ARRUMADEIRA ENCRENCADA
Oswaldo
U. Lopes
Marina era camareira-arrumadeira e
trabalhava sempre em hotéis. Três fatos a respeito dela chamavam a atenção:
1-
Figura. Esbelta de traços finos, rosto suave,
só as mãos, um pouco ásperas e com calosidades, perceptíveis quando tocadas,
denunciavam um trabalho menos elegante e servil.
2-
Carteira Profissional. Nela se registravam
inúmeros empregos em diferentes hotéis, todos, sem distinção de tamanho,
elegantes e finos. Ela até cogitava perde-la para evitar perguntas embaraçosas.
Desistiu quando percebeu que os gerentes trocavam informações e comentários,
numa verdadeira rede social. Em relação a ela eram, até, no geral favoráveis.
Estranhável era o fato de que ela se mandava no melhor da festa.
3-
Melhor da Festa. Marina vivia um padrão acima
do que o emprego permitia. Como ninguém procura esse tipo de trabalho como
diversão ou passatempo, ali estava o mistério. O difícil era juntar as peças.
Figura
bonita, delicada, aproveitava os descuidos dos hospedes e os aliviava de
pequenos objetos, numerário, de preferência moeda estrangeira etc.
Quando os pequenos furtos começavam a
ser percebidos e sua ocorrência, sempre em determinados andares, todos no geral
a cargo de Marina, ela se despachava, dava um tempo e voltava a procurar
emprego em outro hotel e mesmo em outra cidade.
Isso explicava a rotatividade na
carteira profissional, a sorte explicava porque nunca o cerco se fechara.
No emprego atual o susto fora de matar.
Havia desfeito o clipe de notas de 50 euros e aliviado o conteúdo em cinco
notas quando ouviu o barulho da chave.
Bendito o prédio da parte antiga do hotel que ainda tinha chaves que
faziam barulho.
O casal entrou no quarto enquanto
Marina voava para o banheiro ainda segurando as notas. Para sorte dela, esta
parte do hotel, embora também luxuosa, tinha detalhes de antiguidade. Por
exemplo, no box do chuveiro, uma espessa cortina e não portas envidraçadas.
Meteu-se lá dentro enquanto a madame
entrava no banheiro e procurava peças da maquiagem. Durou uma eternidade, foi o
que pareceu a Marina que ficou o tempo todo sem respirar.
O cavalheiro achou estranho as notas
meio desarrumadas no clipe, mas como todo homem rico, não tinha o costume de
contar o dinheiro que carregava e que ia trocando e gastando, conforme o
necessário.
Marina lastimou que a tal madame, como
ela mesmo aliás, demorasse tanto nos pormenores da pintura que entrevia pela
cortina. Mesmo sem respirar o coração acelerou tanto que teve medo que o ruído
dele fosse percebido e atraísse a atenção da tal senhora e que esta num gesto
rápido puxasse a cortina.
Não aconteceu, como em outras ocasiões,
ficou o susto e o pensamento de que era hora de parar ou de mudar de emprego.
Saiu do banheiro devagar e diligentemente
passou a arrumar a cama para o caso de mais uma entrada abrupta dos hospedes.
O DIA
EM QUE A SORTE ACORDOU MAIS TARDE
Lá estava Marina sentada na frente do
gerente, tentando arrumar o avental num gesto faceiro.
Fora na parte nova do hotel, onde havia
cartões e não fechaduras barulhentas. O hospede entrara no momento fatal em que
ela remexia e surrupiava notas da carteira dele. Voou inutilmente para o
banheiro. Os boxes aqui eram envidraçados e absolutamente transparentes.
A sorte acordara tarde e o cavalheiro
voltara cedo. Este nem se preocupou em entrar no banheiro, fechou o trinco que
dava acesso ao banheiro e chamou a gerência.
Foi encontrada pelo gerente, acocorada
embaixo da pia, ainda segurando um maço de notas na mão.
Agora estava ali a mercê dele, embora
com uma carinha de enternecer qualquer um e isso ele ficou, enternecido.
Até transformou o episódio em algo bem
palatável. O hospede resolvera não prestar queixa (só ia lhe trazer
aporrinhação) e não tendo havido prejuízo, o Hotel que cuidasse da vida de seus
empregados.
O gerente pensou com razão que se
chamasse a polícia iam ele e o Hotel parar no noticiário policial e nas
manchetes.
Falou
até com certa doçura:
- “ Isso
explica muita coisa, mas vamos resolver numa boa. Você pede demissão e não leva
nada além do salário, desiste do aviso-prévio e some.
Como
é de seu conhecimento, temos uma rede de contatos de modo que não adianta você
procurar emprego em outros hotéis. A menos que seja numa espelunca, mas aí você
não encontrara as facilidades com que está acostumada.
Sua
rendosa carreira terminou aqui e acho que você não deveria mais frequentar
hotéis de luxo a não ser que queira virar garota de programa. Honestamente você
leva jeito. ”
Quieta
Marina começou a pensar. Até que esse fdp tem sua razão, porque será que a
sorte me abandonou, logo agora? Essa vida não estava mal de levar, será que a
outra, que ele sugeriu, vai dar certo.
Arrumou
a saia do uniforme levantou-se e saiu, querendo ver se a sorte já tinha
levantado.
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