SERGIO DALLA VECCHIA - VÁRIAS HISTÓRIAS



RECORDANDO ANTIGOS TEXTOS



SERGIO DALLA VECCHIA






A INFALÍVEL DIETA PARA EMAGRECER.


Era uma mulher bonita, vivia em São Paulo e possuía muitas amigas, tamanho o seu carisma.

Tinha uma agitada vida social, ora batendo papo nas confeitarias da moda, ora curtindo alegremente as baladas noturnas.

Com esse modo de vida, acabava exagerando nos docinhos e drinks. Portanto era uma graciosa gordinha!

Certo dia, três amigas a convidaram para irem à Lisboa.

Ela ficou muito entusiasmada e de pronto aceitou. Surgira daí uma ótima oportunidade para conhecer Portugal!

La foram as quatro, ávidas de conhecimento, pois nenhuma delas havia posto os pés no velho Continente.

Fizeram uma ótima viagem, chegaram muito bem e foram direto para o  Hotel reservado. Instalaram-se duas em cada quarto.

No outro dia pela manhã, escolheram uma excursão para a visita ao Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, que se localizava próximo a Lisboa com a vantagem de se fazer uma bate volta sossegado.

Pelo caminho o guia foi narrando a história dos monges que lá viviam e que tinham uma dieta infalível para emagrecer.

Eles praticavam essa dieta, pois trabalhavam na lavoura para o próprio sustento e necessitavam estar bem de saúde para suportar o trabalho pesado do dia a dia.

Como dieta sempre desperta a atenção das mulheres, uma delas perguntou ao guia:

— Que dieta infalível é essa, afinal?

— É muito simples, minha amiga, não se ingere nenhum chá e nem pílulas milagrosas, respondeu o simpático guia.

— Lá no mosteiro, continuou o guia, foi construída uma porta, que é o único acesso à cozinha. Ela possui na sua largura uma dimensão bem menor do que as portas normais. São apenas 32 centímetros.

— Então, só poderiam fazer as refeições os monges que conseguissem atravessar a esbelta porta! Vejam o paradoxo; os monges gordinhos eram obrigados a emagrecer para terem direito a própria cobiçada comida!

— Infalível, né meninas! -  disse o guia com um sarcástico sorriso.

— Aproveito também para informá-las que nós visitaremos essa antiga cozinha, onde uns monges nos aguardam com docinhos portugueses, queijos, embutidos e vocês poderão ter o prazer de degustá-los.

Ao ouvir a tamanha epifania, a moça gordinha arregalou os olhos em desespero:

— Que pena! Agora me lembrei que não posso entrar no Mosteiro, pois não sou católica, minha religião não permite!









                      UMA VIAGEM PARA LÁ DE INSEGURA



Era um homem alto, imponente, estava sempre de botas, terno, gravata e não largava um cachimbo que exalava o perfume achocolatado do fumo Half & Half.

Tinha o hábito, como bom goiano de portar o revolver acomodado em uma cartucheira no peito.

Fazendeiro nato, chegou aos oitenta anos comprando fazendas desorganizadas a bom preço, fazia uma ótima gestão e assim que ela se tornasse rentável punha à venda com ótima valorização.

Era ele o tio da esposa de Rubens e considerada por ela um segundo pai.

Sua última aquisição foi uma fazenda no vale do rio Ribeira no município de Registro, S P.

O preço foi bom, ele estava numa alegria só, seus olhos brilhavam!

Assumiu a fazenda e começou a incrementa-la, arrumando cercas, pomar e principalmente abastecendo os pastos de gado.
Pronto! Já tinha condição para convidar a sobrinha com marido e os três filhos de dez, doze e treze anos.

Assim Rubens em um fim de semana de julho levou a família para a fazenda, deixando-os para curtirem uma semana de férias.


O lugar era lindo, havia uma sede de madeira bem próxima ao rio Ribeira.

Alugou um barco com piloto e saiu com a esposa rodando o rio. Tudo era verde, a flora exuberante e a fauna se apresentava com garças, marrecos, saíras e até um imenso urubu rei, nunca visto em lugar algum pelo viajado casal.

Depois andaram a cavalo em um manga-larga pampa e uma linda égua tordilha. As crianças não paravam de brincar com as galinhas, cabritinhos e bezerros.

O fim de semana passou e Rubens voltou sozinho para São Paulo na sua Chevrolet Caravan, deixando para trás a família e o entusiasmado tio.

