O
irmão marista
Fernando Braga
Sou
um órfão de pai desde que tinha quatro anos. Meu nome é Oscar, hoje com 45
anos. Fui criado por minha mãe Helena e pelo padrasto
Louis Clement, de nacionalidade francesa. Lembro-me tão claramente da figura de
meu padrasto. Já de meu pai,
evidentemente, nada me recordo. Mas, Clement era uma figura simpática, amorosa,
carinhosa, amiga, prestativa, e ele não sai de minha mente, de meu coração.
Clement
nos reunia para contar histórias e também fatos interessantes, marcantes de sua
vida de um ex-marista.
Nascera ele em cidade próxima de Lourdes na
França, a mais sagrada do país, que hoje sobrevive graças ao número de
peregrinos que ali chegam, todos os anos.
Seus
pais, eram muito religiosos e sempre o levavam visitar a gruta de Lourdes, a
famosa igreja dedicada à virgem e também às procissões frequentes, todos com
velas nas mãos. A religiosidade era tal,
que desde pequeno, Clement tinha a imensa vontade de se tornar um padre, servir
à virgem santíssima e Jesus Cristo, seu filho.
Sua
devoção à virgem era tal, que lia livros e livros sobre a vida de santos, muito
devotos à virgem santíssima. Assim, ficou conhecendo Marcelino Champagnat, ordenado
padre que se tornou um vigário e bem mais tarde, em 1817, com 27 anos, na pequena
cidade de La Valla, fundou o Instituto dos Irmãos Maristas, nome derivado de
Maria, que foi aprovado em 1863 pela Santa Sé. Champagnat foi beatificado por
Pio XII.
Leu
muito sobre esta instituição, cuja função principal é evangelizar por meio da educação,
crianças e jovens, ajudando-os a terem uma vida plena, com conhecimentos
básicos sobre todas as matérias, incluindo a religião.
Clement
soube que estes religiosos não eram padres, não rezavam a missa, não
consagravam as hóstias, mas eram celibatários, não podendo casar ou possuir
bens, renunciavam às coisas materiais da vida. Certificou-se, e a Instituição
Marista crescera muito, abrindo sedes em muitos países incluindo no Brasil, a
partir de 1897.
Foi
assim, que aos 22 anos decidira, após beneplácito de seus devotos pais, tornar-se
um irmão marista. Matriculou-se na entidade, completou seus estudos,
tornando-se um expert em ciências e na língua francesa e inglesa.
Foi
então, que pouco antes do início da eclosão da Segunda Grande guerra, descia no
porto de Santos, com destino a São Paulo, para participar do grande grupo de
professores maristas do Colégio Arquidiocesano de São Paulo, localizado na Vila
Mariana, famoso em todo estado de São Paulo. Todos os colégios maristas eram bem-conceituados,
dentre eles o de Poços de Caldas, Ribeirão Preto e outro em São Paulo, o
Colégio Marista da Glória.
Na
França, prevendo que viria para o Brasil, começou a estudar o português com um
professor nativo e aprendeu a língua, derivada do latim, com facilidade. Ele
também se tornou simpático às terras brasileiras através de suas leituras. Dizia
sempre que adorava o cheiro do mato e nada melhor que o gosto da baunilha. Ao
chegar ao Brasil disse ter tido alguma dificuldade inicial para a conversação,
o que havia melhorado muito, após uns seis meses.
Uma
vez no colégio marista passou a dar aulas para várias turmas de francês, inglês
e de ciências geral, mais de biologia.
No colégio Arquidiocesano, os irmãos maristas eram, em sua maioria,
franceses e também espanhóis, com os quais fez boa amizade e um grande
entrosamento. Dava aulas diárias aos alunos internos e semi-internos do
segundo, terceiro e quarto ginasial.
Era
muito didático e se esforçava, para preparar bem suas aulas, enriquecendo-as
com músicas e pequenos filmes, em língua francesa e inglesa. Era por todos
conhecido como o simpático, irmão Clemente. Além de professor, passou a ocupar
vários outros cargos, como responsável pela rica biblioteca, tomar conta da
sala de estudo da divisão dos sub médios, ser o responsável pelo recreio das 17
às 18,30 horas, treinador de vôlei, basquete, etc.
