Zé do Mate - Suzana da Cunha Lima



ZÉ DO MATE
Suzana da Cunha Lima

Zé do Mate era conhecido em toda orla Ipanema/ Leblon.  Sorriso pespegado num rosto curtido pelo sol, de nordestino sobrevivente, já marcara seu território entre o Arpoador e o morro Dois Irmãos, gritando seu grito de guerra, com um sotaque que denunciava suas origens: Mate! Olha o mate!

Para quem viera de um sertão muito feio e ressecado,  sem água e sem esperança, o que ele enxergava ali, no seu pedaço de trabalho, era o paraíso.

O mar se derramando na areia fina, a beleza inacreditável do mulherio e o conforto da brisa dourada que teimava em voar com seu chapéu de palha.

O ombro já se tinha moldado ao depósito de mate, que ele mantinha reluzente, enquanto carregava, de outro lado, os copos de plástico e os saquinhos do biscoito Globo.

Era a cara do Rio de Janeiro, e seu reino era aquela praia e nela,  o Rei.  Já lidara com muito garoto atrevido, com muitos ratos de areia e  ladrãozinho pé de chinelo, até mesmo de dois ou três arrastões , e já vira briga feia de mulher bonita com homem ciumento.

E belas mulheres era o que não faltava naquela orla abençoada por Deus e bonita por natureza.

O ponto final de seu ônibus, para voltar para casa, ficava no Jardim de Alá, que separa simbolicamente Ipanema do Leblon, através do canal que vem da Lagoa para a praia. É um lugar bucólico, com muitas crianças brincando e muitas babás fofocando e falando da vida das madames.

Estava ali um dia, tranquilamente,  a saborear um cachorro quente que comprava sempre do Mané português, companheiro seu e vizinho no bairro do Grajaú, quando seu ouvido captou uma conversa entre babás, que o interessou.
- Cida, tu sabe aquele escritor famoso que mora no Baixo Leblon? – perguntou Nice para a outra, que embalava um menino pequeno.

 - Um meio careca, que de vez em quando caminha aí pelo calçadão? Responde Nice.

- Esse mesmo,  tá sempre de sandália havaiana e bermuda. E faz ponto no Bar do Chiquinho, no final do dia.

- Bem, que tem ele? Tá bem gasto já, não é? Que é, tá de olho nele?

- Deus me livre, pode ser famoso e cheio de dinheiro, mas de velho eu quero é distância.

- Bom, outro dia ele esteve lá na casa onde trabalho.

- E o que ele foi fazer lá?  – quis saber Nice, enquanto acomodava a criança, que já dormia, no carrinho..

- São amigos, minha patroa escreve também, é famosa. - esclareceu Cida, que conversava de olho nas correrias do menino que cuidava – e falaram de sua patroa.

- De dona Rosinha? Mas ela não escreve nada, só faz cuidar de sua beleza e aguentar as crises do marido,  um cão de guarda, ciumento que só – informou Nice, o olhar vagando pela praça, até que se deteve no Zé do Mate, sentado num banco próximo.

Nesse instante, os olhos de ambos se cruzaram e  parecia que havia uma corda elétrica entre os dois olhares, um espanto que queimava. Nice abaixou os olhos, cutucou Cida e falou baixinho:

- Cida, lembra Zé das Quengas, lá de nossa terra? Que sumiu tem mais de dez anos, te deixando com um filho na barriga?

Cida  retrucou, já exaltada - Não esqueço nunca aquele safado, sem vergonha, filho do chifrudo. Você sabe bem, Nice, tive até que fazer a vida, antes de vir para cá, pra dar leite para o menino.  Mas por que essa conversa agora?

- Porque ele está bem ali, naquele banco. Olha para lá, vê se não é ele. - Disse Nice, enquanto balançava o carrinho para seu bebê não despertar.

Cida olhou e levou um susto - Nossa, é ele mesmo. Ai, que me sinto mal. Nice, vai lá pegar o Carlinhos para que eu possa tomar satisfação com aquele miserável. Ah, hoje ele não me escapa.  – e foi-se levantando, com a fúria estampada no rosto.

Nice foi buscar o menino, tentando acalmar a amiga: Calma, Cida, faz tempo isso..

- Que calma nem meia calma, Nice. Segura bem aí o Carlinhos. Ah, hoje ele vai ouvir o novo e o velho... – Ela  levantou-se em direção ao Zé do Mate, mas começou a ver tudo escuro e caiu ali mesmo, desmaiou.

- Acuda aqui – gritou Nice para o Mané português, que estava bem próximo com sua carrocinha. - A moça desmaiou, pede auxilio pelo celular.

Quem ouviu primeiro o pedido de socorro foi o Zé do Mate, que observava a tempos, as duas babás.  E tratou de sair dali bem rapidinho, enquanto matutava na pequenez do mundo.

Mas como,  com tanto lugar para ir e morar, aquela rapariga foi me encontrar logo aqui no Rio de Janeiro?



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