Dilema - Paulo A. Abrahamsohn





Dilema
Paulo A. Abrahamsohn



Célia acordou cedo como sempre, preparou o café para a filha, ajudou a arrumar as suas coisas para ir à escola e começou a lavar roupa. Era a sua rotina. Ainda se fosse a roupa dela, da filha e do marido tudo bem. Só que Célia lavava para fora, e era quem sustentava os três. Mais tarde tomaria uma caneca de café. Comer alguma coisa, somente na hora do almoço.

Enquanto isso o marido dormia profundamente.

Lençóis, fronhas, camisas, cuecas, meias ... Célia não aguentava mais. Ainda bem que tinha boa saúde. Queria mudar de vida, mas não sabia como. O marido não trabalhava. Estava sempre pegando dinheiro de Célia para jogar. Vivia no carteado varando a madrugada tentando ganhar alguns tostões. Mais perdia que ganhava. E ainda bebia bastante.

Segurando uma das peças de roupa Célia sentiu uma picada no dedo. Revirou a peça até encontrar um alfinete, mas era um alfinete estranho, com uma cabeça muito grande. Célia olhou, olhou, mas não percebeu do que se tratava. Pegou uma lupa que a filha usava para observar plantas nas aulas de ciências para examinar melhor o alfinete. Não percebeu o que era e necessitou de um farolete para iluminar melhor o alfinete e acabou descobrindo que era uma pedra muito brilhante. Seria um enorme diamante?

A quem pertenceria esta joia? Não sabia mais a qual peça de roupa estivera presa. Pensou na lista de seus fregueses, mas isto não a ajudou muito. Célia não conhecia pessoalmente toda sua clientela. Ouviu um apito na porta de casa. Era o rapaz que fazia a entrega da roupa para ela. Será que este poderia identificar o dono?

Com uma tesoura recortou um pedaço de papel para prender o alfinete e pensou em dar para o entregador para ele descobrir o seu dono. Mas o rapaz estava com a bicicleta quebrada e naquele momento não poderia sair. Célia emprestou a ele um canivete suíço que o marido tinha ganho no jogo, para o rapaz consertar a bicicleta. Já estava quase na hora do almoço e chamou o entregador para comer alguma coisa.

Nessa hora acorda o marido. Dever ter jogado e bebido bastante, pensou Célia. 

— Perdi a chave de casa, disse o marido. Quase não consegui entrar ontem à noite.

Noite nada, deve ter chegado de madrugada, pensou Célia.

— Bati, bati até a filha abrir a porta para mim. Você vai que ter que me dar a sua chave, continuou o marido.

Célia fez de conta que não ouviu. Que vida miserável. É só sofrimento, pensou. Um marido que é um estorvo! E agora essa história do alfinete não lhe saia da cabeça. Escondeu-o do marido, senão ele iria trocá-lo por bebida ou usar no jogo desta noite.

Célia sentia sua vida cada vez mais pesada. Estava chegando a um ponto de não mais aguentar suas atribulações. Que futuro teria a filha? Célia, que mal e mal aguentava a situação, percebeu que sua paciência tinha chegado ao limite.

Pensou no alfinete com o diamante. Devia valer algum dinheiro. E se ela vendesse a joia em vez de procurar o dono? Conseguiria algum dinheiro para melhorar a vida. Afinal, quem tem um diamante tão grande possui muitas outras coisas e o diamante não lhe fará falta. É isso mesmo que vou fazer, decidiu. Senão minha miséria não terá fim. Pelo menos minha filha poderá ter uma vida um pouco mais confortável. Mas, nada para o marido. Perdeu a chave e não entra mais. Aproveito e ponho ele para fora de casa.

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