Senso de família - Fernando Braga



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Senso de família
Fernando Braga

       Eles, pai, mãe e o pequeno Abdul Aziz de 8 anos, moravam em casa humilde na periferia de Aleppo, a segunda maior cidade Síria, quando a guerra entre as tropas do ditador Assad e os revolucionários contrários a ele, se instalou. Podia-se ouvir bombas e foguetes caindo, disparadas pelas tropas do ditador e também, vindas de fanáticos do E.I, proximamente localizados.

      O medo, o pavor da população era geral, intenso e todos procuravam se proteger ao máximo. Contudo, uma noite ocorreu o pior, quando um petardo caiu em sua rua, destruindo várias casas, incluindo a de sua família. Seus pais foram mortos, soterrados nos escombros, salvando-se apenas o menino que dormia em outro quarto. Ao amanhecer, o caos era geral, com mortos e feridos sendo levados a hospitais, ainda em funcionamento.

       Sozinho, o menino foi levado com uns vizinhos a pegar a estrada em direção a Karkamis, cidade próxima à fronteira com a Turquia e com muita dificuldade conseguiram atravessá-la.

       Após vários dias em um campo bem precário de refugiados, um pequeno grupo, seguiu em direção norte, até o mar. Abdul foi incluído entre aqueles que tomariam um barco, que iria em direção a uma ilha grega, com o intuito de mais tarde conseguirem abrigo no continente europeu. Como a maioria de refugiados da Síria e de outros países, arriscariam suas vidas navegando precariamente pelo Mar Egeu.

       Felizmente, conseguiram descer na Ilha de Kós, para lá permanecerem até conseguirem um salvo conduto para irem a Atenas. O pedido de asilo é muito demorado, mas a Grécia impede que sejam devolvidos.

       Nesta ilha, um dia, sozinho, triste, desesperançado, Aziz sentou-se em uma pedra à beira mar e começou a soluçar. Por obra do destino, algo bom se fez presente!

       Um médico brasileiro, de passeio pela Europa, quis conhecer a Grécia, incluindo a   Ilha de Kós, do famoso médico Grego Hipócrates, o chamado “Pai da Medicina”, onde está a Fundação Internacional Hipocrática, no meio de um parque e também um museu da medicina antiga.

       Naquela bela tarde, passeando com sua esposa ao longo da praia observaram a figurinha esquálida de um menino com a cabeça pensa, entre as mãos e soluçando.   Aproximaram-se e procuraram fazer um contato com ele. Não falava nenhuma palavra de inglês, mas logo deu a entender, através de seus gestos e mímica, que era mais um filho da guerra, vindo da Síria. Trocaram algumas palavras em árabe.

       O médico era descendente de Sírios. Seus pais haviam aportado em Santos na década de 1940, apenas com duas pequenas malas, onde estavam todos os seus pertences. Eram imigrantes, sírios e pobres.

        Após 40 anos, era um fazendeiro na região de Ribeirão Preto e um dos maiores produtores de leite do estado. Conseguira criar e formar seus seis filhos, agora casados e que lhe deram muitos netos. Várias vezes haviam voltado à Síria, para visitarem seus parentes e recordarem os tempos idos. Amavam a Síria e o Brasil, país que lhes deu todas as oportunidades. Para isto, muito tiveram que trabalhar!

       Este médico de nome Khalil e sua esposa Fátima, acompanharam o menino até o local em que ficavam seus infelizes conterrâneos. Se inteiraram da sina daquela criança que havia perdido seus pais. Viram a decadência de uma etnia, onde imperava a pobreza e o infortúnio. Despediram-se do grupo, após lhes dar mil dólares, com a promessa de que voltariam a conversar sobre o menino, no próximo dia.

       No caminho de volta, Khalil e a esposa estavam tristes, pensativos, como se lhes faltasse algo. Sentaram-se em um bar para um refresco e logo a fala surgiu quase ao mesmo tempo de suas bocas.

    -Vamos adotá-lo? Levá-lo conosco para o Brasil para viver em nossa casa?
   -Temos sério compromisso com os patrícios de nossos pais, com o país de onde      vieram! Após concordarem, pensaram na atitude a tomar.

       Foram ao departamento de polícia, explicaram a situação e uma permissão para levá-lo até Atenas, ao consulado Brasileiro, para obter um visto e alvará para leva-lo consigo ao Brasil. Sendo um médico, aparentando boa situação financeira, gastando o que foi preciso, tudo conseguiram. Era mais o que a Grécia queria.

       Já, em sua futura casa em São Paulo, Abdul, entrou em contato com os dois filhos e a filha, já formados, daquela maravilhosa família, todos igualmente felizes e acolhedores. Aos poucos, passou a sentir-se como um membro da mesma, com todos os direitos e privilégios.

       Foi matriculado em um bom colégio onde iniciou o curso primário. Inteligente como era, após um ano já conseguia se entender em português e se alfabetizar.   Exatamente como haviam feito seus “avós” quando optaram pelo Brasil, evidentemente com maior dificuldade.

        Nada lhe faltava. Alimentação de primeira, quarto próprio, clube para a prática de esportes, muito amigos, que tendo conhecimento de seu passado, todo carinho e amizade lhe dispensavam. O tempo muito ajudou para que se esquecer dos queridos pais, daquela agitação toda para se esconderem, protegerem-se das rajadas de balas e bombas caindo do céu.

       Aos 11 anos de idade, se negava, não queria mais relembrar sua vida pregressa. Agora, sentia fazer parte da família nuclear, das melhores. Tinha pais, irmãos e primos. Sentia conforto, afeto, harmonia e o mais importante, segurança, com apoio necessário para resolução de conflitos e problemas que poderiam advir. Sentia uma unidade naquela família que o acolheu, de coração!
Dentre milhares de refugiados, certamente ele havia tido a melhor sorte.

       Sempre pedia para ver uma fotografia bem antiga, onde “seu avô”, o pai de Khalil, em cima de um carro alegórico, durante um carnaval, estava com os braços abertos, gritando, segundo dizem: Viva Brasil! Viva Brasil. Um dia ele gostaria de fazer o mesmo!

Mais ainda, tudo faria para um dia ele, Abdul Aziz, retribuir a oportunidade que tivera e se tornar um médico conceituado como o “pai”, para servir aos necessitados.


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