MADAME SULAMITA SEDUTORA E NEGOCISTA - Mário Tibiriçá.


MADAME SULAMITA SEDUTORA E NEGOCISTA
Mário Tibiriçá.


Madame Sulamita uma esperta espanhola de quarenta e oito anos, bonita, elegante, fina e educada, resolveu  mudar-se para o Brasil, visando      resolver seu  futuro, ganhar dinheiro e uma tranquila  velhice.

Fixou-se na cidade do Rio de  Janeiro, sabido polo turístico e comercial onde certamente teria campo para suas atividades,  e utilização  de  poderes e  habilidades insuspeitadas.

Dizia-se  dotada de poderes extraordinários, podia ler mãos, dizer o futuro das pessoas e influencia-las a contar segredos e verdades, passado e futuro.

Insistia para  conhecer medos e incertezas, processos perigosos, tramas políticas e até eventualmente mortes misteriosas.

Encantados por  uma amistosa recepção, clientes de todos os naipes, começaram a frequentar  seu teto e contavam, aventuras, amores secretos, traições de todas as formas, golpes de riqueza e pobreza.

A sociedade  carioca, já fazia comentários sobre o apartamento da espanhola,  ela também objeto de inveja e  preocupação, face  sua participação  no dia a dia da cidade, negócios, comercio e indústria.

Resolvida a ganhar mais dinheiro, além do que já fazia e das receitas obtidas  com os clientes, Sulamita resolveu tratar de explorar amores, acordos, invejas, negócios e coisas do gênero.

O dedo de madame, começou a aparecer em processos civis, políticos, entre autoridades, onde  fortunas eram ganhas e perdidas da noite para o dia.

Uma de suas  visitas, o desembargador  Justino Silva Gouveia, ilustre membro do judiciário, aproveitou a oportunidade para informar-lhe que  havia muitas queixas contra ela, que  havia falado demais, e interferido em negócios que não lhe diziam respeito. Sublinhou mesmo, tratar-se do  assunto  do sindicato dos transportadores.

Logística e transporte estavam ameaçados pela madame, o sindicato  de transportadores  era gente perigosa, e convinha ela afastar-se.
Constrangida e preocupada pelo aviso do desembargador, Sulamita afastou-se  do  negócio, porem um  seu telefonema foi gravado, onde além de falar demais, alertou autoridades sobre o assunto.

Com hora marcada  um cliente, apresentou-se como Dr Marcio Cabrera advogado de partes interessadas no negocio do trigo, Sulamita recebeu-o com as mesuras habituais e preparou-se para ouvir a situação e andamento do negócio, O  Dr. Marcio  do outro lado da mesa,  bebeu um gole  do excelente uísque servido por ela, e tomando de uma pistola P-40, com silenciador,  disparou dois certeiros  tiros em madame que ferida de morte rolou pelo chão.

Procurando documentos diversos no apartamento, como registros de visitas, eventuais provas de sua participação o meliante  limpou todo o local de maneira a não deixar quaisquer  resquícios de sua  visita.

Mais de  trinta  horas depois, a  faxineira que lá trabalhava, horrorizada telefonava para  a policia.

O inspetor Quintino que  assumiu o caso, inquiriu pessoas, examinou  todo o apartamento e completou o caso, como assalto seguido de morte.

A esperteza da madame  boquirrota e intrometida  em negócios de terceiros e sabedora  do passado e futuro, não contribuiu para adivinhar o seu próprio.








MEU PRIMEIRO RAY -BAN - Maria Luiza C. Malina


MEU PRIMEIRO RAY -BAN
Maria Luiza C. Malina


Lá está ela toda festiva exibindo seu primeiro Ray-Ban aos 7 anos, mas sem usar.
Certa vez, ela pede: - Me Conte uma história!

- Sim. Vou contar. “O SOL QUE ENGOLIA AS CORES”

Era uma vez uma cidade muito verde. Um dia o sol ficou forte, muito forte. As pessoas precisavam usar óculos escuros para sair de casa. As crianças só brincavam dentro de casa.

O sol engolia as cores das casas, das roupas, das plantas, tudo desbotava. Até a cor do céu sumiu. O céu ficou triste no escuro.

Lá bem perto, morava uma menina de olhos azuis, da cor do céu, que não usava os óculos.

O sol sabia disto. Espiava na janela da casa para roubar o azul dos olhinhos e devolver o azul para o céu.

