O sonho de Helga
Lúcia Amaral de Oliveira Ribeiro
Naquele verão, o mais quente dos últimos 70 anos – Helga não
tinha 70 anos – o barulho do ar condicionado se sobrepunha ao som de cuíca do
seu celular, que tocou no andar de baixo, mas Helga não escutou. O quarto
estava tão fresquinho, e o ruído era como o som de ondas do mar, no seu sonho,
distante, com Hermann. O casamento fora planejado por seus pais, que
chegaram ao Brasil depois da guerra. Helga de tranças, loira, não tinha 16 anos
quando se casou! E o casamento foi lindo. Poucos na igreja. Poucos parentes,
poucos amigos. Duas famílias pequenas de imigrantes, sem muitas relações no
Brasil. O casamento não durou muito. Não durou muitas horas. Hermann
tropeçou no degrau do altar logo depois da benção do padre. Da igreja, foi
direto para o hospital, onde morreu duas horas depois. Traumatismo craniano.
Helga, viúva aos 16 anos, foi morar na casa dos pais de Hermann, conforme
acertado entre as famílias, a casa onde hoje dormia enrolada no edredom,
sonhando com Hermann gentil, amoroso, o marido que só conheceu em sonho.
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