Nossa ex-aluna Vera Lambiasi, envia-nos uma gostosa crônica de sua primeira lembrança.
Primeira lembrança de infância
Vera Lambiasi
Tupã, rua
Guaianazes, balcão de azulejos brancos da cozinha. Hoje chama-se ilha, mas
antigamente era uma construçãozinha alta mesmo, com um armarinho no vão. Do
chão éramos arremessados e sentados, para amarrar os sapatos, olhar um dente
nascido, ou enfiar comida na goela. Mas neste dia, de 1964, serviu para minha
mãe observar o pé direito da incauta motorista de triciclo. Havia um machucado
que varava o dorso e alcançava a sola.
— Têêêê, traga
o mercúrio cromo!
— Virgem
Santíssima, isso vai arder Dona Yari.
— Quem mandou
se meter com os moleques da rua?
Pois bem, não
andávamos de tico-tico como todo mundo. O pé esquerdo ia no estribo traseiro do
veículo e o direito impulsionava o chão para ganhar velocidade. Mãos firmes no
guidão. A rua perpendicular era uma descida, e na esquina uma curva acentuada feita
em perfeito equilíbrio.
Às vezes
falhava, sorte não haver carro, carroça ou caminhão naquele instante.
A capotagem
deve ter sido espetacular, mães exasperadas surgiram de toda a vizinhança. Algumas
com aquele sentimento obscuro de “não é meu filho, graças a Deus”.
Sangue, suor e
lágrimas era o filme da época, e meu acidente uma adaptação infantil da guerra
que assolou a rua da minha infância. Protagonismo injusto para uma menina tão
faceira.
Chamada do
farmacêutico Victor Hugo, para dar mais drama. Curativo feito depois de muitos
gritos de merthiolate, anti-tetânica vinda de Bauru. Triciclo no bicicleteiro
para manutenção por um mês, de castigo. Nunca que voltava.
Enfim chegou,
novinho, pintado, todo verdinho.
Pé recuperado,
mas só tive permissão para brincar de pipoqueiro com ele.
Sabe quando
levanta a roda da frente e roda os pedais fingindo fazer pipoca?
— Uma com vinagre,
Dona Vera Lúcia, arrulhava mamãe.
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