Um dia a mamãe abriu a porta para sair. O sol entrou rápido procurando a menina de olhos azuis. Ela se escondeu embaixo da cama. A porta da casa se fechou, o sol foi embora e ela foi correndo procurar os seus óculos escuros.

Colocou-os  e viu que não era tão ruim. Podia sair ver os bichinhos e os amiguinhos sem se preocupar que o sol pudesse engolir a cor dos seus olhos.


 Lá esta a mamãe. Feliz da vida, vendo a filhinha desfilar seu primeiro Ray-ban, na piscina.

A MALDOSA MADAME FOSTER - Oswaldo Romano








A MALDOSA MADAME FOSTER
Oswaldo Romano                                                                                 

            Quando Mr. Craic criou a história da Mansão Foster Para Amigos Imaginários, imaginava tudo, só não se deu conta do sucesso que faria seu trabalho.

            Bloo, criado pelo amigo Mac, gostaria muito de ter um amigo imaginário, no que é impedido pela sua mãe. Bloo tinha apenas 8 anos e a mãe achava que Mac tinha passado da idade para ter um amigo imaginário. Assim, impossibilitado para ter seu próprio amigo, tem conhecimento de uma mansão, que abriga amigos imaginários antes abandonados. 

            Decidido, leva Mac para conhecer a propriedade de Madame Foster uma mulher de índole duvidosa. Na mansão eles conhecem Minguado, Eduardo e Coco. São informados de que Bloo pode ser adotado se ali ficar.

            Mac deixa Bloo na mansão, depois de muita confusão com Terrivel e a amiga Duquesa. A Madame Foster aceita Bloo contanto que Mac visite-o todos os dias.

            Nasceu para Mr. Craic, o pai desta comentada história, e para sua esposa Lauren, esta ideia maluca, baseada no fato de ter dado abrigo a dois cachorros perdidos.

            Como as crianças até 7-8 anos alimentam amigos imaginados, é fácil compreender a quantia de mais de mil ocupantes da casa da Madame Foster.

            Depois dessa inocente idade nascem centenas de dúvidas entre eles, uns convictos  ser a verdade, enquanto outros demonstrando sabedorias querem convencê-los da mentira. Enquanto isso Madame Foster prossegue desfrutando da amizade do Mr.Herrimen, o Coelho, não desprezando suas mirabolantes ideias. Enquanto houver crianças inocentes, a maldosa Madame Foster vai continuar sua coleção.


“A imaginação levada a sério, pode se transformar numa realidade”

O sonho de Helga - Lúcia Amaral de Oliveira Ribeiro


O sonho de Helga
Lúcia Amaral de Oliveira Ribeiro


Naquele verão, o mais quente dos últimos 70 anos – Helga não tinha 70 anos – o barulho do ar condicionado se sobrepunha ao som de cuíca do seu celular, que tocou no andar de baixo, mas Helga não escutou. O quarto estava tão fresquinho com o ar condicionado. E o barulho era como o som de ondas do mar, no seu sonho, distante, com Hermann. O casamento foi planejado por seus pais, que chegaram ao Brasil depois da guerra. Helga de tranças, loira, não tinha 16 anos quando se casou! E o casamento foi lindo. Poucos na igreja. Poucos parentes, poucos amigos. Duas famílias pequenas de imigrantes, sem muitas relações no Brasil. 

O casamento não durou muito. Não durou muitas horas. Hermann tropeçou no degrau do altar logo depois da benção do padre. Da igreja, foi direto para o hospital, onde morreu duas horas depois. Traumatismo craniano. Helga, viúva aos 16 anos, foi morar na casa dos pais de Hermann, conforme acertado entre as famílias, a casa onde hoje dormia enrolada no edredom, sonhando com Hermann gentil, amoroso, o marido que só conheceu em sonho.

POBRE ESCRITOR APAIXONADO - Oswaldo Romano

 

POBRE ESCRITOR APAIXONADO
Oswaldo Romano        
                                                                                     
                                                                      
        Quando a Siderúrgica Monte Belo teve que enxugar a folha dos seus funcionários, eu estava entre os 500 demitidos.

        Nosso chefe se recusava a declarar o motivo, mas Dra. Dina, advogada de prestígio a serviço da companhia sinalizava para seus causídicos o motivo do corte. Consequência de uma medida política da Presidência  que os Senadores acataram prontamente.

        Sentimos uma traição, recordando de quando votamos na última eleição.
        Desempregado, fui gastando as poucas economias, quase nada sobrando dos ganhos dos meus cinco anos de trabalho.

