Tempos de eleição - José Vicente Jardim de Camargo



Tempos de eleição
José Vicente Jardim de Camargo

O pessoal aos poucos ia chegando, uns a pé em grupos, outros em bicicletas ou em ônibus fretados, e até mesmo em caminhões pau de arara, E ia se aglomerando no campo de futebol, que quando solicitado, servia para finalidades outras a não ser a reservada a bola.

De grão em grão a galinha enche o papo - dizia eufórico o organizador do comício à sua assistente, donzela cobiçada de há tempos - E ele, não chega? Já passou da hora...

Está a caminho, não se preocupe - respondeu a mesma com seu sorriso faceiro e de desejos ocultos...

Súbito, bum bum bum! Rojões pipocam no ar seco e quente do meio dia,  um treme-treme agita a multidão que em coro grita :

— Viva, Viva! Já ganhou, já ganhou...

De pé, na carroceria da caminhonete municipal, cedida em troca de possíveis favores futuros, está ele, o aguardado “Quinzinho”.  Todo em branco, braços abertos, chapéu e bandeira em punho, gesticulando, agitando-se, dando a impressão de querer abraçar a multidão eufórica.

Microfone em mãos,  inicia o tradicional blablaba  repetido em cada parada que faz, estrategicamente escolhida no mapa eleitoral:

— Brasileiros e Brasileiras, estamos aqui para dar inicio a uma obra que nos encherá de orgulho : ÁGUA PARA TODOS. 

 Vamos construir milhares de cisternas rurais. Nunca mais faltará água nas suas casas e nos seus campos. Uma obra pra ninguém botar defeito.

— Brasileiros e Brasileiras, filhos da terra, esta é uma obra como nunca antes visto neste país. Chega de cuspir saliva seca. Vocês vão ver a chuva cair atrás da janela sem precisar sair correndo, balde na cabeça, a disputar com a terra tórrida, os poucos pingos d’água.

A multidão comprimida e uniformizada de camisa amarela e boné verde, qual um campo de girassol, interrompia aos gritos de “já ganhou, já ganhou”. E, de esperanças renovadas, ia, aos poucos, em fila indiana tipo caminho da roça, se perfilando para o  tradicional beija-mão.


Quinzinho, que para os íntimos e chegados, ao contrário do povão, não significa o apelido carinhoso de Joaquim, mas sim a percentagem de 15 % recebida das obras superfaturadas procurava, entre os abraços suados e rápidos dos eleitores convencidos, os olhares furtivos e provocadores da donzela auxiliar ...

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