O Verão e as Mulheres
Rubem Braga
Talvez tenha acabado o
verão. Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu está limpo e o
sol é muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas. As cigarras
não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.
Estamos tranqüilos.
Fizemos este verão com paciência e firmeza, como os veteranos fazem a guerra.
Estivemos atentos à lua e ao mar; suamos nosso corpo; contemplamos as evoluções
de nossas mulheres, pois sabemos o quanto é perigoso para elas o verão.
Sim, as mulheres estão
sujeitas a uma grande influência do verão; no bojo do mês de janeiro elas
sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; seus olhos
brilham devagar, elas começam a dizer uma coisa e param no meio, ficam olhando
as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho
passarinho. Seus cabelos tornam-se mais claros e às vezes os olhos também;
algumas crescem imperceptivelmente meio centímetro. Estremecem quando de súbito
defrontam um gato; são assaltadas por uma remota vontade de miar; e certamente,
quando a tarde cai, ronronam para si mesmas.
Entregam-se a redes; é
sabido, ao longo de toda a faixa tropical do globo, que as mulheres não
habituadas a rede e que nelas se deitam ao crepúsculo, no estio, são
perseguidas por fantasias e algumas imaginam que podem voar de uma nuvem a
outra nuvem com facilidade. Sendo embaladas, elas se comprazem nesse jogo
passivo e às vezes tendem a se deixar raptar, por deleite ou preguiça.
Observei uma dessas
pessoas na véspera do solstício, em 20 de dezembro, quando o sol ia atingindo o
primeiro ponto do Capricórnio, e a acompanhei até as imediações do Carnaval.
Sentia-se que ia acontecer algo, no segundo dia da lua cheia de fevereiro; sua
boca estava entreaberta: fiz um sinal aos interessados, e ela pôde ser salva.
Se realmente já chegou o
outono, embora não o dia 22, me avisem. Sucederam muitas coisas; é tempo de
buscar um pouco de recolhimento e pensar em fazer um poema.
Vamos atenuar os
acontecimentos, e encarar com mais doçura e confiança as nossas mulheres. As
que sobreviveram a este verão.
Março, 1953.
Extraído do livro "A
Cidade e a Roça", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 27.
(do site: releituras.com)
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