        Completo 28 anos no dia 26 de julho, ainda solteiro. Estou cansado de procurar emprego. Mandei dezenas de currículos com fortes argumentos. Nada.

        Redigindo estes currículos percebi que escrevia razoavelmente bem, embora com estranha emoção. Poderia escrever, ficaria autônomo! Isso mesmo! Vou escrever um romance, por a venda, fazer minha independência!

        Criando meus personagens:

        Tinha um casal fazendeiro, ele Sebastião Prado casado com Mariquinha Ferraz. Dono de uma razoável herança ganhou também uma pequena fazenda. Com seu trabalho e capacidade de empreendedor,  fez uma fortuna.

        Transformou a cultura de frutas, adquiriu vizinhanças, modernizou-se. Comprou máquinas  transformou numa grande e invejável fazenda de café. Tinha perto de 100 mil pés, em plena produção.

        Pais de filha única, Carlota, agora com seus vinte anos, uma flor. Recebeu educação para no momento oportuno assumir o patrimônio do pai.  Já é uma mulher formada e que ganha um trato a altura do seu modo especial de vida.

        Foi nesse ponto que dei vazão aos meus sentimentos por ela. Os escondia há muito tempo. Aguardo que um dia me procure. Sinto que vai me procurar, mesmo que seja simplesmente para saber meu nome. Coisa que nunca perguntou.
        Ela não é só rica. Tem beleza interna, externa é a principal flor naquele imenso jardim.

        Tão linda e doce, sorri facilmente, inebria quem a vê. Nessa hora não me contenho, meu ciúmes é doentio, minha emoção chora.

        Tenho ficado cada vez mais pobre. Mas nunca me senti tão rico, tão realizado, quase completo. Embora eu chore vendo-a se distanciar, o amor que tenho por ela me fortalece, me enche de energia.


        Vou esperar. Enquanto isso levanto as mãos para o céu e imploro:
— Oh Pigmalião, ensina-me ganhar a confiança de Afrodite.  Preciso da sua ajuda.  
 (História: Pigmalião, escultor, poeta Romano, se apaixonou pela própria estatua que esculpira. A deusa Afrodite, atendendo seu angustiante pedido, a transformou em carne e osso com quem Pigmaleão se casou)


Paulinho Bond Boka - Fernando Braga




Paulinho Bond Boka
Fernando Braga

Engraçado, mulherengo, professor de lutas marciais.

Paulinho, hoje com 42 anos, é professor de lutas marciais, com uma academia  na Consolação, ensinando  judô, karatê, jiu-jitsu e ai ki do.  Sua academia tem o nome de Paulinho Bond Boka, faz sucesso, estando sempre lotada de alunos de ambos os sexos. Mantém este apelido desde o início de sua carreira porque era muito engraçado, fazia muita gozação, embora dentro dos limites, simpático e muito namorador. Não podia ver rabo de saia que ia, com todo seu papo e conversa fina, conseguindo sempre seu objetivo. Atingira a faixa preta, terceiro Dan quando fundou sua academia.

Conheci Paulinho há  cerca de 25 anos, quando entramos juntos no judô da academia Ono. Nosso professor, Catalano,  mais baixo e forte, faixa preta, vários dans, desde que conheceu Paulinho,observou  quando o treinava, que era especial,  era alto, forte, difícil de ser derrubado, maciço, que aprendia a técnica rapidamente.

Tínhamos  aulas duas vezes por semana e após alguns meses, Paulinho, era o melhor de todos. Saiamos nos fins de semana e Paulinho se  sobressaia,  por ser divertido, alegre, espirituoso, um líder e ainda por conquistar facilmente as mulheres, por sua simpatia e conversa afiada. No grupo fazia parte muitas mulheres, conquistadas por ele. É desta época o seu apelido, que assumiu e gostou. Um dia, o professor Catalano, nos reuniu e disse que haveria uma competição de judô no próximo domingo no estádio do Pacaembu, às 7 horas, em que participariam várias academias. Escolheu os três melhores do grupo e certamente lá estava Paulinho. Ele ficou muito excitado, contente, convocando toda sua família, pais, tios, primos e mulheres que conhecia,  exigindo que  todos estivessem no estádio, naquela hora marcada. 

Todos presentes para torcerem para Paulinho Bond Boka. 

Dizia que iria fazer uma grande demonstração de técnica de judô.

No inicio da festividade, os atletas desfilaram para a multidão, em duas filas, um ao lado do outro,  os adversários com as mesmas categorias. O parceiro de Paulinho era mais baixo, menos musculosos e era vesgo.