A viagem de Registro para São Paulo é feita pela BR 116 - Rodovia Régis Bittencourt e a distância é de 200km. Na época tinha uma pista com duas mãos de direção e um imenso tráfego de caminhões. Normalmente ela era feita em duas horas e meia.

A semana passou e Rubens retornou ansioso para buscar a família.

As crianças estavam uma alegria só, coradas, mais calmas e receberam o pai com aquele triplo abraço e muitos beijos.

Infelizmente a alegria acabou, chegou o domingo e era hora da volta.

A Caravan já estava carregada e todos prontos para partir.

Aconteceu que o motorista que viria para dirigir o Alfa Ti do tio não chegava nunca. O tempo foi passando e decidiram ir sem ele.

O tio fez menção dele mesmo dirigir. Fato impossível, pois não dirigia há anos e não enxergava bem.

A tarde já estava avançada e sem opção, Rubens deixou que sua esposa fosse dirigindo a Caravan com a s crianças, e ele levaria o Alfa com o tio.

Tudo estava tranquilo até que já na Rodovia ela começou a mostrar insegurança nas ultrapassagens dos caminhões. Ameaçava, voltava e não conseguia!

Rubens vinha logo atrás e acompanhava atento todos os movimentos.

A situação já era de perigo iminente! Os caminhões impacientes faziam zig - zag querendo ultrapassá-la, mas não conseguiam e ainda mais nervosos se tornavam!

Na época não havia celular e a única maneira que Rubens encontrou foi emparelhar-se com ela e mandá-la segui-lo, ultrapassando-a com muito risco. Por sorte achou logo adiante um trecho com acostamento, parou saiu do carro e fez sinal para ela parar. A caravan parou e sua esposa apavorada ficou imóvel com as duas mãos grudadas no volante! As crianças assustadas choravam! A cena era a imagem do pânico!

Já era noite. Pedir socorro para quem? Não havia nenhum policial rodoviário. Os caminhões passavam em alta velocidade sem dar a mínima, apenas balançavam os carros com o deslocamento de ar.

Rubens não tinha alternativa! No Alfa estava o tio idoso muito ansioso e a família apavorada na Caravan! Tudo de ruim passava pela sua cabeça. Um mal súbito do tio! Um desmaio da esposa! Até um caminhão desgovernado passar por cima de todos no acostamento!

A solução era uma só. Prosseguir a viagem o quanto antes!

Após acalmar as crianças e depois a esposa com muita conversa, orientou-a para guiar normalmente e apenas segui-lo.
Assim, quando Rubens percebia que se formara uma fila de caminhões atrás da Caravan, ele saia para o acostamento no que era seguido imediatamente pela esposa. Os caminhões passavam desesperados e logo em seguida os dois carros retornavam para estrada. Essa operação foi repetida algumas vezes e a tática foi aprovada.

Finalmente, após quatro horas de viagem chegaram todos em São Paulo sãos e salvos!

O tio ainda convidou a família algumas outras vezes, mas eles sempre arranjavam uma desculpa para não aceitar para a tristeza do velho.

E assim o tempo passou e a fazenda foi vendida, mas dessa vez sem lucro, pois o rio Ribeira voltou a inundar todo o vale causando enormes prejuízos.

Esse foi o último negócio do tio!






O PRIMEIRO TREM


Era Natal.

A família toda estava reunida na sala  de estar do sobrado da Rua Luiz Goes.

Eu e meus três irmãos estávamos muito ansiosos, pois já era quase meia noite e o Papai Noel estava por chegar trazendo os nossos presentes.

O Eduardo, o mais velho havia pedido uma bicicleta Monark aro vinte e seis,  pois já tinha mais de quinze anos e se achava o “adulto”.

O Pérsio, meu irmão gêmeo esperava uma nova bola de basket. A bola velha já estava com os gomos gastos e vários deles sem couro. Ela até que aguentou muito, pois havia uma cesta no quintal e aconteciam diariamente inúmeros rachas. O mais interessante é que no jogo de vinte e um, no qual participam apenas dois jogadores o resultado era sempre alternado, ora era eu o vencedor ora meu irmão gêmeo. Havia lógica nisso, pois éramos  idênticos, na aparência, peso e altura. Assim ganhava sempre quem estava com mais garra. A diferença era sempre de uma cesta.

O irmão caçula pediu um velocípede, que era um triciclo muito em moda na época.

Eu pedi um trem elétrico da ATMA. Era uma miniatura do famoso trem de passageiros que fazia a rota São Paulo / Barretos.

A noite estava estrelada  dignificando da importância da data do nascimento de Jesus.

