mar enfezado, batido como claras em neve..Fui perdendo
o medo, mas confesso que ainda ficou um restinho dele, principalmente à
proximidade de ondas grandes.
E agora eu estava lá, outra vez. Mulher feita, com novo companheiro, seguindo
aquela rota tão conhecida, tantos anos depois.
A escuna saiu para mar aberto,
contornou o Morro da Urca, quase roçando o Pão de Açúcar. E, finalmente, ela
surgiu, Copacabana!
Tão falada, cantada em prosa e
em verso, talvez a praia mais conhecida do mundo.
O DJ, para entrar no “clima”,
tocou Copacabana, imortalizada por Dick Farney:
Existem praias tão lindas,
cheias de luz
Nenhuma tem o encanto que tu
possuis
Tuas areias, teu céu tão lindo
Tuas sereias sempre sorrindo
Copacabana, princesinha do mar
Pelas manhãs tu és a vida a
cantar
E a tardinha ao sol poente
Deixa sempre uma saudade na
gente
Copacabana, o mar eterno
cantor
Ao te beijar ficou perdido de
amor
E hoje vive a murmurar:
"Só a ti, Copacabana, eu
hei de amar"
.
Copacabana, ali estava, com
toda pompa e circunstância! Cintilante,
com sua melhor roupagem e suas joias mais preciosas, sabendo-se bela e única!
De onde estávamos dava para ver uma multidão de gente vestida de branco na
praia; parecia um monte de pipocas
jogadas na areia. As balsas dos fogos
estavam bem à nossa frente.
Muitas embarcações, grandes e
pequenas, transatlânticos e escunas, iates, barcos de pescadores e pequenas
lanchas ali esperavam os fogos, Iluminadas e festivas, a velha esperança de
início de ano, tão acesa como suas luzes.
Nossa escuna procurou um lugar
e fundeou. Eu estava muda de emoção, nunca tinha visto os fogos do mar. Até a
passagem pela orla tinha sido muito emocionante. De noite, as coisas se vestem
de mistério e de magia. Nada melhor para incrementar um novo amor. Senti meu
parceiro me beijar a nuca e despentear meus cabelos e, subitamente, nosso Dj, muito inspirado,
começou a tocar Assim falou Zaratustra,
uma música maravilhosa e impactante. Faltavam poucos minutos para a meia-noite.
Logo depois,com uma voz
possante, ele iniciou a contagem regressiva e nós todos da escuna, começamos a
contar juntos, de olho no relógio:
Dez, nove, oito.... eu prometia, pedia e
agradecia – ele não parava de dizer eu te amo, eu te amo. Sete, seis, cinco...
ficamos em pé e começamos a jogar flores na água.. Quatro, três, dois e um...
Zero!!!
Foi um estrondo o início do
espoucar dos fogos. Voltei-me para meu companheiro e nos abraçamos e nos
beijamos, explodindo amor por todos os lados.
Intimamente agradeci a Deus ter-me permitido viver este momento,
exorcizando outros, nem tão felizes. Viver o nascer de um novo ano e de um novo
amor, no meio do mar, iluminados por aqueles fogos estonteantes e tomando
Prosecco, é mais do que um privilégio, é uma graça divina.
E de repente nos deu uma
Epifania. Nós nos olhamos e tanto eu quanto ele pensamos a mesma coisa: Sem precisar
dizer nada um para o outro, tiramos os sapatos, eu o vestido (ainda bem que eu
estava de biquíni) e ele a camisa e nos atiramos no mar. Águas tépidas e
mansas, o luar brigando com os fogos, cada um querendo aparecer mais do que o
outro e nós dois ali, abraçados, o coração batendo como louco. Que momento
surreal!
Estávamos tão enlevados que
quase não ouvimos os gritos do marinheiro nos chamando para voltar. Por pouco
não ficamos ali mesmo. Quando subimos à escuna, sinceramente, pensei que ia
morrer de tanta felicidade. O marinheiro
já estava com toalhas na mão, a copeira com duas taças de Proseco e nossos
companheiros de passeio batiam palmas e cantavam:
Adeus Ano Velho
Feliz Ano Novo
Que tudo se realize no ano que
já nasceu
Muito dinheiro no bolso, saúde
para dar e vender...
Para os solteiros, sorte no amor
nenhuma esperança perdida
Para os casados, nenhuma briga
Só paz e sossego na vida
E viemos a viagem de volta na
maior farra com o pessoal do barco, todos querendo conhecer nossa história.
Fizemos trenzinho na pequena pista de dança da escuna, dançamos, rimos e nos
divertimos muito. Foi fantástico,
inesquecível, porém o momento em que nos olhamos, sem dizer nada para entrar no mar, me deu certeza que eu
tinha agora um parceiro para toda a vida. Um cúmplice que estaria sempre a meu
lado, validando todas minhas loucuras.
*********************
Músicas Citadas
O Cisne Branco
Autores; 1º Sargento do
Exército: Antonio Manoel dos Santos
2º Tenente : Benedito Xavier de
Macedo
Copacabana:
De: João de Barro e Alberto
Ribeiro
Assim falou Zaratustra
De Richard Strauss
Música tema do filme “Uma
Odisséia no Espaço” de Stanley Rubrick
Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo
De Francisco Alves e David
Nasser
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