O
irmão Clemente era uma pessoa fisicamente bem constituído, alto, pele clara, ereto
como um tronco de árvore, mostrando sinais iniciais de calvície. Seu sorriso
era cativante, raramente de mau humor.
Ele,
já estava no colégio há 18 anos, bem adaptado, contente da vida e assim
pretendia terminar os seus dias, como via alguns maristas já velhinhos,
caminhando com marcha lenta, curvados, agora com pouca função, rezando muito
mais, do que os outros.
Clemente,
próximo aos 43 anos, passou a ocupar o cargo de vice-reitor, com uma sala
própria e dava atendimento a familiares dos alunos, que vinham tirar dúvidas
sobre seus filhos.
Em
1959 eu, Oscar, com 12 anos, era semi-interno nesse colégio cursando a terceira
série. Foi quando tive um problema gastrointestinal e minha mãe, veio conversar
com o vice-reitor, querendo saber se eu, não havia ingerido algum alimento
estragado, servido durante o almoço.
Recebida
pelo irmão Clemente, minha mãe, inicialmente agressiva, logo se acalmou com a
conversa, que com ele teve. Olharam-se atentamente, conversaram bastante e
despediram-se com suspeitoso abraço apertado.
Esta
foi a primeira vez, mas, minha mãe, viúva, sempre arranjava algo para ir conversar
com o irmão Clemente. Por sua vez, ele,
como me contou um dia, passou a sentir grande afeto por ela. Não me esqueço da frase
que ele dizia com ênfase: - É notório, que a chama da paixão aumenta com o decorrer
dos anos! E que, aos 40 se ama quarenta vezes mais, do que aos 20! Compreendeu
isto, depois que conheceu Helena!
Estavam
apaixonados. Certo dia, ele chegou a trancar a porta de sua sala, agarrou-a
pelo braço e desferiu-lhe um beijo na boca. Ela aceitou, pois já previa isto e
até desejava que acontecesse. Não lhe importou, que era um celibatário.
Certa
tarde ele visitou-a em seu apartamento. Ela o esperava e então, deu-se o que se
previa! O raio risca o céu e rebomba. Foi o que aconteceu prazerosamente, na
vida dos dois.
Após
um namoro, totalmente discreto, não percebido pelos familiares e no colégio por
parte de seus companheiros, resolveram que se juntariam de uma vez!
Clemente
havia chegado à conclusão de que seu amor por Cristo e por Nossa Senhora, era
muito grande, mas nada, nada mesmo comparável ao que ele, agora sentia por
Helena. Era amor, paixão, tudo junto! Algo irresistível! Dizia ainda: - Muitas
vezes a paixão deixa doido os mais hábeis, e faz hábeis os mais tolos!
Foi
aí que ele decidiu quebrar o juramento feito há 20 anos, e largar os
Maristas.
No
colégio, acabaram sabendo de sua decisão, o que deixou todos boquiabertos.
Enfatizou
que o problema seria agora, ele que fizera voto de pobreza, sobreviver sem um
emprego. No entanto, Helena logo se dispôs a ajudá-lo. Ele logo, arrumou um emprego de professor de francês e
ciências em outro bom colégio de São Paulo, não marista!
Telefonou
para sua família na França, conversou com seus pais que há três anos não via, que
agora já idosos, embora pesarosos, prontificaram-se a ajudá-lo, inclusive antecipando-lhe
sua parte da herança.
Clemente
e Helena se casaram em cerimônia simples e passaram a viver juntos, muito
felizes. Logo nasceu um outro pimpolho, meu irmãozinho Orestes. Clemente
continuou sendo devoto de Nossa Senhora, não perdia as missas aos domingos. Voltou
algumas vezes ao colégio Arquidiocesano para rever os melhores amigos. Bem...
Com
ele, passei os melhores anos de minha vida.
Com
ele, aprendi francês, inglês e ciência.
Com
ele viajei muito pelo Brasil e Europa.
Com
ele, aprendi a ser pai, um verdadeiro pai!
Faleceu
há 12 anos... Tristeza! Saudade imensa!