Minha avó materna — Uma Vovó Raiz.
Silvia Villac
A vida lhe deu vários golpes, mas ela nunca
perdeu o entusiasmo e a alegria! Sempre pensava: “hoje está ruim, mas amanhã já
vai melhorar”. E nos contava que, como em sua época não existiam psicólogos,
quando no sufoco, ia até a esquina, conversava e desabafava com si própria e
voltava para casa mais calma. Sempre achei muita graça nisso.
Se ela vivesse nos tempos atuais, com certeza
seria uma grande influencer, com milhões de seguidores no Instagram! Quando
saíamos com ela para ir até um supermercado, pertinho da casa, ela era
cumprimentada ao menos por uns 5 indivíduos e as pessoas ainda perguntavam:
“Dona Conceição, essa é sua neta mais velha ou a do meio?” Alegre,
comunicativa, com aquela gargalhada contagiante que fazia todo mundo rir quando
contava seus “causos” de Avaré, cidade onde nasceu e cresceu, ela foi um
exemplo para seus 3 netos.
Vovó ficou viúva após 5 anos de casada — os
médicos fizeram uma “barbeiragem” e tanto e cortaram a aorta de meu avô. A
última vez que viu seu marido foi naquela cena horripilante dele se esvaindo em
sangue na sala de cirurgia.
Mamãe tinha apenas 3 anos e vovó se viu
obrigada a voltar a morar na casa de seu pai, onde havia inúmeras tias
solteironas para cuidar da pequena, para ela trabalhar fora e ajudar no
sustento da casa.
Mais tarde — não sei quanto tempo depois – ela
voltou a se casar com um solteirão de Descalvado, que era o único varão no meio
de 5 irmãs, sendo que apenas uma delas era casada.
Ele era um homem boníssimo, que se deixava
mandar pela vovó e jamais se intrometeu. Não falava mal de ninguém e só saía do
sério quando o Palmeiras perdia ou quando o assunto era políticos – sempre
dizia “tenho ódio de políticos” porque era um homem corretíssimo!
Voltando ao assunto vovó, ela tinha uma
empregada que começou a trabalhar na casa antes de mamãe se casar. Portanto,
nossa Lourdes foi meio que também nossa babá. Nós 3 íamos para a vovó na
sexta-feira à noite e meus pais só nos buscavam no início da noite de
domingo. Quando vovó se aposentou, Lourdes já dominava a casa e ela só
comunicava que as crianças iam chegar e queriam comer determinada comida. Às
vezes, era um almoço no meio da semana e a empregada argumentava ser dia de
faxina, ao que vovó respondia que deixasse a casa suja porque Zezé (minha mãe)
e as crianças eram prioridades.
Vovó era zero vaidosa e, muitas vezes, saía
com a meia de seda desfiada. Quando mamãe comentava, ela respondia que
provavelmente havia acabado de acontecer. Ela sempre foi muito gorda, usava uma
cinta ortopédica sob medida na barriga porque tinha hérnias no abdômen e, para
os dias de gala, vestia sempre o mesmo vestido preto com pois branco. As
fotos dos eventos comprovam isso. Nos almoços de domingo em sua casa, papai
sempre erguia um copo e dizia “Saúde, sogra”! Às vezes, bebericava um golinho
de cerveja, mas costumava dizer que Deus era sábio e que, se não fosse por seu
fígado…
Ela foi tão querida por nós, netos, que todos
os dias nós 3 telefonávamos para conversar com ela pelo simples fato de
acharmos prazeroso. De fato, até hoje, sempre que vem o assunto vovó, é
possível sentir o amor imenso que ainda nutrimos por ela. Foi uma pessoa à frente de seu
tempo, com visão para o futuro e gostava de falar umas bobagens, para horror de
mamãe, que sempre foi extremamente pudica. Um exemplo típico: quando ouvia a
frase “fulano fez mal para a sicrana”, ela soltava uma gargalhada e dizia “mal,
nada, fez é muito bem!”
Em 1986, aos 79 anos, foi descoberto um câncer
no fígado e o Professor Daher Cutait apenas abriu e fechou o abdômen porque não
havia nada que pudesse ser feito. Como funcionária pública aposentada, ela não
tinha recursos para “bancar” uma cirurgia com o mestre dos mestres, mas vovó
era tão cativante e carismática que o Professor disse que não havia nada a
agradecer porque ele se sentia honrado em tratar de uma pessoa tão especial!
Isso até hoje me comove porque demonstra o carinho e apreço de um profissional
brilhante dedicado à medicina.
Era carnaval e resolvemos voltar para São
Paulo para ir vê-la. Afinal de contas, não havia telefone em minha casa de
Atibaia e eu estava muito incomodada com sua saúde. Lembro de perguntar como
estava e ela me respondeu, erguendo os braços e olhando para cima que não
aguentava mais porque fazia 2 dias que não dormia, só vomitando. Naquele
momento, compreendi que o fim estava próximo e que ela queria descansar. Foi
levada para o hospital, induziram-na ao coma e ela faleceu 24 horas depois.
Foi uma tristeza e uma dor infinita para
mamãe, papai, vovô e seus 3 netos. Lembro da sensação de vazio e o quanto eu
havia perdido com sua partida. Para mim, é como se minha mãe tivesse morrido,
de tão dolorido que essa morte foi. Afinal, vovó foi a 1ª pessoa realmente
querida e amada que fora embora da minha vida. Só quando mamãe faleceu 4 anos
depois é que soube que, por mais que amasse vovó, a tristeza de perder uma mãe
é ainda maior.
Hoje restam as lembranças, sempre alegres e
divertidas, daquela que foi uma pessoa importantíssima na minha vida. Só tenho
amor, gratidão e me considero uma felizarda por ter uma vovó tão presente,
durante mais de 30 anos.
P.S.: A Lourdes, após o falecimento de minha
avó, voltou a morar com a família em Botucatu. Minha irmã e eu fomos vê-la
algumas vezes. Também deixou muita saudade e, sempre que lembro dela, fico
feliz por poder ajudá-la no final de sua vida, retribuindo um pouco de todo o
amor e atenção que ela nos dedicou.
Que história bonita, Silvia! (Ledice)
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