Paulinho achou que aquele adversário seria facilmente derrotado, o que comunicou a seu irmão que estava junto à cerca. As lutas começaram pelos primeiros da fila e após 5 disputas, chegou a vez de Paulinho. Muito confiante, pediu que o noticiassem pelo apelido. Colocou-se na frente do vesgo, também faixa marrom, ajeitaram os quimonos, amarraram bem as faixas na cintura, cumprimentaram-se respeitosamente e o juiz fez o sinal para a luta começar. 

Ambos se esforçavam para um pegar na aba do quimono do outro. O vesgo, mais baixo, era muito esperto e Paulinho não conseguia prende-lo. Após uns 2 minutos, Paulinho avançou com todo seu corpo sobre o adversário, ocasião em que o vesgo se abaixou pegou em suas pernas e o lançou de costas no chão. A luta havia terminado e Paulinho não sabia o que acontecera, pois nunca esperava este golpe, válido, mas muito  incomum. Realmente  não esperava este golpe baixo ,para  ele ilegal, pois nunca o havia utilizado. Foi eliminado de início, pelo vesgo. Recebeu algumas  gozações,  mas, recuperou-se em outras disputas .Esta foi uma grande lição,na carreira de Paulinho ,hoje dono de uma famosa academia, para ambos os sexos. 

Sempre comenta com seus alunos este acontecimento, que o marcou muito, sempre chamando a atenção para nunca desprezar o adversário!!!

Paulinho Bond Boka  é hoje um dos mais conceituados professores de arte marciais. Esta casado com uma bela mulher, tem dois filhos, continua muito engraçado, espirituoso, grande amigo, mas, ainda mulherengo. 

Parabéns,  Paulinho pelas  suas conquistas, mas cuidado para não subestimar os adversários, principalmente sua mulher!!!


MEU NAVIO NEGREIRO - M.luiza de C.Malina



MEU NAVIO NEGREIRO
M.luiza de C.Malina

A Negra do navio negreiro, bela e escultural entre os guerreiros,
Afoga a dor do espanto do banzo entre os bantos.

Confiante seu medo esconde, entre as longas saias de fartas ancas, entre tantas.
Grossas coxas perfeitas modelam as folhas do fumo, entre cubanos e bahianos, os mais caros, oferecidos serão, aos senhores coronéis do engenho os levarem à boca e se deliciarem no vagar, com o sabor e o olor no mais escuro de seus pensamentos, das mãos morenas em movimento, alisando a folha sobre a morenez da coxa com seu calor de mulher e do balanço do andar, acostumado ao balanço do mar.

Da proa que cortava os mares no quebrar das ondas, misturadas ao murmúrio dos bantos, restou a lembrança do gralhar alegre das gaivotas sobrevoando o país das maravilhas.


O destino das marés a leva ao Bataklan. A fumaça defuma, a seda das vestes da morena na mistura do perfume e da boa bebida. Coronéis de ternos brancos, da cor branco dos olhos e dos dentes que se sobressaem na escuridão, levam a paixão da morena de pés descalços e piteira na boca, ao seu colo, com promessas vagas que mais se parecem às vagas de um oceano sem fim, misturadas às lágrimas de um amor proibido.

Peter Pan – o menino que acabou crescendo - Suzana da Cunha Lima



Peter Pan – o menino que acabou crescendo
Suzana da Cunha Lima

Peter Pan já estava cansado de tantas brincadeiras repetitivas e de viver tentando escapar do Capitão Gancho.  Agora, esta vidinha que, no início se apresentava tão alegre e aventurosa, já tinha perdido a graça.

Wendy, sua “eterna” namorada, já não era tão criança que gostasse de participar daqueles brinquedos.  Já estava botando peito, se tornando mocinha e não apreciava mais as loucuras aladas, pois dizia que aquele vento todo lhe desmanchava os cabelos.

Não se sabe se foi através dos contatos de Peter Pan com o mundo real, em suas visitas a Wendy, o certo é que seu mundo da fantasia foi-se desfazendo.

Começou a reparar nas visitas de um primo da Wendy, todo meloso para o lado dela, levando flores, bombons, estas coisinhas que ele percebeu que mulher gosta. E ele gastando energia,  tentando administrar os ciúmes da Fada Sininho,  as investidas do crocodilo e as brigas dos meninos da Terra do Nunca. Nada daquilo tinha mais graça para ele.  Também já estava ficando com pelo, tinha crescido bastante e outros desejos lhe vinham à mente.

