Ilha Porchat - Maria Luiza C. Malina



Ilha Porchat
Maria Luiza C. Malina


Uma simples foto do litoral Sul. Uma ilha. Meus olhos, sem qualquer pretensão geográfica, vasculham o seu entorno, fixando-se num ponto qualquer como que pudessem bisbilhotar, se aproximar como  um satélite.

Num relance abre-se a gaveta, tão bem fechada das lembranças, um  “flash” que atordoa convida, com seu sorriso maroto, às  lembranças de um amor.

O ano de 1967 iniciava-se com grandes promessas de formatura e, em conseqüência seus famosos bailes pro-formatura, em que convidávamos amigos e flertes. Estávamos em uma roda onde  ninguém tirava ninguém para dançar, apenas conversas seguidas de risadas. Era proibido dizer não, “dar tabua”, numa época em que as musicas italianas estouravam com seu romantismo para as danças lentas. “Dio come te amo”, “La ultima telefonata”...

Estava de costas para a pista, cabelos curtos, com meus 1.70 de altura e 47 kg equilibrados em cima de um salto 7,1/2, saia justa e cacharel  amarela de gola olímpica, quando senti alguém tocar no meu ombro para dançar, olhei de ombros e com um largo sorriso, aceitei de pronto.

Ria, porque era o rapaz mais feio, embora estivesse impecavelmente vestido e cheiroso, estava careca por ser calouro da Universidade Presbiteriana, parecia uma tartaruga. Dançamos e conversamos a noite inteira, até esqueci meu flerte. Foi uma paixão de bem querer sem fim.

Continuamos a nos ver às  escondidas, não podíamos namorar. Meu pai pouco deixava a fazenda no Rio Grande do Sul, no entanto de tudo sabia, chegou para a formatura com sua nova esposa e, ele, tão especialmente esperado, não foi, mas o flerte foi.

Os dias se passaram. Todos os sonhos contidos dentro do colorido de uma bolha de sabão, foram estourados. A decisão havia sido tomada. As passagens compradas.

Desaparecemos do cenário num piscar de olhos, O destino foi a casa de minha mãe numa cidade do interior do Uruguai. Adaptamos-nos , carregando, cada uma,   suas próprias tristezas de um momento de vida interrompido.

Havia chovido muito naquele dia, as ruas estavam encharcadamente silenciosas, caminhava cabisbaixa passando as mãos pelos cabelos, me dando conta do quanto o tempo havia passado... Eles estavam longos demais!

Um chamado me acordou – Deborah! – Deborah!- Minha Deby!

Não! Não podia ser ele, não agora! – Será! Levantei os olhos e lá estava ele. O rapaz alto com seu terno impecável, com certeza já deveria ser um advogado de sucesso.

Num ímpeto, e eu ainda atordoada por aquele som que ha muito não ouvia, ele me toma em seus braços fortes levantando-me como a uma noiva, para atravessar a rua para que simplesmente, eu não molhasse os meus pés. Seu cheiro estava lá, ao meu alcance.

Colocamos nossas vidas num Café.
-          Deby - diz ele, ao acariciar minhas mãos, olhando nos meus olhos umedecidos - Você quer...  - Sente algo estranho e olha para minhas mãos, soltando-as... – Você esta noiva?
-          Sim, me noivaram. O silencio de nossas almas, espremia toda a dor do reencontro de uma saudade que estava por vir.
          
Despedimos-nos sem qualquer divida, zeramos nossas vidas que continuariam silenciosas neste amor que apenas duas almas conseguem entender.

Anos se passaram, já nem sei mais quantos. Agora meus cabelos curtos dançavam com o vento Estava de passagem na cidade em que havíamos nos formado, em  busca de documentos. Tudo era muito diferente, visto a olhos de visitante, as ruas e casas, novos moradores, novos amores,  talvez! Procuro por um táxi, parada na esquina do Largo do Arouche, admirando a beleza da banca das flores e penso – quanta diferença que o colorido deste simples cantinho faz, em meio a tantos edifícios, sombras e concreto...

Nesta divagação, não percebi alguém chegar correndo me pegando no colo e outra vez -  me atravessando apaixonadamente a rua.

-          Deby estou vendo, você não esta noiva. Vamos ficar juntos, você vai ser a
primeira dama do pais, sou um político de sucesso...

Em silencio coloquei meus dedos em seus lábios, abaixando a cabeça e lhe disse:
-          Estou casada no civil, estou sem aliança porque elas estão sendo gravadas.
-          Não e possível! Não te procurei porque pensei que você tivesse se casado naquela ocasião. Não se case!
-          Caso-me capela da  fazenda do meu pai no Rio Grande dentro de 20 dias.
-          Sim! Eu sei onde fica, irei para lá - disse ofegante - Não vou deixar!
-          Não faca isto, não posso desistir, desta vez preciso casar mesmo.
          
Despedimos-nos, com um abraço eternamente apertado de seu calor de outras saudades que serão sentidas na solidão de nossas almas. Pela terceira vez  a casualidade do destino fez com que nos encontrássemos. 

- Às 18 horas! Não se esqueça Deby, às 18 horas, olhe para o céu, você vai escutar o ronco de um avião sobrevoando seu casamento, jogando rosas vermelhas e uma faixa “EU TE AMO”.

Anos se passaram, meus cabelos já estão grisalhos, ainda ouço suas noticias através da televisão e de revistas, sempre acompanhado de belas mulheres na Ilha Porchat.                                                                                                                                                         




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