LUTA
DESIGUAL
Suzana da Cunha Lima
O mar profundo e
ameaçador à minha frente. Quem controla
o mar e as forças da natureza? Só Deus mesmo.
Porém conheço mais o mar, para mim uma entidade mágica, que tem força e
nenhuma piedade. Lembro a entrada da
barra, chegando ao Rio de Janeiro, eu menina ainda, cinco anos e nenhuma esperteza.
As ondas eram muralhas de concreto verde
espumosas, um grande Deus zangado que podia colocar nossa embarcação a pique,
em segundos. Imaginei o navio mergulhando naquele mar furioso, jogado para
lá e para cá, e todos nós lá dentro, bonecos sem vontade e sem força, absolutamente
à mercê de seu poder .
Mais tarde eu assisti ao filme Titanic e vi
que a realidade seria bem pior. Ninguém
morre bonitinho, sem lutar. E a luta, mesmo sabendo-se vã, é renhida, pois a
sobrevivência grita mais alto que o
medo.
Oh mar – pensava -
por que não baixas tuas ondas e arrefece o vento? Por que não baixas tua fúria e mostras apenas tua força? Por que não deixas o sol brilhar por dentro
destas vagas enraivecidas? Por que não
te acalmas e caminhas sereno para a praia?
Mas pedir qualquer
coisa ao mar é como clamar no deserto. Que pena, ele não tem coração nem
sentimentos; leva os jangadeiros para suas cavernas secretas e nunca mais os
devolve à praia e ao que os amam. E, às
vezes, inventa uma onda gigantesca para varrer tudo que encontra à frente, numa
espécie de faxina às inversas, deixando rastros de destruição e dor.
Um dia furioso,
noutro tão quietinho. Naquela manhã eu
estava de frente para ele: um cordeirinho manso que lambia meus pés, splash,
splash, musiquinha de fazer bebê dormir
Nem percebi o tsunami
se formando no horizonte. O sol me vestia de calor e a brisa de conforto. Mais
perfeito, impossível. Até que a grande e
extensa onda nos pegou. Foi um momento
de terror e de espanto não acreditei no
que estava se passando. Só me vi, lá do
alto onde eu estava, sendo jogada, amassada e ferida por aqueles inúmeros
detritos, inerte como um detrito a mais.
Não me lembro de dor, mas de estupor.
Morte era assim
E para onde eu iria
agora? Estava planando em cima do mar, como observadora neutra. Mas isso também passou. Acordei num hospital, cheia de tubos e
curativos! Comecei a rir como demente:
Eu venci o mar! Droga de deus miserável,
eu te venci! E gargalhei muito tempo até
dormir outra vez. Onde eu
acordaria? Não sei, ainda estou lá,
naquele limbo enigmático, de onde se volta ou se vai de vez. Este é o mistério da morte, ao qual o mar não
tem acesso..
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