Então Peter Pan tomou uma resolução.  Vou deixar para sempre a Terra do Nunca! Vou voltar ao mundo real com tudo, sem arrependimentos nem remorsos! Adeus Capitão Gancho, que o crocodilo acabe lhe comendo todinho para não ficar mais assustando meninos desavisados.

Os meninos da Terra do Nunca lhe acompanharam e foram todos aterrissar na granja dos pais de Wendy, que os apresentou como possíveis trabalhadores.

O notável é que tanto ele quanto os garotos cresceram imediatamente, até chegar à idade que teriam se não tivessem perambulado pela Terra do Nunca. Eram agora guapos rapazes, com todos os ardores desta idade. E inevitavelmente começaram a reparar e se interessar pelas mocinhas do lugar.  Ah, tiveram que conhecer limites e se conterem diante de tantos botões em flor, que não estavam ainda prontos para serem colhidos, conforme verificaram depois de dura aprendizagem.

E Peter Pan? Ah, ele não se casou com Wendy não.  Ela tinha se tornado uma moça bonita, porém cheia de frescuras para um rapaz descolado como Peter Pan.
Mas sempre aparece uma prima em qualquer história e uma priminha de Wendy surgiu por lá, assim como quem não quer nada e logo fisgou o menino que não queria crescer.

- Eta vida besta que a gente levava a na Terra do Nunca, não é rapazes? - comentava Peter Pan com os outros meninos, bebendo cerveja no bar, enquanto espiavam o jogo de futebol.


- Tem coisa melhor do que beijo na boca?

O RETRATO - M.Luiza de C.Malina




O RETRATO                                                                                                           
M.Luiza de C.Malina

Diana, a deusa da caça, na sua invulgar seminudez, ornamenta a sala de estar. 

O retrato do tataravô, rodeado de dezenas de cabeças de cervos e galhadas, exibem as caçadas nas montanhas fumegantes, onde um caçador se depara com a presença do outro em que quase se disparam os tiros cara a cara.

 Como um rei, ostenta no olhar um silêncio hipnótico a observar as gerações que surgem em meio às neblinas, testemunhando a ausência masculina, com instinto de posse.
A viúva acolhe em seus braços a recém-nascida neta, cujo pai esquiva-se nos morros em eterna fuga. A resposta sempre é a mesma entre os conflitos das perguntas “seu pai morreu numa caçada”. Anos à frente mais uma menina e assim se sucede até a quinta geração onde a figura já gasta do tataravô presencia a geração de mulheres de onde viria mais uma mulher.


Esta sucessão, sem explicação, intriga os pensamentos do mouro, no dia em que pede a mão de Anarosa.  Impossível, ele é apenas uma aparência presa, num tempo empoeirado a perseguir as mulheres. Quem teria gerado estes rostos tão parecidos? Pronto a descobrir o mistério, o mouro tropeça e rola escada abaixo aquietando o espírito das montanhas fumantes.

O COELHO - M.luiza de C.Malina



O COELHO
M.luiza de C.Malina

Esta chegando a época imemorável do colorido de ovos, em que se contam história de “Ovos de Páscoa” e, eu enfeitando a distração da imaginação dos adultos e das crianças na alegria da tentação de me levarem para suas casas.

Ora bolas! Eu não boto ovos. Eu só alegro o dia. Escondo os ovos cozidos da galinha, pintados, para as crianças procurarem, no jardim ou dentro de casa.  Dizem que, para ser bonita e saudável, deve-se lavar o rosto na água em que foram cozidos.
Outros fabricam ovos de madeira para ter sorte e saúde. Hum... Os ovos de chocolate são os melhores.

O mais famoso, é o ovo Fabergé, fabricado na Rússia. Conta-se que o czar Alexandre III queria dar um presente especial a sua esposa. Designou um joalheiro para fazê-lo. Este criou uma joia. Um pequeno ovo de 6 cm, em metal branco. O ovo se abria e, dentro havia uma gema de ouro que, ao abri-la aparecia uma galinha com um ovo de rubi, que estava envolto por uma réplica de diamante da coroa imperial. A imperatriz o recebeu dentro de uma pequena cesta, na Páscoa do ano de 1885. O nome do joalheiro era Peter Carl Fabergé. Foram fabricados 56 ovos imperiais, com diversos temas.

Na verdade, a fantasia criativa está dentro de cada um de nós, para festejar a tradição da Páscoa os costumes e os sentimentos da alma, respeitando as diversas manifestações culturais.

