Só faltava essa! - Fernando Braga




Só faltava essa!
Fernando Braga



Sexta feira fria, 23,00 horas, quando nos despedíamos uns dos outros, naquele conhecido bar, onde por anos nos reuníamos quinzenalmente, nós os amigos sexagenários, com a amizade vinda dos bons tempos de universidade.

Bebíamos sempre caipirinhas, caipiroscas, cerveja e até uísques, conforme a preferência antiga de cada um, ao lado de gostosos petiscos, bem preparados.

Uma vez que consumíamos bebidas alcoólicas, íamos e voltávamos de Uber, para nossa tranquilidade!

No final, fui ainda ao banheiro, onde também lavei o rosto, as mãos e procurei a saída, após ter contatado o Uber. Fui o último a me despedir alegremente dos garçons, nossos conhecidos, que muito bem nos serviam, saindo então para a rua, aguardando a condução.

Uma vez na calçada, senti como uma punhalada do lado esquerdo do peito que me fez dobrar, dor forte que correu para minha mandíbula, igualmente para o braço esquerdo. A dor me prendia a respiração, se acentuava, tive que encostar em uma árvore. Logo imaginei que devia estar tendo uma angina, talvez um enfarte do coração!

Olhando para o lado oposto, vi táxis parados, e dirigindo-me a um deles, pedi para levar-me imediatamente a um hospital, talvez ao Einstein, que estaria próximo. Estávamos em uma travessa da avenida Cidade Jardim!

O chofer vendo a situação, procurou atender ao meu pedido e saiu em velocidade. Telefonei à minha mulher contando o ocorrido, pedindo a ela para dirigir-se ao PS do Einstein, nosso conhecido.

Como a dor cada vez se mostrava pior, comecei propositalmente a tossir, a tossir forte, conforme orientação conhecida, de revistas populares.

Como o trânsito não estava tão intenso, o chofer do táxi corria a solta, chegou a atravessar alguns sinais no amarelo, buzinando fortemente, como se fosse uma ambulância.
Iniciamos o cruzamento do rio Pinheiros sobre a ponte da Cidade Jardim, em velocidade, quando foi percebida a presença de uma blitz da PM, fechando o trânsito, parando os carros em fila única, onde vários guardas pediam os documentos e faziam o teste do bafômetro.

Nesta hora, eu tossia e suava frio intensamente, recostado no banco traseiro, vendo a situação, implorando ao chofer que fosse em frente e não parasse. Um guarda no meio da ponte ergueu seu braço, um sinal para parar e encostar, mas o chofer abriu sua janela e gritou ao guarda, que estava levando um doente que não passava bem, para o Einstein.

O guarda veio, olhou no banco traseiro do carro, eu com as mãos no peito, olhar estatelado, tossindo, mas ele disse: 

- Não queira bancar o engraçadinho, o espertinho! Percebi que vinham veloz e para despistar, combinaram deste cara aí atrás, fingir-se doente! Esta é a desculpa, o teatrinho mais comum e esfarrapado que usam, mas não somos bobos, temos experiência! Documentos e espere para lhe trazer o bafômetro. 

Comecei a urrar de dor! O chofer do táxi ao invés de estacionar lateralmente, puxou a direção para a esquerda e saiu em disparada. Foi aquela correria. Apitos, mais apitos! Guardas situados mais à frente tentaram nos impedir, mas em vão. O guardas se movimentaram e dois deles saíram em direção às suas motos, para iniciar nossa perseguição. O chofer, em alta velocidade, ia tocando a buzina, cortando aqui e ali, ultrapassando perigosamente os demais carros, atravessando alguns sinais fechados, pegando a avenida Morumbi, até chegar na rua do Einstein. Em todo caminho, o chofer olhava para o banco de trás e perguntava como me sentia, demonstrando muita preocupação. Foi quando as motos nos alcançaram, emparelhando conosco. Os guardas percebendo que realmente íamos em direção ao hospital, seguiram-nos, até querendo ajudar, tocando sirenes. 

Entrando no pátio do PS, o chofer desceu e dirigiu-se correndo ao atendimento, solicitando uma maca de urgência, dizendo que trazia um paciente com enfarte. Atendido imediatamente, fui levado à uma sala onde o médico plantonista examinou-me, medicando-me com vaso dilatador cardíaco, analgésico forte e aspirina, que em cinco minutos me deram grande alívio. Rapidamente fez um ECG, confirmando o enfarte.

O chofer do táxi teve que ficar esperando fora, mas pedindo informações sobre do meu estado!  Observou também que os dois guardas das motos, vendo que entramos no PS, apenas deram meia volta.

Foi quando chegou minha esposa, acompanhada por um de meus filhos, ambos muito aflitos. O médico veio conversar com eles e informou que eu estava melhor, havia tido um enfarte e que já estavam preparando o meu cateterismo.
O chofer se identificou e ao perguntarem se eu o havia pago, disse que já estava tudo certo!

Meu caso evoluiu bem, foram colocados três stents, um deles na artéria principal do coração e hoje estou recuperado.

Após três meses, estávamos novamente nos reunindo no mesmo bar. O que primeiro fiz foi procurar aquele chofer humano, inteligente, corajoso, e o encontrei. Perguntei-lhe se havia recebido alguma multa e quanto lhe devia. Apenas disse: - Nada!! Foi uma enorme satisfação poder ajudá-lo, meu querido! Estimo que esteja bem!

Simpatia e amizade são as formas mais queridas, dos humanos seres. Tornamo-nos simplesmente bons amigos! Mais um para nos dar a satisfação de jantar, ocasionalmente conosco!

Na velhice conhecemos melhor os homens e as coisas! Amigo certo, conhece-se nos momentos incertos!



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