Por fim as esperadas doze badaladas do relógio antigo ressoaram pela sala toda como prenúncio de felicidade e alegria.

Em seguida  ouvimos a voz do meu pai lá do andar de baixo:

 — O papai Noel esteve por aqui e deixou alguns presentes, desçam aqui, venham ver que como são lindos !

A tática dos meus pais era essa, enquanto éramos distraídos na sala pela minha mãe, meu pai descia para o andar de baixo e abria uma pequena sala que seria uma futura adega e que servia como guarda volumes deles, pois só eles tinham a chave.
Meus irmãos e eu descemos a escada voando e fomos direto para a adega e pronto! Lá estavam os nossos queridos presentes.

A bicicleta Monark do Eduardo era linda com os para-lamas na cor vinho e os cromados reluzentes!

A bola de basquete do Pérsio era de couro marrom, com gomos muito bem costurados  e tinha aquele cheirinho de couro novo que todos nós apreciamos.

O caçula  montou no seu velocípede de imediato e já deu umas voltas externando toda a sua alegria, com um lindo sorriso e brilhos nos olhos.

Em fim o meu presente. Lá estava a grande caixa de papelão que na sua tampa estampava uma gravura da composição do trem  dos meus sonhos.

Após todos abrirem os presentes, subimos para cearmos. Os brinquedos foram vistos, apalpados e cheirados, mas para brincar mesmo só no dia seguinte. Essa era a regra lá de casa.
Todos à mesa e meu pai dizia algumas palavras de agradecimento ao menino Jesus pela fartura daquela refeição, pelo  bom ano, pela nossa saúde e pela prosperidade. Daí  sim iniciávamos a ceia.

Após muitas conversas e a barriga cheia, o sono surgiu de repente e nós crianças fomos todos cambaleando para as nossas camas. Desmaiamos de sono!

O dia amanheceu e eu desci desesperado  para montar o meu trem elétrico.

Escolhi um lugar seguro embaixo da escada que era ideal para se montar os trilhos.

Assim fui montando um a um os segmentos de trilhos, até que o circuito composto de duas retas e duas curvas de 180º graus se formou. Agora faltava ligar o transformador e pronto.

A  energia elétrica estava ligada e a locomotiva já podia se mover, bastava apenas colocá-la nos trilhos.

Na sequência montei o cenário, que consistia de uma estação ferroviária  e uma casa de fazenda com miniaturas de vacas, cavalos etc.

Enfim, tudo pronto. Peguei a locomotiva de dentro da caixa e a instalei  nos trilhos.

Meu Deus, que imponência! Era a réplica de uma locomotiva elétrica “GE A1A- A1A” e estava nas minhas mãos! 100t de peso e quase 20 metros de comprimento!

Ela era na cor azul e tinha a marca da Companhia Paulista de Estradas de Ferro “CP” em branco. Igualzinha a verdadeira.

Sim, eu sabia, pois viajei varias vezes nesse trem quando ia para Barretos, cidade onde nasceu o meu pai.

Coloquei-a nos trilhos. Acionei a alavanca de avante no transformador e pronto. Lá foi minha locomotiva desfilando pelos trilhos. Eu estava maravilhado! Eu me deitava com a cabeça junto aos trilhos e a admirava com meu próprio zoom a passagem dela quase raspando no meu rosto.

Após algumas voltas parei a GE na estação e fui pegando um a um dos cinco vagões que formavam a composição:

O do correio, o restaurante, o pullman, o de primeira classe e o de segunda classe. Todos na cor azul e o teto em prata. Fui colocando-os nos trilhos, sentindo, admirando e recordando minhas viagens.

Enfim a composição estava completa, todos os vagões engatados à locomotiva e tudo pronto para iniciar a viagem inaugural do meu trem! Só minha!

Assim a composição partiu. Eu me posicionei deitado junto aos trilhos e extasiado com a passagem de cada vagão junto ao meu rosto.

 O vagão Pulman com suas poltronas giratórias, o restaurante com suas mesinhas ornadas cada uma  com o seu abajur, o de primeira classe com seus bancos estofados  na cor vinho e o da segunda classe com  bancos revestidos de palhinha.

Assim o trem passava e por vezes eu era acordado por alguém, pois havia dormido embalado pelo som  dos trilhos emitido pelas rodas passando pelas suas emendas: tetreque-tetreque, tetreque-tetreque... E viajando, viajando me veio um sono danado. Vou cochilar por essa prazerosa lembrança.


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