Boa Páscoa. Coelho não bota ovo. Ele esconde os ovos que a galinha botou, para levá-los a sua toca. Corra e encontre o seu ovo!






REFORMA AGRÁRIA - Mario Tibiriçá



REFORMA  AGRÁRIA
Mario Tibiriçá

Tonho do Jegue  preto, era muito conhecido na vila próxima de seus alqueires de terra, que  mantinha cultivados, e tinha tal apelido porque ele mesmo era de  cor,  fazendo  par  permanentemente com seu jegue.  Homem forte trabalhava na sua chácara  de sol á sol, bem humorado, tranquilo, porem, que não o provocassem pois teriam resposta imediata

Sua  lavoura há mais de dez anos, mantinha o sustento da casa e de sua  família.

Recostado á sombra de uma  arvore, degustando seu cigarro de palha Tonho ouve barulhos de caminhões se aproximando pela estrada, e verifica muitas pessoas nas carrocerias, gritando e fazendo  barulho.

Um dos caminhões  parou á sua porta e um mal encarado homem  gordo com  cara de maus  bofes se aproximou.

— Boa tarde, meu nome é Jeronimo de Souza, sou o responsável  por estes homens.

—  O senhor é o dono  dessa  chácara ?

—  Sim, há quase dez anos, comprei a terra, oito alqueires e moro aqui.

—  Quero comunicar  ao senhor, que devidamente autorizados  pelo  ministério da agricultura e pelo próprio Presidente, viemos tomar posse dos alqueires não cultivados, pois faltam terras para estes homens trabalharem.

— Um momento disse Tonho, isso  não é assim, comprei e paguei por estas terras, vão para outro lugar, não posso aceitar essa indevida  invasão na minha propriedade, mesmo com alguns alqueires ainda não cultivados.

— Mas o fato é que os homens estão aqui e vamos tomar posse dessa terra, disse o gordo.

— Aqui não entra ninguém  disse Tonho, não interessa quem autorizou, comprei, paguei e estou aqui há mais de dez anos vá embora e leve seus homens.

— Eu vou disse o Gordo, mas falarei com o delegado e mostrarei meus papeis e minhas autorizações.

— Vá  falar com quem quiser, aqui não entra ninguém.

O homem entrou no caminhão e se foi.

Tonho, foi para casa, preocupado, mas resolveu não dizer nada para a mulher, imaginando que no dia seguinte resolveria tudo com o Delegado seu conhecido.

Preocupado ainda Tonho achou por bem  limpar e   engraxar sua escopeta, que sempre o  acompanhou.

Dia seguinte, logo cedo Tonho postou-se na porteira, de escopeta em punho aguardando qualquer problema.

Uma  hora mais tarde, ouviu homens se aproximando aos gritos “ Queremos trabalhar”, também temos direitos, queremos  viver.

Á frente um baixinho açodado abriu a porteira para os demais e Tonho gritou: “Quem passar vai  morrer “.

Atrás da tropa alguém atirou e  a bala acertou a perna de  Tonho.

O grupo avançou, e outro tiro acertou  Tonho  na cabeça e o fez rolar ao chão.


A massa popular desordenada entrou pelo sítio á dentro procurando e escolhendo o  melhor pedaço de terra para trabalhar, na pseudo reforma agrária.

Amor açucarado - José Vicente J. de Camargo




Amor Açucarado
José Vicente Jardim de Camargo



- Mamãe, o que é o amor?

  Pergunta Gabriela, que todos chamam de Gabi, muito esperta para os seus cinco anos e já no último ano do jardim da infância.

- É uma coisa que você sente no peito, responde a mãe. Igual àquela quando você tem vontade de tomar um sorvete de chocolate na casquinha, que você mais gosta. Só que essa vontade é por uma pessoa; pela sua mãe, pelo seu pai, pelo seu irmão, pelo vô João,pela vó Anita. Pode ser também pela Lulu sua cachorrinha ou pela pretinha sua boneca que você mais gosta de brincar.

Quando você sente amor, você gosta de dar beijinhos e quanto mais beijinhos você dá, mais amor você sente.

- Olha, vou lhe contar uma historinha de amor - continua a mãe,  revirando as pressas as fantasias da mente pega de surpresa.

- Na nossa mesa de almoço temos varias frutas e legumes. Faz de conta que este moranquinho é a Alice e esta com as outras frutas que são as meninas. E este chuchu é o Pedrinho que está com os outros legumes que são os meninos. A mesa é a escola.

