Conto
de suspense ganhador de Menção Honrosa no Concurso Literário Sindi-Clube 2013.
O
SÉTIMO DISTRITO
Suzana
da Cunha Lima
Era uma noite escura,
sem lua. Fria. A iluminação na rua, além
de precária, estava encoberta pelas árvores frondosas que miraculosamente tinham sido preservadas da sanha abate-árvores
do prefeito anterior. Talvez porque fosse uma rua curta, sem saída, quase uma
vila.
Helga dormia bem
enrolada em seu edredon. Viúva há alguns anos, acostumara-se a morar sozinha,
conhecia todos os ruídos da casa e da vizinhança. Os dois filhos, já casados,
moravam em outros bairros.
Foi quando uma
estridente campainha a acordou. Não imediatamente, precisou tocar várias vezes,
parar de tocar e recomeçar outra vez para Helga perceber que não era
sonho. Virou a cabeça olhando quase
automaticamente para o relógio. Três
horas da manhã! Quem ou o quê podia ser? Seus pés procuraram os chinelos e ela,
afinal, se levantou. Não acendeu a luz,
nem fez ruído algum. Tentou olhar pela
fresta da veneziana, de onde podia se enxergar a rua inteira porque seu quarto
ficava na frente. Não viu nada de diferente. Estava muito escuro e o vento
fazia as folhas gemerem, lembrando o ruído de pés descalços em chão de terra.
A campainha tocou outra vez. Só aí que ela
percebeu que era telefone e não a campainha da casa; aí acordou um pouco
assustada. Quem seria? Resolveu verificar primeiro no identificador de chamadas
do telefone do hall. Desceu a escada
maciamente, como um gato, se esgueirando pelas paredes. Esperou ele tocar outra
vez, pensando se havia algum padrão nos toques.
Não conhecia aquele número, mas pelo prefixo, era do bairro. Seis toques
e parou. – desligaram - pensou ela, pois
o telefone estava programado para tocar pelo menos umas vinte vezes. Agachada,
foi verificar se as portas e janelas estavam bem trancadas. Estavam exatamente
como ela tinha deixado antes de dormir. A casa era bem protegida. E ainda havia segurança 24 horas na rua.
O telefone tocou
outra vez. No quinto toque resolveu atender, com o celular na mão, caso
precisasse chamar a polícia ou alguém. Só retirou o telefone do gancho. Uma voz
de outro lado perguntou:
- Com quem falo?
- Diga o que quer logo
– respondeu ela rispidamente.
- É da delegacia de
polícia. Sétimo Distrito. Estou com seu filho aqui. Foi pego passando drogas.
- Filho? Qual o nome
dele? – ela estava cada vez mais desconfiada, principalmente porque seus filhos
eram homens sérios, casados e responsáveis. Drogas? Se for um trote, era de
muito mau gosto, pensou.
- Não posso dizer
senhora. É menor de idade e deu seu telefone para que viesse buscá-lo.
- Não tenho nada com
isso. Favor não telefonar mais. –
desligou o telefone e pensou: è uma história inventada para que eu saia
de casa ou, ao contrário, para ter certeza que estou em casa. Mas quem está
telefonando já deve saber que meus filhos são maiores e não moram aqui. Qual o
fim disso tudo? O que tenho em casa não justifica um assalto, de jeito nenhum.
Não tenho joias nem moedas estrangeiras, nenhuma prataria e coisas do tipo. E o
carro que está estacionado em frente nem meu é.
Alugo a vaga para o vizinho. – ficou matutando um pouco.- Acho que ando vendo muitas séries de
televisão de investigação criminal, mas não vou deixar isso assim. Não houve
engano do número de telefone, é meu mesmo. Então resolveu ligar para O Sétimo Distrito.
- Vamos ver se
confirmam esta história – estava falando sozinha, como fazem geralmente as
pessoas que vivem sós. Como não achava o telefone dos distritos policiais,
resolveu ligar para o do Corpo de Bombeiros, que estava à mão.
-Alô, Corpo de
Bombeiros, às suas ordens.
- Por favor, preciso
de uma orientação. Recebi um telefonema estranho do Sétimo Distrito Policial,
dizendo que...
- Senhora, não existe
Sétimo Distrito – responderam.
- Então, vocês
precisam me ajudar. Quem me telefonou
foi do Sétimo Distrito. Disseram que meu filho está lá, por posse de drogas.
- Senhora, já disse
que não existe o Sétimo Distrito. Por que não liga para a Central de Polícia?
Nós aqui fazemos salvamentos, lidamos com outro tipo de emergência. Vou lhe
passar o número.
Helga anotou e resolveu
ligar. Embora fosse tranquila por
natureza, estava começando a se preocupar seriamente com sua segurança. A única
certeza que tinha era de que não ia sair de casa de jeito nenhum, ainda mais para
um Distrito que nem existia.
- Central de Polícia,
às suas ordens!
- Moço, me escute sem
desligar, por favor. Recebi um telefonema – e aí Helga contou a história toda.
- Senhora, realmente
não existe o Sétimo Distrito, portanto, só pode ser trote de quem não tem o que
fazer. A esta hora, só saímos do Posto em emergências reais. Tem alguém rondando sua casa?
- Não, mas....
- Forçaram a
fechadura de casa, pularam para alguma varanda que a senhora tenha por aí,
estão lhe ameaçando de alguma maneira?
- Não senhor. Mas não
é estranho me ligarem a essa hora com esta
história sem pé nem cabeça?