Na hora do recreio, todos vão para o pátio comer o lanche e depois brincar de esconde-esconde. É a vez do Batatinha fechar os olhos e contar até dez bem devagarzinho e depois procurar onde os outros se esconderam. O primeiro a ser descoberto perde o   jogo.

Alice não está encontrando um lugar para se esconder e Pedrinho, que está escondido embaixo do guardanapo, a chama:

- Vem Alice, aqui tem lugar. Ela vai e acha o lugar bem bacana.

- Obrigado Pedrinho, o Batatinha vai demorar para nos encontrar aqui. Olhando para ele sente aquela vontade de tomar um sorvete de chocolate e lhe dá um beijinho na bochecha bem gordinha.

- Oba - diz Pedrinho com um sorriso bem grande - Quero outro e mais outro...

- Puxa - pensa Alice - nunca tive tanta vontade de tomar sorvete de chocolate e lhe dá vários beijinhos.

Ai ouvem a voz do Batatinha gritando:

- Peguei, peguei, a uva atrás do prato.

Alice e Pedrinho saem correndo do esconderijo para bater o pique, e são salvos.
Então Gabi! A Alice sentiu um amor pelo Pedrinho, diz a mãe tentando perceber alguma reação no olhar da filha.

- Entendi mãe, então esse é o que se chama de um amor bem açucarado...

Com essa resposta, a mãe, aliviada, se dá por satisfeita na certeza de que a pergunta inicial foi bem explicada e compreendida...

O VIZINHO - M. Luiza de C. Malina



O VIZINHO
M. Luiza de C. Malina

No prédio de três andares, todos se conhecem, ou já se viram algum dia. Meu vizinho abaixo do meu, é assim, aquele tipo latino de Antonio Banderas. Mudou-se há dois anos, vindo da Califórnia. Alto e falante, como a maioria dos americanos sedutores.  Sem problemas para novos entendimentos, uma vez que fala vários idiomas e com um sorriso encantador.

Eu não sei o porquê, mas ele nem me percebe. Vivo a suspirar, com o lendário copo apertado na orelha a ouvir as conversas pelo chão. Ridícula, penso. Quando silencia ouço seu respirar. Tenho sorte, ele esta abaixo de mim, sua cama deve estar na mesma posição da minha, durmo embalada neste doce sonho de abraçá-lo. O despertador me acorda num susto de cair da cama, acho que o acordei, também.

A boca de sua caixa postal vomita correspondência. Deve ser por conta de seu carisma. Arrisco pegar uma correspondência para ler seu nome. Ele surge do nada apressado. Olha-me profundamente, levando minhas pernas a cambalear. Ele me percebe. Com um sorriso de “eu não vi nada” cumprimenta com um “hello” e se distancia. E eu sento na escada para respirar o seu ar.


Um amor de condutora - Vera Lambiasi



Um amor de condutora
Vera Lambiasi

Alexandre, pobre gajo português, professor na escola de condução de Portimão, teria, naquela tarde, uma guria como aluna.

Preparou a carocha, e partiu em busca de senhorita Rosa, em sua casa.

Mas aquilo não era uma moradia, parecia mais um palácio! -  Exclamava Alexandre, com seus botões.

Desceu, tocou a sineta, e o que viu o deixou embasbacado. E não é que a moça era linda mesmo?

Pelo panorama, já adivinhou, que iria ser difícil se concentrar nas razias.

Cumprimentou-a com respeito, indicou o banco do condutor, e sentou-se ao lado.

Rosa pôs-se a matraquear, contou que morava em Londres, era cantora, e estava a passar férias com os pais em Portugal. Agosto era, por norma, um mês meio morto, de modo que, nesta época, se divertia imenso com a família por essas bandas.

Alexandre encantava-se com a guria muito gira, que desviava de camiões de uma forma muito soft.

Rosa dominava a direção, só precisava mesmo era tirar a carta de condução.

Arrasou no punta-tacão ladeira acima, fez curvas como uma iniciada no automobilismo, e nem se incomodava com o cheiro a fumo de escape.

O conta-quilómetros ainda nem marcava a metade da aula, quando fizeram uma paragem para o café.

Por hoje é tudo! - Disse Alexandre à Rosa, que não entendia a manobra do instrutor.

Ele pagou-lhe um pastel de Santa Clara, declamou Fernando Pessoa, para além disso entregá-la em sua mansão.

Dia seguinte, lá estavam os dois para a aula. Alexandre pegou uma Lotus emprestada, vestiu-se em seu melhor traje desportivo, perfumou-se, e seguiram para o autódromo, distante bem uns 15 quilômetros.

No banco traseiro, uma cesta de picnic, ora pois.

O que aconteceu naquela pista foi pura magia, professor e aluna alternando-se na condução. Dali, para abraços e beijos, no relvado adjacente.

Fizeram a descontraída refeição no tempo regulamentar das classes, e retornaram à cidade.

Rosa passou no exame, com louvor.

Tinha seu documento, e era chegado setembro, tempo de partir.

Alexandre, de coração destroçado, implorou sua permanência.

Não havia futuro para os dois, e ela se foi.

Anos mais tarde, em uma corrida em Silverstone, onde o famoso piloto Alexandre Monteiro sagrou-se campeão, Rosa apresentou-se cantando o hino de Portugal.

Nunca mais se descolaram.


—    Viste, Rosa? Dá-se um jeito!


Mary Star - Vera Lambiasi


Mary Star
Vera Lambiasi

Cantora de boate do baixo meretrício.

Alta, morena, olhos castanhos anoitecidos.

Voz afinada, coxas grossas.

Já fez trabalho de prostituta numa casa de tolerância, e hoje o dia lhe sorri, não mais amargando noites enfadonhas.

Orgulhosa do dom de sua voz, é por vezes solitária, não querendo muito dividir seu luxuoso apartamento de oitavo andar. Trabalhadora meticulosa, tem seu repertório estudado diariamente. Sua casa sempre limpa e arrumada, guarda as partituras em estantes numeradas.

Mary tem um gato de olhos tristes, chamado Paixão, sempre enrolado em seus tapetes, escondendo-se das raras visitas.

Certa noite, um amigo, o mais frequente,  se debruçou na janela, com seu copo de whisky, a espera de Mary, que tomava uma ducha.

Paixão o observou com cuidado, esperto como sua dona. Esquivando-se do olhar do intruso, fez-se sonolento, e o viu derrubar o gelo pela vidraça.

O que Mary já desconfiava, foi confirmado por Paixão : o homem não era de confiança.

Na chegada de Mary à sala, pede mais gelo da cozinha, dizendo que o seu já acabara.

A anfitriã solícita dirigiu-se à geladeira, com naturalidade.

A explosão ao abri-la, jogou Mary ao chão, ferindo-a gravemente. Mas a força de seu corpo protegeu-a da morte. O homem limpou o recinto, e levou a amiga ao hospital.

A perícia concluiu que o refrigerador estava com defeito. E o amigo prontificou-se a dar um fim ao eletrodoméstico.

Paixão, que tudo assistiu, não descuidava de sua amada. Não deixaria mais entrar aquele homem, de feições brutais. Nas visitas sequenciais gania alto para que Mary percebesse o perigo. E isso foi acontecendo. Sua dona questionava cada vez mais o acidente no último mês.

Lembrou-se do segredo, que guardava do amigo, de seu tempo de garota de programa.

Carlos havia roubado uma boa grana do sogro. Desculpava-se dizendo que este lhe devia um dote, e apenas pegou o que tinha direito. Mary muitas vezes o encorajou a devolvê-lo, mas acabou desistindo, convencendo-se de que era um problema do casal.

Agora, com a morte da esposa, Carlos viu-se coagido a devolver tudo. E ainda foi responsabilizado pelo incêndio no apartamento onde viviam.

Assustada, começou a ligar os fatos.

Carlos havia lhe pedido dinheiro emprestado. Houve um acidente similar.

E Paixão que não parava de rosnar, quando o via. Seu gato a alertava, e ela não dera importância.

Resolveu trocar as fechaduras. Avisar aos porteiros que não deixassem Carlos subir.

E pedir um tempo, insinuando interesse por outro homem.

A cólera tomou conta de Carlos, de amigo prestativo passou a se mostrar um sujeito da pior espécie.

Acusou-a de ladra vagabunda quando estava bêbado, caído diante da plateia do Nightclube. Aquilo foi a comprovação que Mary necessitava, o nojento tentou assassiná-la.

Nesta noite, os capangas do sogro de Carlos, que já o observavam, levaram o corpo embriagado.

Dia seguinte, corria a notícia do falecimento do importante empresário Carlos Pereira, por overdose, encontrado sem vida, num matagal.

Mary seguiu sua vida regrada de musicista, prestando, desde então, mais atenção ao felino.