- Nós ouvimos muita
coisa estranha por aqui, senhora. Veja se casa está toda fechada e trancada e
vá dormir em paz. Em tempo de férias,
tem muito trote correndo solto por aí.
Helga não se
conformou. Resolveu então ligar para o
dono do carro, seu vizinho, Doutor Pontes.
Pode ser que pensem que este BMW seja meu, e acharem que sou rica.
Incrível como pareça,
Doutor Pontes não estava dormindo. Atendeu-a friamente , porém com educação.
- Que história é essa
que está me contando, dona Helga? A senhora acha que pensam que é rica e querem
lhe assaltar só porque meu carro está estacionado aí?
- E que outra coisa
devo pensar, Doutor Pontes? Não tenho
filho menor e o Sétimo não existe. E estão telefonando no meu número de
telefone muitas vezes. Bom, eu não pretendo sair de casa e não me
responsabilizo pelo que possa ocorrer com seu carro. Estou lhe avisando que a
história toda é para se preocupar.
- Agradeço, d.Helga,
mas tudo isso está me parecendo trote. Tranque tudo e fique em casa. Amanhã
conversaremos melhor. Não ligue mais, sofro de insônia e estava quase
dormindo.. Uma boa noite para a senhora.
Helga ficou sem saber
o que pensar, mas não queria se indispor com o Doutor Pontes, pois o dinheirinho
do aluguel da vaga lhe faria falta.
Resolveu espiar outra
vez para o lugar onde o BMW estava estacionado, escondida na fresta da janela,
com tudo apagado. Minutos depois, ela viu Doutor Pontes se aproximar do carro
sorrateiramente, enfiar a mão no banco de trás e retirar um saco grande de
lá. Esgueirou-se pela paredes da casa até entrar na sua, o que
fez rápida e silenciosamente.
Ninguém tocou mais o
telefone. Helga esperou uma meia hora. E nada... Resolveu ligar para o número
que tinha ficado registrado no seu bina,
com muito medo. O que ela iria dizer?
Tocou muitas vezes e o bina registrou telefone público. Telefone Público! Claro, imagine se os
marginais, do outro lado, iam deixar rastros de telefone...
Então, é um trote
muito malfeito – ficou matutando – Não sei o que pensar. Mas o que o
Doutor. Pontes foi pegar no carro dele? Isso é um caso para polícia e é
para lá que vou ligar. Desta vez a polícia prestou bastante atenção no que ela
lhe contou.
- Senhora, peço que
não faça nada, fique quieta em casa e certifique-se de que está tudo bem
fechado. Estaremos ai em poucos minutos – pediu delicadamente o sargento que
atendeu o telefonema.
- Ora, ora, alguém
acreditou na minha história – refletiu Helga satisfeita – foi para seu posto de
observação, junto à janela do quarto. Depois de quinze minutos resolveu voltar
para a cama e dormir. Foi quando
percebeu uns vultos furtivos, de escuro, entrando na pequena vila. Ficou
excitada, olhando pela fresta, esperando o que ia acontecer.
Não vieram em sua
direção, mas para a casa do Doutor Pontes. Eram uns cinco ou seis homens de
negro. Será a ROTA? Ou o BOPE? Eles tocaram a campainha. Entraram no pequeno
jardim, à frente, e uns dois escalaram o muro e esperaram ordem para entrar
pela janela do quarto. Foi tudo muito
rápido. Enquanto doutor Pontes, furioso,
atendia à campainha da porta, os outros
entraram no quarto. Sairam de lá com um saco grande.
- Há outros sacos
desses, escondidos no quarto – informou o Sargento para o Tenente que conduzia
a investigação. Num segundo, doutor
Pontes estava algemado e enfiado dentro do camburão da polícia, que zarpou dali
com a maior rapidez. Depois o Sargento
foi à casa dela e tocou a campainha olhando para cima, porque tinha percebido
que ela estava espiando pela janela.
- Dona Helga só temos que agradecer e muito à senhora.
- Ora, Sargento, não
fiz mais do que minha obrigação. Uma história muito esquisita, não acha?
- Realmente, mas a
senhora se comportou como uma cidadã responsável. Estávamos na busca desta gangue há muito
tempo. Não sabíamos onde eles escondiam
a droga. Bem inteligente isso de guardar
dentro de um carro de luxo e na garagem de outra pessoa...
- Entre um pouquinho,
Sargento, vou passar um café e aí o senhor me conta isso tudo. Vejo muito
séries policiais, “.Law and Order”, o senhor conhece? Ontem foi a história daquela moça que aparece
morta, perto do telefone, estrangulada com o fio, imagine...
- Bom, o cafezinho eu
aceito, mas não costumo ver televisão de noite, sempre estou trabalhando.
Helga passou o café,
deu uma xícara para o Sargento e falou enquanto mexia o açúcar na sua. - Eu
estou curiosa a respeito de uma coisa.
Quem afinal estava telefonando tanto para mim e o que queria saber?
O Sargento riu um
pouco, e saboreou o café lentamente.
- Nós, lá do
Distrito, telefone frio. Queríamos ter certeza que a senhora estaria em
casa. Não se pode entrar na casa dos
outros assim, sem um mandado. E a senhora facilitou muito, observando os
movimentos suspeitos do seu vizinho. Afinal, nossa missão é defender o cidadão
destas armadilhas, não é? Mas deu tudo certo, afinal. Excelente, seu café.
Helga olhou para o
Sargento, alto e quase gordo, cabelos grisalhando e se animou.
- Pois quando estiver
por estas bandas, apareça aqui. Afinal, já sabe meu telefone, não é?
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